A ditadura moderna

O atual presidente prometeu dar 265 mil euros a cada uma das 209 federações.

A ditadura moderna
A ditadura moderna • Foto: EPA

"Este processo eleitoral é tudo menos isso, uma eleição. É um plebiscito de entrega do poder absoluto a um só homem – algo que me recuso a caucionar." Foi assim que Luís Figo comunicou que iria retirar a sua candidatura à presidência da FIFA. As razões apresentadas pelo português não causam surpresa junto daqueles que conhecem os métodos utilizados por Sepp Blatter para se manter no poder

Amanhã, dia 29 de maio, e apesar do escândalo que ontem levou à detenção de sete pessoas, Joseph Blatter irá vencer as quintas eleições consecutivas à presidência da FIFA. O príncipe jordano Ali Bin Al Hussein, atual vice-presidente, é o outro candidato. Pelo caminho ficaram Luís Figo e Michael van Praag, líder da federação holandesa. Ambos desistiram no mesmo dia e pelas mesmas razões. A saída de cena foi a única solução que encontraram face a um processo eleitoral pouco democrático.

O antigo vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Amândio de Carvalho, lamenta a desistência de Figo, mas não ficou surpreendido: "As razões que apresentou são válidas. A máquina da FIFA está muito bem oleada pelos seus dirigentes. O senhor Blatter vai continuar porque o poder é o poder. Aqueles que lá estão encontram sempre maneira de distribuir benesses pelas federações mais pobres e assim conseguir a maioria dos votos."

Em eleições anteriores, Blatter foi acusado de comprar votos. Agora o sistema é outro: estímulos financeiros destinados a garantir a lealdade das federações mais pobres. A 30 de janeiro, no dia seguinte à apresentação das candidaturas, o presidente da FIFA anunciou que iria distribuir 300 mil dólares (cerca de 265 mil euros) por cada uma das 209 federações que irão votar amanhã. Um total de 62 milhões de dólares (55 milhões de euros) que voam diretamente dos cofres da FIFA.

Na versão oficial, o dinheiro servirá para ajudas de custo nas qualificações do Mundial’2018 e para apoio à construção de infraestruturas, mas Figo e os restantes candidatos acusaram Blatter de estar a usar receitas da FIFA para conseguir votos. A verba pode não significar muito para alguns países, mas representa cerca de 20% do orçamento anual de 100 das 209 federações com poder de voto.

A mesma prática foi utilizada nas últimas eleições, em 2011. O suíço iria ter pela frente o qatari Mohammed Bin Hammam, que no passado foi um dos seus grandes aliados. A três dias das eleições, contudo, Bin Hammam foi acusado de tentar comprar votos de algumas federações asiáticas. O comité de ética da FIFA eliminou a sua candidatura e expulsou-o do organismo. Blatter concorreu sozinho. Ganhou pela quarta vez.

Na hora do adeus forçado, Hammam acusou o suíço de ter feito o mesmo durante um congresso da CONCACAF, confederação da América do Norte e Central, quando prometeu doar a este órgão 1 milhão de dólares (perto de 900 mil euros). O presidente da UEFA, Michel Platini, estava presente e disse a Jérôme Valcke, secretário-geral da FIFA, que Blatter não tinha autorização do comité de finanças da FIFA para fazer aquela oferta. Resposta de Valcke: "Calma, eu vou encontrar o dinheiro para o senhor Blatter."

Envelopes recheados

João Rodrigues, antigo presidente da FPF, foi membro do comité de disciplina da FIFA durante 24 anos. Ao longo desse tempo privou com as mais altas figuras da instituição. Revela que continua a manter uma excelente relação com João Havelange, anterior presidente da FIFA, a quem apelida de "irmão mais velho". Com Blatter a história é outra: "Fui amigo dele, já não sou." João Rodrigues considera que a FIFA evoluiu muito com Havelange, mas estagnou durante a presidência de Blatter: "Pouco tem feito pelo futebol. Foi um grande secretário-geral de Havelange, mas como presidente… É um homem que gosta muito do palco."

Esse palco foi tomado em 1998, ano em que Blatter abandonou o cargo de secretário-geral para substituir Havelange na presidência da FIFA. O processo eleitoral frente a Lennart Johansson, então presidente da UEFA, foi manchado por várias alegações de subornos e compras de votos.

No livro "How They Stole the Game" ("Como Eles Roubaram o Jogo"), de 1999, o autor David Yallop afirma que Blatter, através da ajuda de Bin Hammam, distribuiu envelopes de 50 mil dólares (45 mil euros) pelos presidentes indecisos na véspera da eleição: "Alguns dos apoiantes de Blatter começaram a entrar em pânico no sábado que antecedeu a votação de 2.ª feira. Estavam convencidos de que Johansson ainda tinha a maioria… Cerca de 15 a 20 delegados foram persuadidos a mudar o voto dentro do envelope por outro envelope contendo 50 mil dólares." As eleições tiveram lugar em Paris, antes do Mundial de França. João Rodrigues estava presente, mas diz nunca ter visto "nada de anormal". "Só soube depois através de todas as notícias que saíram."

Os envelopes terão sido apenas uma parte da estratégia. Marcos Casanova, membro da candidatura de Johansson, chegou a acusar Blatter de oferecer bilhetes do Mundial aos presidentes das federações: "A FIFA é dona dos bilhetes. Blatter tem os bilhetes fisicamente e isso permite-lhe ligar a qualquer presidente e dizer: ‘Se quiseres, dou-te dez bilhetes para a final.’ Depois, coloca esses bilhetes num envelope e diz: ‘Com os melhores cumprimentos, Sepp.’"

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