"Se não estou no ginásio estou no Clube Naval de Cascais ou no mar, em treinos ou em competição, ou ainda em viagem. Nos tempos livres, se não estiver no "Skipper" na Marina de Cascais estou na praia do Guincho. Ou então estou em casa, a ouvir música ou ver filmes (só gosto de ir ao cinema ao domingo) ou a jantar no Biscoito". Eis o programa das festas diário de um campeão mundial de Laser, o nosso Gustavo Lima (coroado recentemente em Cádiz ao superiorizar-se rés-vés - um ponto- a um dos seus ídolos desportivos, o brasileiro Robert Scheidt), que nos apresenta assim a sua família global, entre o Brasil, onde nasceu e se sente como peixe na água, e Cascais, para onde veio com três meses e o pai o iniciou na vela, aos nove anos.
Mesmo cansado pelos festejos do título - algo ensombrados pela derrota do seu FC Porto frente ao Real Madrid, nas Antas -, Gonçalo não dispensa a ida matinal ao ginásio - em tempo de competição passa lá duas horas, orientado por Licínio Reis - e já tem saudades do mar: "Parece que já foi há um mês que ganhei o campeonato, mas foi há uma semana [dia 24]; no entanto, já tenho vontade de andar", diz.
Segunda casa
Andar, de barco, bem entendido, ali perto de casa, ao largo da Baía e do Clube Naval de Cascais, que representou até 1995 - "Saí para o Sport Club do Porto por uma divergência na distribuição de uns prémios de júniores" - e que considera a sua "segunda casa", com a saudação de uma empregada da limpeza - "Olá meu amor!" - a confirmar o estatuto: "Há 17 anos que venho todos os dias ao clube, mas às vezes está um pouco vazio. Deveria funcionar para os sócios, e não ser um local restrito", considera, depois de se sentar no sofá favorito e gozar a vista de uma janela.
Verificado o estado do barco de treinos, já que o de provas estava fechado na Marina - "Venho todos os dias controlar como estão as coisas: o material não pode falhar, também nos treinos mas, sobretudo, em competição" - Gustavo não resiste a mostrar a camisola com o seu nome que o FC Porto lhe ofereceu a uma figura carismática do clube, o benfiquista António Augusto, conhecido por "Ará".
Depois de passar pela esplanada do bar "Skipper", na Marina - "É de uns amigos meus, costumo vir aqui passar o tempo quando não há vento" - é tempo de dar um salto ao Guincho. " Venho aqui sentar-me aqui a ver a praia, ou então vou fazer 'surf' ou 'winsdsurf'. Estão umas boas ondas, estava a ver se via os meus primos na água, estão quase a lançar o segundo filme português sobre 'bodyboard'. Se calhar também vão almoçar a casa da minha avó", diz Gonçalo, já a pensar nos quitutes de dona Lala.
A caminho de casa, e de mais um almoço preparado pela avó, não consegue evitar mais uma paragem, no "Biscoito", na Areia, para mostrar a camisola ao dono, Lino, outro adepto da águia: "É o meu restaurante favorito, onde o prato de que mais gosto é o 'piano' (entrecosto). E a cozinheira é empregada da minha tia e da minha avó...)"
Estabilidade essencial num desporto solitário
Há de facto muitas etapas familiares no quotidiano de Gustavo Lima (também tem parentes no Brasil natal - viu a luz no Rio de Janeiro há 26 anos -, e vai treinar de 15 de Janeiro a 15 de Fevereiro em Búzios, dos melhores campos de regatas do Mundo, onde pensa comprar uma casa), que não falta à reunião diária do clã em casa da avó, Rosália Lima (Lala).
O pai, Jorge e a segunda mulher deste, Manuela (única benfiquista em família de dragões) chegam para almoçar, cerca das 13.30 h, orgulhosos dos feitos do filho, num ritual que significa muito para quem sofre as tensões da alta competição: "É fundamental ter estabilidade emocional para resistir às exigências deste desporto solitário, que contribuiu para me formar espiritualmente. Acredito em Deus e no meu anjo da Guarda, o meu avô [António, falecido há dois anos], que me protege. Sou baptizado e católico, e entro muitas vezes em igrejas de todo o Mundo, seja na missa, seja apenas para rezar: é quando me sinto mais forte e seguro. E já dediquei este título ao meu pai, à minha mãe, Maria José, à Manuela, ao meu irmão Jorge [velejador em 49er], e o meu treinador Xavi [Gonçalo Carvalho], sem cujos apoios o meu trabalho e sacrifício não teria dado frutos", explica Gonçalo Lima, antes de se deliciar com mais uma refeição caseira, envolvido em muito, muito carinho.
Um sentimento que quer passar aos outros, através de um projecto, inspirado noutro similar do campeão europeu de Star Torben Grael, no Brasil, para ensinar a vela, sem custos, a crianças desfavorecidas: assim o apoiem autarquias, Estado e, claro, patrocinadores.
Dragão confesso e ponta-de-lança
"Se o teu avô visse!", exclamou, quase em lágrimas de felicidade, a avó de Gustavo Lima quando o neto lhe mostrou a camisola azul-e-branca com o nº 10 e o nome do campeão mundial, que lhe foi oferecida pelo FC Porto na recepção ao Real Madrid.
Foi de facto de António que os oito netos herdaram a paixão clubística, nunca escondida por Gonçalo.
"Foi convidado pela RTP, falei também na SIC e comentei o jogo no final, em directo, para a Antena 1. Depois estive a falar com o Paulo Ferreira, com quem joguei quando andávamos na Escola de Alvide. Não pude falar com o Pinto da Costa, porque tinha mesmo de me vir embora, mas há-de haver outras oportunidades", recordou o campeão do Mundo e ponta-de-lança em jogos com os amigos, que foi às Antas com a gestora de Imagem, Catarina Mota - "Ela anda sempre comigo nesses eventos, e pretendo associar a minha imagem a grandes empresas e marcas portuguesas", - e lançará em breve o "site" www.gustavolima.com. Profissional a 100 por cento.