Gémeos Castro: a ternura dos 40

Quando tinham 14 anos e trabalhavam nas obras, os gémeos Castro inventavam quase todos os dias uma desculpa para irem treinar, à escondida dos pais. O senhor Jerónimo, agora com 71 anos, reconhece que os seus filhos tiveram uma infância difícil. A mãe é que viveu os piores dias da sua vida, quando os rapazes vieram para Lisboa, aos 18 anos, ingressando no Sporting. "Chorou dias a fio", recorda o marido

Até há poucos anos, Domingos e Dionísio Castro eram uns gémeos inseparáveis, mas nos dias de hoje já não é bem assim. Como Dionísio acabou mais cedo a sua carreira passou a dedicar mais tempo à empresa e os contactos profissionais enchem-lhe a agenda diária, enquanto Domingos teima em prolongar a longevidade da sua carreira até aos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004.

"Hoje podemos estar uns dias sem nos ver que não há problema, mas no início foi muito difícil. Quando o Domingos veio para Lisboa fiquei oito dias sem comer e chegou a falar-se na hipótese de ele regressar a casa. A minha mãe chorava todos os dias", recorda Dionísio Castro.

Por motivos de saúde, a mãe não poderá estar hoje presente na festa dos 40 anos dos seus filhos, mas a senhora Laura Rosa Pinheiro da Silva tem a memória viva dos primeiros tempos. "Eram muito mauzinhos, mas bons rapazes. Para onde ia um, o outro ia logo atrás. Não podiam estar separados. Como tenho oito filhos e se batia num, eles não se importavam, mas se tinham de repreender um gémeo, o outro saltava logo em defesa", diz com natural satisfação.

Desde que acabaram a quarta classe, os gémeos castro tornaram-se nuns traquinos de primeira. Foram trabalhar aos 11 anos e aos 14 apaixonaram-se pelo atletismo. E, aos poucos, começaram as preocupações e...as mentiras.

"Aqueles malandros arranjavam desculpas todos os dias para chegarem mais tarde a casa, dizendo que ficavam a trabalhar até mais tarde nas obras. Mas depois soubemos que não andavam em más companhias e lá tivemos de aceitar o facto de eles andarem a praticar atletismo", diz o pai Jerónimo Rodrigues de Castro, que hoje aparenta boa saúde para os seus 71 anos.

A mãe, que o mês passado fez 69 anos, é que não achava nenhuma graça às brincadeiras e mesmo quando já estava conformado com o destino e com uma carreira de sucesso dos seus filhos "não queria assistir às corridas através do televisor. Os nervos eram muitos e fugia para a cozinha. Aquilo metia-me muita impressão. Vê-los a fazer tanto sacrifício, com a cara transfigurada do esforço. Não aguentava". O pior foi quando foi confrontado com o adeus para Alvalade. Tinham eles 18 anos e estavam na força da vida. A troco de 18 contos tiveram de deixar a cidade berço em troco do Sporting. "Chorou dias a fio, mas depois tudo foi passando", conta o marido.

Os gémeos Castro fizeram, entretanto, carreiras de sucesso no atletismo, são obrigatoriamente duas referências e hoje celebram 40 anos. É o início de uma nova etapa, certamente mais ternurenta.

Uma casa nova para os pais

Quando Domingos e Dionísio conseguiram amealhar algum dinheiro ofereceram aos seus pais uma casa nova. Melhor: reconstruíram a casa onde sempre viveram. Isso aconteceu após o Mundial de Roma, em 1987, quando os dois já eram grandes figuras. "Investimos na altura cerca de sete mil contos e hoje, na verdade, a moradia tem boas condições. Mas ficamos sem dinheiro", recorda Domingos.

Os melhores entre família de oito irmãos

Há 20 anos, quando os gémeos Castro completaram 20 anos de idade, dava o Domingos os primeiros passos em Lisboa e no Sporting, enquanto o Dionísio (entretanto ingressado no serviço militar) lhe seguiria as pisadas alguns meses depois.

Oito irmãos, pais muito pobres, mal terminaram a quarta classe haviam logo começado a trabalhar. O atletismo surgira no clube da terra, o Fermentões. Mas foi no Lameirinho que começaram a dar nas vistas, ao serem segundo (o Domingos) e nono (o Dionísio) no Nacional de Juniores de Corta-Mato, em 1982. Seleccionado para o Mundial da categoria, em Roma, Domingos faria aí a sua primeira prova internacional (foi 59º).

A ascensão foi rápida. Em 1986, no Europeu de Estugarda, Domingos foi quinto e Dionísio 11º nos 5000 metros. Em 1987, no Mundial de Roma, Domingos foi sensacional medalha de prata, apenas batido por Said Aouita, enquanto o irmão era oitavo. Nem queriam acreditar... Os gémeos passaram 4a ser conhecidos mundialmente.

Depois, veio a grande desilusão da medalha perdida por Domingos, em Seoul'88, na sua primeira presença olímpica. Foi o único a seguir John Ngugi e parecia com a medalha de prata garantida quando, sobre a meta, foi ultrapassado por dois alemães.

Entretanto, enquanto Dionísio surpreendia tudo e todos ao chegar ao recorde mundial de 20 000 metros em pista, Domingos brilhava no corta-mato. E detém um recorde de presenças em Mundiais de corta-mato bem difícil de igualar: nada menos de 17 (e mais uma como júnior)! Agora, quer outro recorde: a presença em cinco Jogos Olímpicos...

Domingos: a classe

Domingos Castro andou sempre à frente do irmão. Foi primeiro internacional (ainda como júnior), foi o primeiro a ser convidado pelo Sporting, chegou às medalhas em Campeonatos do Mundo (pista) e da Europa (corta-mato), falhou por uma unha negra a medalha de prata olímpica. E, aos 40 anos, apresta-se para iniciar a sua última (?) época na alta competição.

Uma carreira tão longa quanto brilhante, em pista (chegou a vice-campeão mundial), corta-mato (foi duas vezes o melhor europeu em Mundiais e foi "vice" de Paulo Guerra num Europeu) e estrada (ganhou a Maratona de Paris, foi quinto em Nova Iorque). Aos 39 anos, tornou-se o mais velho campeão de Portugal de corta-mato de sempre. Aos 40 anos quer ser, pela quinta vez, olímpico...

Retirada certa após Atenas

Agora é certo: Domingos Castro confirmou-nos, ontem, que vai pôr um ponto final na sua carreira como atleta após os Jogos Olímpicos de Atenas em 2004. "É o meu grande objectivo para esta temporada. Farei todos os possíveis para lá estar e reconheço que já não poderei ter a mesma ambição de outros tempos. No entanto, gostaria imenso de me despedir nos Jogos."

Dionísio: a persistência

Menos dotado do que o irmão, também mais azarado (não voltou a ser o mesmo depois de uma operação à pubalgia a que foi obrigado), Dionísio Castro nunca lhe ficou atrás em persistência. No Nacional de corta-mato (juniores) no qual deram nas vistas, teve que voltar atrás para apanhar o dorsal e acabou em nono lugar, longe do irmão (segundo), que foi de imediato seleccionado para o Mundial. Não desistiu.

Mais tarde, quando viu Domingos ingressar no Sporting, fazia, à tarde, por sua conta, os treinos que Moniz Pereira dava de manhã ao irmão. Acabou por ver reconhecida essa persistência com vários êxitos, o principal dos quais foi o recorde mundial de 20 000 metros em pista, em França, numa prova para a qual havia sido convidado como "lebre"!...

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