Convidados
Desde que Paula Queiroz, ao subir a escadaria do estádio, encontrou dois cêntimos no chão, e logo a seguir, quando se sentou na bancada, mais uma moeda de um cêntimo, nunca mais largou estes dois amuletos da sorte que a acompanham sempre no bolsinho das calças, do casaco, da camisa, do carro. A família já tentou demovê-la, procurando um pensamento um bocadinho mais racional, tentando explicar-lhe que não era por Paula andar com aquelas moeditas para cá e para lá que a sua equipa ganhava. Mas vamos lá nós tentar entender os desígnios profundos da mística crença. Paula jura a pés juntos que, se deixar os três cêntimos em casa, a derrota é certinha. E sobre isto batatas.
Já João Mestre acredita no seu mais íntimo âmago que tem muito mais possibilidades de ver golos se a equipa atacar da esquerda para a direita. Ideia peregrina absolutamente validada por outro João, o Almeida, que não só é adepto de um lado sobre o outro como ainda reforça a mezinha cruzando a perna para o lado do ataque como se apontasse um pé como seta a facilitar que a redonda se encarreire, ordeira, na direcção da baliza adversária. Pena é que nem todos estejam de acordo nesta esotérica matéria e Cristina Almeida tenha a certeza de que, tanto no apito inicial como no começo da segunda parte, as pernas devem estar sempre descruzadas. E leva a coisa mais longe: havendo prolongamento e penáltis, é bom que os membros inferiores se mantenham afastados um do outro para que tudo não descambe numa fatalíssima derrota.
Há quem acenda uma vela antes dos jogos, como a mãe do Hugo Silva. E o António Barata nunca faz a barba no dia anterior. Miguel Vitório acha tudo isso um despautério de todo o tamanho até porque acredita que ser supersticioso dá azar! O que está certo para Miguel, e isto é fórmula validada durante anos a fio, é acender um cigarro mal o árbitro apita para começar a partida. Nuno Ferraria só tem uma exigência antes dos jogos: que o rival perca. E acha bastante curioso, e até suspeito, que umas vezes as suas preces resultem e outras nem por isso.
Agora, quem não está mesmo para deixar o jogo nos destinos da sorte é o Marco Passarinho que sabe que se perder um segundo que seja da bola a rolar o azar vai ensombrar a equipa com o manto negro das coisas do diabo. Deve ser por isso que, um dia destes, veio a assapar do Algarve a quase duzentos quilómetros/hora para não perder pitada dessa roleta russa que é o Benfica-Sporting. E, por falar em carros, o João Jony dá as voltas ao estádio que tiver de dar, mas tem de estacionar sempre no mesmo sítio. Dois ou três lugares ao lado e é evidente que o jogo já não vai fluir da mesma maneira. E o que dizer da mirabolante colecção de superstições que Gisela Pinto carrega na sua caderneta de afectos? Temos de mudar de parágrafo para não dar azar:
Primeira: não vê os jogos na televisão. Segunda: pede ao seu companheiro que grave os penáltis para ela depois poder ver com o coração almofadado, já sem os perigos da moeda do bem e do mal. Terceira: debaixo da camisola, leva outra com a imagem do Harry Potter e umas meias de feiticeiro. Quarta: durante anos, tinha de comer sempre uma fartura na mesma rulote, mas pelos vistos começou a perceber que aquilo não fazia sentido e libertou-se disso. O problema é que agora ganhou outra: já não coloca os nomes dos craques nas costas das camisolas porque, acredita Gisela, "ah é certinho que vão ser logo vendidos".
Tiago Vilhena está a ler isto e a pensar na quantidade de disparates absurdos que as pessoas fazem só por causa de uma bola a ser pontapeada por vinte e dois seres humanos; isto enquanto está sentado na infância, debaixo da mesa, a tentar que a equipa dê a reviravolta ao resultado. Patrícia Dantas tenta levantar Tiago, aconselhando-lhe outra mágica poção: que se ponha de pé a cantar de pulmões abertos e cheio de fervor o hino do clube e pode ter a certeza de que a vitória está no papo!
Mas a vitória da nossa equipa só se veste se cumprir vários preceitos simples e lógicos. Por exemplo, para Nuno Leite é evidente: nunca deixar que a irmã vá ao estádio (foi uma vez e a equipa perdeu) e nunca usar cachecol. Em miúdo, usou duas vezes e das duas vezes deu empate – uma tragédia que Carlos Oliveira tenta evitar não usando nada da cor do seu clube em dia de jogo para além da camisola. Se por acaso, à entrada do estádio, se lembra de que tem umas cuecas vermelhas, volta para casa e troca de indumentária. Pedro Reis sorri, enquanto beija a aliança para afastar o mau-olhado que a esposa de clube adversário sempre lhe tenta lançar para cima: realmente é o que está certo, ele que usa a mesma camisola e o mesmo cachecol a época inteira sem uma única lavagem. Chegado a Maio, então sim, lá vão a enxaguar as lãs e os algodões cheios de nódoas de cerveja e molho de bifanas e cheiro a tabaco e a fumo de morteiros e perfume de golos.