Nuno Saraiva

Nuno Saraiva
Nuno Saraiva Sócio do Sporting

Rúben: Onde vai um, vão todos!

A vetusta Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), num exercício de corporativismo bacoco, fez, há um ano, queixa de Rúben Amorim e do Sporting Clube de Portugal. Passado todo este tempo, e num contexto competitivo em que o Clube está em primeiro lugar na Liga com uma vantagem de 10 pontos sobre o mais direto competidor, a Comissão de Instrutores da Liga decide deduzir uma acusação de fraude contra o treinador e o Sporting por, alegadamente, este ter sido inscrito como adjunto quando, na verdade, seria o treinador principal.

Vamos por partes: este não é um caso virgem, longe disso, no futebol português. Antes de Rúben Amorim e o Sporting se terem limitado a fazer o que os regulamentos da Liga preveem, já outros o tinham praticado. De Paulo Bento a Sérgio Conceição, de Jorge Silas a Marco Silva, de Nuno Espírito Santo a Paulo Fonseca, de Petit a Mário Silva, de Pedro Emanuel a Pepa, e por aí adiante, todos estiveram na mesma situação de Rúben Amorim quando entrou no Sporting Clube de Portugal e jamais mereceram a deferência e sanha persecutória da parte do mister-adjunto José Pereira que lidera a ANTF.

As razões parecem-me óbvias: nunca um "miúdo", Rúben Amorim, tinha mostrado tanta competência e qualidade a liderar uma equipa de "miúdos", maioritariamente da Academia Sporting, e a tinha colocado no primeiro lugar do campeonato, a tanta distância dos rivais, ameaçando assim a hegemonia dos concorrentes diretos e, sobretudo, o poder instalado da galeria de treinadores de museu – exceção feita a Toni ou a Carlos Diniz que, entretanto, se demarcou da ANTF – e cujo currículo é, a todos os títulos, discutível. Além disso, interrogo-me, e devemos todos fazê-lo, sobre o que é que leva aqueles senhores a arvorarem-se na pretensão de serem proprietários por usucapião do direito de certificarem e atestarem competências, méritos e qualidades de quem quer que seja, e que, manifestamente, os seus currículos não revelam.

O que está aqui em causa é muito simples: Rúben Amorim é hoje um treinador com provas dadas. E o que é incompreensível é que o acesso à habilitação de nível IV possa demorar até 8 a 10 anos, ou seja, mais tempo do que fazer uma licenciatura, um mestrado ou até um doutoramento. As qualificações e a formação são fundamentais, seja em que sector de atividade for. Mas não podem funcionar como força de bloqueio à competência, ao mérito e ao sucesso, muito menos pela parte de quem, manifestamente, tem falta deles e de autoridade curricular.

Mas o Rúben Amorim não é, apenas, um treinador competente no plano técnico, tático e desportivo. Também no plano ético e comunicacional tem demonstrado toda a sua qualidade e inteligência. Num tempo em que passamos a vida a clamar, e bem, pela higienização do futebol português, numa época em que nos queixamos sistematicamente da toxicidade ambiental do futebol nacional, confrontamo-nos com agentes desportivos que estão empenhados na maledicência e em causar dano reputacional a um treinador e a uma instituição, mais do que centenária, como é o Sporting Clube de Portugal.

A consequência desta conduta é evidente, e já existiu noutras paragens. Um treinador como Rúben Amorim, um dos melhores ativos – não me esqueço, também, do Carlos Carvalhal que é um cavalheiro e um modelo de civismo – que o futebol português foi capaz de produzir em matéria de urbanidade ou uma espécie de álcool-gel desta pandemia que tem tantos anos no desporto português, rapidamente se fartará deste ambiente hostil e partirá para outro campeonato que tenha uma cultura civilizacional em que se reveja. E nós ficaremos entregues aos do costume. Isto é válido, não apenas para treinadores, mas também para dirigentes de clubes e outros agentes do fenómeno desportivo que não estão para ser insultados e vilipendiados nas suas reputações. E escrevo com a autoridade moral de quem tem a consciência de que, em vários momentos, também eu contribuí para um certo ambiente incendiário que seria dispensável.

E, de duas, uma: ou os apelos à pacificação e à descontaminação do ambiente no futebol são para levar a sério, ou então teremos que reconhecer que tudo não passa de hipocrisia e que, afinal, o que queremos mesmo é que nada mude para que tudo fique na mesma. Por mim, e perante esta ignomínia, comprometo-me com o Rúben Amorim dizendo-lhe, simplesmente, o seguinte: Onde vai um, vão todos!                

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