Pedro Honório da Silva

Pedro Honório da Silva
Pedro Honório da Silva Presidente da FPDE

Esports Nations Cup: Portugal na encruzilhada entre oportunidade e estratégia nacional

O anúncio da Esports Nations Cup (ENC) pela Esports World Cup Foundation marca um momento decisivo para os esports mundiais. Esta competição global entre seleções nacionais, que promete ser recorrente e alternar a cidade anfitriã a cada 2 anos, está agendada para novembro de 2026 em Riade, na Arábia Saudita. Esta iniciativa, desenvolvida em parceria com Publishers gigantes como Electronic Arts, Krafton, Tencent e Ubisoft, promete elevar os esports ao patamar das grandes competições desportivas internacionais, onde o orgulho nacional e a representação do país assumem protagonismo.

Mas a grande novidade não é a criação de uma competição entre nações, isso já acontece há vários anos, com particular referência para as últimas edições da World Esports Championship, da International Esports Federation. A nota de destaque da ENC e ser organizada pela mesma entidade que organiza o Esports World Cup, a prova maior de clubes dos Esports mundiais, que este ano teve um prize pool de $70M, e o anúncio da ENC veio com a indicação de que o prize pool desta nova competição de nações será igualmente $70M. Se compararmos com o prémio de $1M do World Esports Championship de 2024 (em que Portugal conquistou uma medalha de prata e outra de bronze), fica claro a diferença com que toda a comunidade olha para este novo torneio mundial de nações. Para mim, acima de tudo, este formato desperta rivalidades internacionais saudáveis e oferece aos atletas a oportunidade máxima de representar o seu país no palco mundial, com um retorno financeiro realmente apetecível e que irá, com certeza, mudar a forma como todos olham para os esports, desde atletas e clubes, aos próprios governos nacionais.

Oportunidade histórica para Portugal

Para Portugal, a Esports Nations Cup surge como uma oportunidade histórica de consolidar a nossa posição no cenário internacional dos esports. As medalhas de prata e bronze conquistadas pelas nossas seleções no último Mundial da IESF demonstraram que temos atletas com qualidade para competir ao mais alto nível. A ENC oferece-nos a possibilidade de transformar estes sucessos pontuais numa presença consistente e respeitada no topo mundial.

No entanto, a questão central que se coloca não é se Portugal tem talento para competir - isso já foi demonstrado - mas sim se estamos dispostos a fazer o investimento estratégico necessário para garantir uma representação digna do nosso país. A diferença entre uma participação meramente simbólica e uma candidatura credível ao pódio reside na preparação, na estruturação e no apoio que oferecemos aos nossos atletas, e que assenta numa estrutura profissionalizada e investimento em infraestrutura, para garantir essa mesma competitividade.

Portugal no 2.º lugar do WEC24
Portugal no 2.º lugar do WEC24

A persistente centralização saudita: riscos e realidades

Mantenho, no entanto, as preocupações anteriormente expressas sobre a crescente centralização do poder decisório dos esports na Arábia Saudita. A ENC, apesar de ser uma iniciativa positiva para o desporto do séc. XXI, reforça esta tendência de concentração. Praticamente todas as competições de topo mundial dos esports estão agora sob a égide saudita, criando uma dependência perigosa de um único país e das suas prioridades geopolíticas e financeiras.

Esta realidade coloca questões fundamentais sobre a autonomia e a sustentabilidade a longo prazo do ecossistema mundial dos esports. Que acontecerá se as prioridades sauditas mudarem? Como garantir que os interesses dos atletas e países participantes são protegidos quando o poder de decisão está tão centralizado? Ou poderemos ter aqui uma oportunidade de realmente criar um órgão tutelar democraticamente institucionalizado e efectivamente representativo do melhor interesse das quase 200 nações que existem no mundo?

Apesar destas preocupações legítimas, a realidade é que a ENC vai acontecer e será, certamente, a competição de seleções mais importante dos esports nos próximos anos, pelo menos. Portugal não pode permitir-se ficar de fora ou participar sem ambição. Temos de navegar estas águas complexas com pragmatismo, mantendo sempre os nossos valores e interesses nacionais como prioridade.

O momento da decisão: Governo e estratégia nacional

Este anúncio coloca o governo português numa encruzilhada decisiva. Ou assumimos uma abordagem séria e estratégica para os esports, ou resignamo-nos a uma presença marginal numa das indústrias de entretenimento e desporto que mais cresce globalmente.

A decisão não pode ser adiada nem deixada ao acaso. Se Portugal pretende ter uma representação forte e digna na Esports Nations Cup, é imperativo começar já a planear e executar uma estratégia nacional abrangente. Esta estratégia deve incluir o reconhecimento formal dos esports como modalidade desportiva, a criação de um programa nacional de desenvolvimento de talentos, e o estabelecimento de parcerias entre o Estado, a Federação Portuguesa de Desportos Eletrónicos e outras entidades relevantes.

Colaboração estratégica: FPDE, COP e Federações Desportivas

Mas mais importante ainda, a preparação para a ENC não pode ser vista de forma isolada. Este momento representa uma oportunidade única para alinhar esforços entre a FPDE - Federação Portuguesa de Desportos Electrónicos, o Comité Olímpico de Portugal e as restantes federações desportivas, criando sinergias que beneficiem todo o ecossistema desportivo nacional.

Os Jogos Olímpicos de Esports de 2027 aproximam-se rapidamente, e Portugal tem a possibilidade de se posicionar como um dos países mais preparados e organizados para esta competição histórica. A experiência e os conhecimentos adquiridos na preparação para a ENC podem ser diretamente aplicados na preparação olímpica, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento e profissionalização.

Temos de olhar para os esports de uma forma diferente, que respeite as idiossincrasias tanto dos desportos electrónicos como do desporto tradicional. Sempre defendi que se deve fazer uma separação clara entre o que são os desportos electrónicos de simulação desportiva, e os restantes. E que os desportos electrónicos de simulação desportiva devem ficar sob a alçada das Federações Desportivas dos desportos que estes videojogos pretendem simular.

Mas é importante que as Federações Desportivas tradicionais colaborem com a FPDE - Federação Portuguesa de Desportos Electrónicos, para garantirmos que fazemos as coisas bem, sobretudo para os atletas e clubes, defendendo o superior interesse nacional. Assim colhemos a vasta experiência que as Federações Desportivas tradicionais possuem sobre o desporto que está a ser simulado nos videojogos, e beneficiamos também da experiência que a FPDE - Federação Portuguesa de Desportos Electrónicos tem na área dos desportos electrónicos.

É fundamental que esta colaboração se inicie imediatamente, estabelecendo protocolos claros, definindo responsabilidades e criando estruturas de apoio adequadas aos atletas. O tempo de improvisação e de soluções de última hora tem de ficar no passado.

Superando o "deixar para a última hora"

Historicamente, Portugal tem uma tendência para abordar os grandes desafios desportivos com soluções de última hora, confiando mais no talento individual dos atletas do que na preparação estruturada. Esta abordagem, embora por vezes tenha resultado em sucessos pontuais, não é sustentável nem adequada para competições da magnitude da ENC ou dos Jogos Olímpicos de Esports.

A complexidade dos esports modernos, a necessidade de equipamentos especializados, a importância da preparação psicológica e táctica, e a exigência de suporte técnico avançado tornam imperativa uma abordagem profissional e planeada. Os nossos concorrentes internacionais (os países nórdicos, os países dos balcãs, na Europa, isto para não falar dos asiáticos!) já começaram as suas preparações; Portugal não pode permitir-se atrasos.

Consciência das dificuldades mas determinação no objetivo

Reconhecemos as dificuldades económicas e orçamentais que o país atravessa. No entanto, o investimento necessário para criar uma estrutura competitiva de esports é relativamente modesto quando comparado com outras modalidades desportivas, e o retorno potencial - em termos de projeção internacional, desenvolvimento da indústria tecnológica e criação de emprego qualificado - justifica largamente este investimento.

O sucesso nos esports não depende apenas de recursos financeiros abundantes, mas também de organização, visão estratégica e capacidade de mobilizar talentos. Portugal tem demonstrado, repetidamente, que pode competir com os melhores quando existe vontade política e organização adequada.

O futuro começa agora

A Esports Nations Cup representa mais do que uma competição; é um espelho onde Portugal pode ver refletido o seu posicionamento no futuro do desporto e da tecnologia. Podemos escolher ser protagonistas deste futuro ou simples espectadores.

A decisão está nas nossas mãos, mas o tempo para a tomar está a esgotar-se. Portugal tem o talento, tem a paixão e tem a capacidade de brilhar nos esports mundiais. O que nos falta agora é a vontade política e a determinação coletiva para transformar este potencial em realidade.

A Esports Nations Cup de 2026 pode ser o palco onde Portugal mostra ao mundo que somos uma nação que não se limita a sonhar, mas que tem a coragem e a competência para concretizar os seus sonhos.

Deixe o seu comentário