Ângelo Meneses: «Hesitei ir para a Arménia, agora não me passa pela cabeça voltar»

Jogador contou a experência no futebol arménio e aconselha todos os que queiram emigrar, que é um bom país para o fazer

"Não conhecia nada da Arménia. Sabia, apenas, o nome, de ouvir falar. Nada mais". É com esta sinceridade, acompanhada de uma gargalhada, que Ângelo Meneses, de 26 anos, começa a falar da sua passagem pelo FC Ararat-Arménia, emblema daquele país, para o qual rumou no último verão. Sobre este passo na carreira, dado depois de ter contribuído para o regresso do Famalicão à Liga NOS, assume não ter sido fácil: "Ao início hesitei um pouco", confessou o defesa-central, a quem agora nem passa pela cabeça voltar a Portugal. Mas já lá vamos. Comecemos pelo início desta aventura.

"Não sabia de nada daquele país e fiquei um pouco de pé atrás, mas fui ao ZeroZero saber se havia algum português ou alguém que tenha jogado cá, a representar aquele clube. Vi que estava lá o Alphonse, um médio que tinha estado na Oliveirense, no Gil Vicente e no Feirense. Sabia que ele falava português, pedi-lhe opinião no Instagram. E foi daí que eu soube as primeiras coisas do clube e da cidade. Disse-me que era um clube sério, que não tem problemas a nível de pagamento, nem ao nível da qualidade das infraestruturas e disse mesmo ‘podes vir à vontade, não tens problemas’", recordou Ângelo Meneses, antes de afirmar que também procurou daquele futuro colega uma opinião sobre a cidade: "Perguntei primeiro pelas condições financeiras e depois saber coisas da cidade. Disse-me que era na capital, que era como Lisboa ou Porto, uma cidade à frente. Contou que o resto do país é que era antiquado. E confirmei tudo isso quando cheguei".

O jogador, que passou pela formação do FC Porto e do Leixões, e que chegou a ser internacional Sub-20 ficou animado, mas, ainda assim, tinha uma condição a fazer ao clube: Não ir sozinho. "Era a primeira vez que iria para fora do país. E exigi que a minha namorada fosse comigo, para não ir sozinho. Além disso, ela sabe cozinhar bem (risos) e a alimentação é importante para um desportista. Depois do que o Alphonse me disse e de saber que ela poderia ir comigo, não hesitei mais. Pensei, vamos lá, então".

Todavia, e antes de começar a falar sobre aquilo que encontrou na Arménia, convém abordar aquilo que ficou para trás. É que Ângelo Meneses recebe a proposta para a primeira experiência no estrangeiro, depois de uma época em que contribuiu para a subida do Famalicão, clube da cidade de onde é natural, ao campeonato principal do futebol português. E reconhece que a separação doeu, até porque dentro dele havia o sonho de atuar no principal campeonato do futebol português.

"Eu tinha contrato com o clube, tinha feito 24 ou 25 jogos, estava até à espera de ter a possibilidade de renovar, pois tinha feito uma época boa. E estava à espera de poder ficar no plantel. Já tinha concretizado um sonho que era subir um clube da terra à Liga e representar o clube na primeira divisão era ouro sobre azul, mas chegamos a uma altura em que começamos a olhar para outras coisas. Fiquei triste quando tive que me vir embora, mas recebi uma proposta financeiramente melhor e que me pode abrir portas para outros patamares, como jogar na Europa, ou outras ligas atrativas e financeiramente muito boas, como a Rússia ou a Ucrânia", contou o jogador ao nosso jornal.

A verdade é que tinha que tomar uma decisão rápida e até teve que cancelar as férias programadas numa ilha espanhola, pois tinha que se apresentar no FC Ararat-Arménia logo a 10 de junho. Chegou cinco dias depois. Primeiro sozinho, pois a equipa iria logo para estágio e pretendia confirmar aquilo que o Alphonse lhe tinha dito com os próprios olhos. A namorada seguiu viagem três semanas depois.

"Quando assinei o contrato, deram-me logo casa e foram logo impecáveis comigo. Dão uma opção e dizem: ‘tens esta casa, mas se não gostas, podemos ver mais’. Gostei logo da primeira que fui ver", referiu o central, antes de abrir o livro sobre como tem sido esta passagem pelo futebol arménio. Contudo, se quando lhe perguntamos, se pensa voltar a Portugal, responde, "agora, nem pensar". É sinal que ainda não se arrependeu da decisão tomada há seis meses.

"Não estou nada arrependido de ter vindo. Faço um balanço super positivo. Não é o mesmo nível competitivo que uma primeira divisão em Portugal, mas estou muito contente com o clube, um clube que está a começar agora [N.D.R. Foi fundado em 2017], mas o qual tenho a certeza que vai dominar o futebol arménio. O próximo objetivo é tentar chegar a uma fase de grupos da Liga Euopa. Quanto ao país e à cidade não tenho nada a apontar e, se algum colega me ligar a perguntar se vale a pena vir para a Arménia, só vou dizer mesmo coisas boas. E aqui pagam melhor e a horas", assumiu, entre risos, Ângelo Meneses, jogador que esta época já participou em 21 jogos, todos eles a titular, e apontou um golo.

Sobre o futebol daquele país, reconhece que necessita de evoluir um pouco, mas acredita que tal vai acontecer nos próximos anos. 

"Aqui, posso dizer que é mesmo nível de uma segunda liga portuguesa, talvez um pouco mais forte, mas os clubes portugueses da segunda liga, certamente que faziam boa figura lá. É um futebol com muitos contra ataques, um jogo muito partido, não há muita organização. Ainda falta alguma cultura tática. E isso nota-se na seleção nacional, que está a passar uma fase muito mal", atirou, sublinhando, depois, que o futebol ainda não tem muita expressão naquele país, e que só sentiu uma grande união, quando o FC Ararat-Arménia esteve próximo de atingir um feito inédito para aquele país: "Estivemos muito perto de atingir a fase de grupos da Liga Europa. Chegámos à terceira pré-eliminatória, mas fomos eliminados nos penáltis, diante do Dudelange. Nesse jogo, até meteram ecrãs gigantes na cidade, para as pessoas verem o jogo. Já na segunda eliminatória, perdemos contra o Saburtalo, da Geórgia, 2-1, em casa. Como são países vizinhos, na segunda-mão foram muitos adeptos ver o jogo à Geórgia e vencemos, por 2-0".

Falhar a presença na fase de grupos da Liga Europa foi uma desilusão para Ângelo Meneses, mas neste momento, já acrescentou ao currículo uma Supertaça Arménia e agora segue-se a luta pelo título. Em terceiro lugar, mas só com menos um ponto que o líder, Lori. Algo que o jogador acredita que vai ser possível no final das contas.

"Somos o clube grande, com os melhores jogadores, mas não há qualidade igual em todo o plantel. Depois, as equipas fecham-se muito contra nós. Poderíamos estar melhor, tivemos alguns jogos em que empatámos e perdemos e não deveríamos, mas estamos dentro do objetivo. O campeonato está confuso. A equipa que está em primeiro, o ano passado lutou para não descer. E o clube mais concentuado na Arménia está em sexto. Mas poderíamos estar melhor, pois já tivemos muitos jogos este ano em que falhámos muito na finalização. Deixámos fugir muitos pontos", lamentou.

Já sobre a qualidade de vida na Arménia, Ângelo Meneses não tem nada a apontar. "Vivo perto do centro de treinos. Poderia também viver no centro da cidade, mas preferi ficar perto do centro de estágios. Vou a pé para os treinos e se quiser depois ir ao centro da cidade fica a  15 minutos de carro. Paga-se cerca de um euro e trinta, imagina. Muito barato. Nem sequer tenho carro. Um mês depois, disse que não queria. Iria ter prejuízo. Vi o preço do táxi e era incrível. É muito simples, normalmente ao fim-de-semana vamos jantar fora, meto na app e em dois minutos tenho o táxi", explicou a Record, o jogador.

Todavia, nem tudo são rosas, e há duas coisas que o internacional Sub-20 reconhece que são um problema: "Aqui o frio é maior, mas até agora, parece que em Portugal custa mais. Na Arménia é mais seco, mas ainda não apanhei neve. A principal dificuldade é mesmo a língua. Em armeno só sei mesmo dizer olá. Mas eles falam muito em russo. Percebo mais russo do que armeno. Ainda assim, o treinador tem sempre um tradutor que fala inglês. É que somos 10 que não falamos russo". Sobre o modo de vida dos armenos, há, de facto, uma coisa, que faz alguma confusão a Ângelo Meneses:

"O transito é um reboliço. A Arménia tem 3 milhões de habitantes e a capital Erevan tem perto de dois milhões. A maior parte das pessoas está na capital. É um transito absurdo e parece que quem apitar mais é que se safa. Eles abrem os vidros para discutir uns com os outros. De resto, é um país incrível a nível de segurança. Vês miúdos de 10 anos a andar sozinhos na rua. Vou ao hipermercado e vamos no elevador com miúdos que vão sozinhos".

Posto isto, pouco mais de seis meses depois de ter rumado à Arména, Ângelo Meneses é um jogador extremamente feliz e não tem dúvidas em aconselhar o país aos colegas de profissão. "Está a ser uma aventura boa, que recomendo a qualquer colega que queira. Vou contar, até, que já muita gente me disse que queria ir para a Arména. Eu explico como funciona o clube, a premiação que temos. É impensável em Portugal. Os países de leste têm esse aspeto dos prémios de jogo, algo que em Portugal não há tanto. Dá sempre aquele extra", vincou.

Aliás, também por isso, para voltar, teria que ser algo que valhesse mesmo a pena.

"Sei que para voltar para Portugal, só se fosse para algo que fosse mesmo bom para mim, tinha que ser algo mais ambicoso. E sei que é difícil. A nível monetário, penso que só compensaria se fosse para jogar nos seis ou sete clubes que andam lá em cima. E isso também conta. Tenho 26 anos, tive tantos anos a jogar na segunda liga com sonho de chegar à primeira divisão. Pensava muito nisso, a minha vida vai melhorar, e ao fim de tantos anos decidi não vou esperar mais. Já deveria ter saído. E agora que lá estou, quero fazer carreira lá e, se possível, ir para outro país melhor", enalteceu, mostrando sempre uma grande alegria e confança no futuro.

A verdade é que Meneses parece ter reais motivos para estar felz. Aliás, agora até tem férias de inverno, algo que não acontecia "desde os tempos de escola", brinca o defesa do FC Ararat-Arménia, clube que agora apenas volta a competir no final de fevereiro.

"O campeonato parou no dia 1 de dezembro e agora retoma, na última semana de fevereiro ou primeira de março. Regressamos à Arménia agora e temos três semanas de estágio no Chipre. Precisamos que passe a neve".

O jogador veio a Portugal passar a época festiva, onde esteve cerca de um mês, mas trouxe na bagagem algumas regras a cumprir. "Mandaram um plano para eu fazer. Três semanas antes de voltar comecei a cumprir um plano. Se não chego lá e não corro", brincou.

Por Valter Marques
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