MORREU como campeão e quase nem teve tempo para viver o título nacional pelo FC Porto. António Livramento, considerado o melhor hoquista mundial de todos os tempos, faleceu ao princípio da noite de segunda-feira, no Hospital São José, em Lisboa, depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC) no sábado, quando se encontrava de férias no Algarve. Aos 55 anos desaparece uma das figuras ímpares do hóquei patinado e do Desporto português, respeitado internacionalmente.
António Livramento estava a passar férias no Algarve e começou a sentir-se indisposto ao final da tarde de sábado. Foi o seu sogro (Fernando Cabrita, antigo seleccionador nacional de futebol) quem o encontrou, em casa, estendido no chão e que, de imediato, o transportou ao Hospital de Faro. Os médicos diagnosticaram o AVC e resolveram transferir António Livramento para Lisboa, onde chegou há uma hora da madrugada ao Hospital de São José, onde a família e amigos mais próximos o esperavam. Livramento foi conduzido à Sala de Reanimação e ligado a um ventilador. Depois foi a luta contra a morte, embora nada fizesse prever o desenlace final. No dia seguinte à entrada no Hospital São José, Livramento registou ligeiras melhoras, embora o estado fosse crítico. O acidente provocou-lhe uma hemiparalisia do lado esquerdo e os médicos esperavam pelas próximas horas para lhe fazerem uma TAC (Tomografia Axial Computadorizada). Segunda-feira, Livramento reagiu e deixou de estar ligado ao ventilador. Foi o último suspiro do campeão, que durante dois dias lutou contra a morte. Despediu-se como um campeão.
SELECÇÃO DE LUTO
A notícia da morte de António Livramento correu depressa e foi acolhida com grande consternação, em Reus, onde está a decorrer o Campeonato do Mundo de hóquei em patins. A comitiva portuguesa só teve conhecimento do "adeus" do melhor jogador de sempre após o empate com a Argentina e os jogadores refugiaram-se em silêncio na cabina. Muitos dos elementos da comitiva lusa não contiveram as lágrimas e Carlos Sena, presidente da Federação Portuguesa de Patinagem, propôs que hoje fosse cumprido um minuto de silêncio em homenagem a Livramento no encontro entre Portugal e Moçambique, onde a selecção nacional envergará braçadeiras pretas.
Dos outros quadrantes também foi notória a tristeza quando se soube da morte de António Livramento. A equipa de futebol do FC Porto, que está a fazer uma digressão por Angola, recebeu com tristeza e pesar o "adeus" do treinador de hóquei em patins, que há dois meses se sagrara campeão nacional. O treinador Fernando Santos chorou e, em Lisboa, o antigo campeão olímpico da maratona, Carlos Lopes, que privou muito tempo com Livramento no Sporting, também verteu lágrimas. O País chora a perda de um ídolo.
António Livramento, que em miúdo foi um dia ao Estádio da Luz para se iniciar no futebol, acabou por dispensar as chuteiras para calçar patins. Rapidamente se transformou num jogador de eleição, sendo orientado por outro grande mestre, Torcato Ferreira. E quando deixou de jogar, Livramento tornou-se num treinador respeitado e ganhador. Uma carreira de sucesso.
O DONO DO ALÉU
Portugal tem obrigação de chorar por Livramento, um dos poucos portugueses que deu alegrias a uma nação que esteve mergulhada no fado da tristeza durante décadas. O dono do aléu do hóquei patinado mundial ganhou tudo quanto havia para ganhar. E era tão ímpar que só ele conquistou títulos pelos três baluartes do Desporto português, os últimos, aliás, há bem pouco tempo, ao serviço do FC Porto.
O alentejano de São Manços, que deixou órfão de magia o hóquei em patins mundial - os melhores jogadores jamais se aproximarão das suas características -, parte como outro grande campeão do Desporto português: Joaquim Agostinho. Morreu como aquele herói em Lisboa, não ludibriando o coma, tal como o ciclista de Brejenjas. E, por ironia do destino, antes de entrar na recta final da vida, foi esbarrar no Hospital de Faro, de onde, também, seguiria para a cama da morte, na capital.
O adepto do Belenenses jamais fumará ou se enervará, jamais jogará cartas ou criticará os "patrões" do hóquei mundial pelas absurdas regras que, por exemplo, conduziram ao aumento das balizas. Mas, na nossa saudade, continuará a marcar golos. Mesmo nos corações daqueles em que a bola só entra pelo buraco da agulha.
RICARDO TAVARES, NORBERTO SANTOS, ANTÓNIO RAMOS, JOSÉ ANGÉLICO, MIGUEL AMARO e AUGUSTO LEITE em Angola