Sérgio Vieira: o fascínio pelo futebol brasileiro e a ambição de ter sucesso no país irmão

Sérgio Vieira, de 34 anos, vai ser o treinador mais jovem da edição deste ano do Paulistão

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A exibição da Ferroviária de Sérgio Vieira que chamou a atenção do São Bernardo

Onde é que você estava a 20 de dezembro de 2004? Nesse dia, nascia o São Bernardo Futebol Clube. Um clube recente, perto de São Paulo, e que agora tem um treinador na mesma linha. Com 34 anos, Sérgio Vieira vai ser o técnico mais jovem do Paulistão em mais uma aventura pelo país irmão, depois dos sub-23 do Atlético Paranaense -  chegou a comandar a equipa principal, Guaratinguetá, Ferroviária e América Mineiro. Nesta entrevista a Record, o português assume o fascínio pelo futebol brasileiro e explica, ao detalhe, alguns 'mitos': é um futebol lento e que vive à custa do talento individual'? Sim... e não. A estreia como treinador do São Bernardo é já este sábado, no Campeonato Paulista, contra o Grémio Novorizontino. 

RECORD - O São Bernardo foi fundado em 2004. Nessa altura, o Sérgio ainda não tinha começado a carreira de treinador. Que clube é este?



RECORD - O São Bernardo foi fundado em 2004. Nessa altura, o Sérgio ainda não tinha começado a carreira de treinador. Que clube é este?

SÉRGIO VIEIRA - Sim, ainda nem era treinador de futebol nesse ano. O São Bernardo tem uma história recente, é um clube bem organizado e localizado perto de São Paulo. Tem vindo a crescer nas últimas épocas porque é um clube diferente no Brasil, é um clube-empresa. Tem um dono e é gerido de forma diferente e com estabilidade. O diretor do futebol está aqui há várias épocas e isso permite que o clube tenha uma gestão que foi melhorando, em relação a dinâmicas de trabalho, disciplina e critérios de contratação, por exemplo. É um clube pequeno no cenário nacional brasileiro, mas é um exemplo de gestão até para clubes europeus. 

R -  Como surgiu o convite?

SV - No ano passado, defrontei o São Bernardo no campeonato estadual como treinador da Ferroviária. A minha equipa fez um ótimo jogo, teve 9 oportunidades de golo e atirou 4 bolas aos ferros. Eles acabaram por ganhar o jogo por 2-0, mas a forma como a Ferroviária jogou ficou-lhes marcado. Quando saí do América Mineiro eles abordaram-me, começámos a conversar e depois de entender a dinâmica do clube e as condições de trabalho achei que seria interessante disputar o Paulistão. Claro que não foi só por esse jogo em particular, foi também pela campanha e pelos jogos contra o Corinthians e o Palmeiras, entre outros.

R - Ficou satisfeito com as condições de trabalho?

SV - Em algumas coisas fiquei surpreendido pela positiva. A nível de fisiologia, análise de desempenho aos adversários, o scouting e cuidados com a alimentação, por exemplo. Tem algumas limitações em campos de treinos, não conseguimos treinar num só espaço. São essas pequenas dificuldades, mas estruturalmente o clube tenta ter boas condições e tem o mínimo garantido para fazer um bom trabalho. 

R - E o bom trabalho passa por...

SV - No ano passado, o São Bernardo passou aos quartos-de-final do Paulistão. Naturalmente, o primeiro objetivo é a permanência na elite do Paulistão porque é um campeonato que tem visibilidade e retorno económico. Mas isso é a obrigação mínima. Queremos igualar ou superar a marca de passar a fase de grupos. Estamos no Grupo A mas não defrontamos essas equipas, enfrentamos todas as outras equipas dos outros grupos, como o Santos, Corinthians e Ponte Preta, por exemplo. A época começa agora e acaba em setembro porque depois do Paulistão temos a Série D. E aí, o objetivo é subir à Série C.

R - O que o fascina no futebol brasileiro?

SV - Eu quando decidi trabalhar no futebol brasileiro foi pelas condições do Atlético Paranaense, um clube grande com um projeto para ser campeão do Mundo em 10 anos. Depois, as coisas foram-se desenrolando naturalmente. E começou a definir-se dentro de mim o objetivo de ter sucesso no Brasil, ser campeão, ganhar uma competição internacional. Isso acontece em todos os países, o de alcançar o objetivo máximo. O facto de não haver portugueses e até poucos treinadores estrangeiros nos clubes brasileiros também é um desafio difícil que me fascina. 

R - A sensação que dá é que os clubes brasileiros não têm muita paciência para os treinadores. O Sérgio sentiu isso na pele já que esteve apenas 35 dias no América Mineiro...

SV - Aqui é mais intenso, mas é uma realidade que se passa em muitos países. Até na Europa isso acontece. Quem tem profissões de liderança tem de estar preparado para isso, é uma realidade que está a mudar. Em Inglaterra já trocam muitas vezes de treinador, mais do que há 7 ou 8 anos. Alemanha, Itália nem se fala... Temos muitos exemplos. Por isso, não me preocupa se têm paciência ou não. O que me preocupa é encontrar projetos que me garantam algumas condições para atingir o sucesso. No caso do América Mineiro, entrei a meio do campeonato, com muitos jogos e pouco tempo de recuperação, com jogadores lesionados e com um plantel que herdei do treinador anterior.

R -  Outra ideia que existe é de que o futebol brasileiro é lento. É mesmo assim?

SV - Há um contexto social e até regulamentar. Dou-lhe um exemplo: no Paulistão vou ter uma jornada à quinta-feira à noite, com o Palmeiras, e outro jogo 62 horas depois. Isso não existe, não é futebol. Porque os atletas não vão recuperar fisicamente, o treinador não vai conseguir que os jogadores coloquem em prática a capacidade física e tática e o jogo não vai ter a intensidade desejada. E isso tem a ver com as regras do futebol brasileiro. O intervalo entre jogos é de 64 horas e nós sabemos, através de estudos, que o intervalo deve ser, no mínimo, de 72 horas. O futebol mais pausado é um facto, mas não tem só a ver com os treinadores. Como é que um jogador faz um jogo muito intenso e, 62 horas depois, vai jogar novamente? É muito difícil. Como é que o jogador joga no clima de Porto Alegre, no Sul do Brasil, mais fresco e frio, e depois vai jogar a Recife ou Belém, que tem muita humidade e temperaturas mais quentes? Há factores de ordem natural e regulamentares que impedem que a intensidade seja a que vemos nos campeonatos europeus. Se tem de melhorar, acredito que sim. O que difere da realidade brasileira para os jogos da Europa tem a ver com a frequência com que vemos esses jogos. Na Europa também vemos jogos de baixa intensidade, chatos, dificeis de se ver, mas há jogo com intensidade com mais frequência. Mas aqui também há equipas bem treinadas e bem organizadas. 

R - Mas, por outro lado, também sobressai a técnica dos jogadores em ações individuais...

SV - Concordo, mas quando a organização coletiva é bem dirigida e está na proporção certa, as qualidades individuais acabam por se destacar. Ninguém tira os desequilíbros do Neymar, do Messi e do Cristiano Ronaldo nos campeonatos europeus. Se formos clube a clube, há sempre 2 ou 3 jogadores que fazem dribles, grandes passes, conduções de bola com velocidade. O que acontece no Brasil é que, por haver mais espaços e menos intensidade, destaca-se mais esse desequilíbrio individual. Está associado a isso.

R - Foi difícil para um português entrar no futebol brasileiro?

SV - Foi dificil devido às diferenças sociais, competitivas, técnicas e da formação humana dos atletas. Mas estou satisfeito com o resultado. Há treinadores que nem conseguem entrar no futebol brasileiro, outros entram e acabam por sair.

R - Chamam-lhe muito o 'portuga'?

SV - Às vezes, mas não considero um termo depreciativo. E também não ligo muito a isso. Recentemente, tivemos o exemplo da Chapecoense, uma tragédia que marcou todo o Mundo. Nesse momento, os profissionais do futebol mostraram que não há nacionalidade, cor nem religião. Para mim é a mesma lógica. Para mim existem seres humanos, existem pessoas. A minha equipa técnica é composta por brasileiros, excelentes profissionais que admiro, respeito e protego e eles fazem o mesmo comigo.

R - Já está totalmente adaptado à linguagem? 'Gramado' é relvado; 'zagueiro' é defesa-central; 'escanteio' é pontapé de canto...

SV - Isso é algo difícil porque depois volto a Portugal e dizem que só falo brasileiro (risos). Faço tudo para me adaptar às palavras e às expressões. É o mínimo que posso fazer. Gosto de seguir bons exemplos, como o José Mourinho a falar inglês e italiano ou o Pep Guardiola a falar alemão.

R - O seu nome saltou para a ribalta quando foi divulgada uma escuta de Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, em que ele o elogiava bastante. O que sentiu quando ouviu?

SV - Fiquei satisfeito porque foi alguém que representou um país enorme como o Brasil a elogiar-me. Nao me interessam as questões políticas nem o que está em causa, não me cabe a mim julgar. Quando somos elogiados e com fundamento, já que a Ferroviária estava a jogar bom futebol e a fazer bons jogos contra os grandes, é sempre bom. É a lógica de qualquer ser humano, ficar feliz quando faz bem as coisas.

R - Recebeu outros convites além do São Bernardo?

SV - Houve vários clubes brasileiros, até de Série B e de outros estados. Mesmo antes de vir para o São Bernardo houve duas situaçoes da Primeira Liga portuguesa...

R - Quais foram os clubes?

SV - Sou uma pessoa discreta e defendo que nos devemos expor publicamente pelo que conquistamos e não querer a exposição pública para conquistar algo. O meu perfil é de me focar no trabalho e não me adianta estar a revelar o nome dos clubes ou das pessoas, até por uma questão de respeito para com os treinadores que acabaram por ser escolhidos. Decidi voltar ao Brasil e investir forte no sucesso aqui para atingir a elite da futebol brasileiro.

R - E depois um dia regressar a Portugal?

SV - Claro que é um objetivo. Quero treinar os melhores clubes brasileiros e europeus, nos melhores campeonatos, e Portugal é um deles. Não sei quando é que vai acontecer, mas sei que vou trabalhar todos os dias para que isso aconteça.

Por David Novo
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