Pedro Honório da Silva

Pedro Honório da Silva
Pedro Honório da Silva Presidente da FPDE

Esports World Cup: uma Miragem de 70 milhões

A manchete ecoou por todo o mundo dos esports como um trovão: 70 milhões de dólares em prémios para a Esports World Cup. A maior competição de clubes de esports de todos os tempos, prometendo revolucionar o cenário competitivo. No entanto, por detrás do brilho ofuscante deste montante astronómico, esconde-se uma estratégia falaciosa que, em vez de nutrir a base do ecossistema, corre o risco de criar um fosso intransponível e insustentável. 

Esta injeção massiva de capital concentra-se, de forma quase exclusiva, no pináculo da pirâmide competitiva: o 1% dos clubes e atletas profissionais que já detêm a maior parte dos recursos. Enquanto a promessa de riqueza extrema paira sobre estes poucos eleitos, a vasta maioria dos clubes amadores e semi-profissionais, os verdadeiros alicerces do desenvolvimento dos esports, permanece na sombra, sem qualquer perspetiva real de aceder a esta torrente de dinheiro. 

Estamos a assistir à criação de elites, um modelo que dificilmente se concilia com os valores de um ecossistema desportivo saudável e vibrante. Como poderão os talentos emergentes, os clubes que dedicam tempo e esforço a formar novos jogadores, competir num cenário onde a disparidade de recursos é tão gritante? A Esports World Cup, com a sua concentração de prémios no topo, corre o risco de asfixiar o crescimento orgânico e a diversidade competitiva que sempre caracterizaram os esports. 

Mesmo para os clubes de topo, esta dependência de uma única competição de proporções gigantescas acarreta riscos significativos a longo prazo. O desporto, intrinsecamente, é incerto. Vitórias e derrotas fazem parte do seu ADN. Hoje, um clube pode ostentar uma constelação de talentos e arrecadar milhões; amanhã, uma má fase, mudanças de jogadores ou a ascensão de um rival podem inverter a situação. Se o modelo financeiro de um clube se baseia quase exclusivamente no sucesso nesta única competição, a sua queda do sistema de acesso pode significar a sua ruína, tornando a recuperação financeira uma miragem distante. Estamos, perigosamente, a replicar os erros da Liga dos Campeões no futebol, onde a concentração de riqueza nos poucos da frente ameaça a sustentabilidade do futebol como um todo. 

Um Desenvolvimento Desequilibrado: o foco exclusivo na Arábia Saudita 

Como já alertámos em artigos anteriores, este investimento aparentemente colossal no ecossistema global dos esports revela-se, sob um olhar mais atento, um projeto de desenvolvimento nacional em larga escala, centrado num único país: a Arábia Saudita. Todo o investimento em infraestruturas de ponta, em programas de formação e na acumulação de conhecimento especializado, todo o valor que está a ser gerado, está a ser concentrado num único território. 

À medida que mais e mais clubes se tornam dependentes, senão totalmente, desta competição financiada pela Arábia Saudita (uma dependência que para muitos já é uma realidade), surgem questões prementes sobre a integridade desportiva e o bem-estar a longo prazo dos atletas e clubes. Que garantias temos de que a verdade desportiva será sempre a prioridade máxima? Como assegurar que o apoio aos atletas e clubes não se torne refém de interesses geopolíticos ou económicos de um único país? 

A centralização de poder e recursos desta magnitude levanta sérias dúvidas sobre a sustentabilidade e a equidade do ecossistema global dos esports. Ao invés de um crescimento orgânico e distribuído, corremos o risco de criar um sistema onde o destino de grande parte do cenário competitivo está umbilicalmente ligado às decisões e prioridades de uma única nação. 

A urgência de estratégias nacionais e continentais robustas 

A verdadeira solução para um ecossistema de esports próspero e resiliente reside no desenvolvimento de estratégias desportivas independentes e autónomas em cada país e a nível continental. É imperativo investir na criação de competições locais, regionais e nacionais fortes, que sirvam de base para o desenvolvimento de talentos e clubes. Estas estruturas de base garantem uma maior diversidade competitiva, oferecem oportunidades a um leque mais vasto de participantes e promovem um crescimento orgânico e sustentável. 

A dependência excessiva de uma única competição global, por mais lucrativa que pareça a curto prazo, é um erro estratégico com potenciais consequências devastadoras para a saúde a longo prazo dos esports. A Europa, com a sua rica história de inovação e os seus talentosos atletas, tem a responsabilidade de trilhar o seu próprio caminho, investindo nas suas próprias infraestruturas, nos seus próprios talentos e nas suas próprias competições. Só assim poderemos garantir um futuro vibrante e equitativo para os esports, onde o sucesso seja fruto do mérito desportivo e do investimento na base, e não da dependência de um único e potencialmente instável pilar financeiro

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