Pedro Honório da Silva
Portugal encontra-se numa encruzilhada decisiva no desenvolvimento dos Esports. Após anos de crescimento orgânico, impulsionado pela paixão da comunidade e pelo talento dos nossos atletas, mas também pela boa vontade e generosidade dos voluntários que cedem o seu tempo livre ao desenvolvimento da FPDE, estou em crer que chegou o momento de dar o salto para a estruturação profissional. O Plano Estratégico Esports Portugal - Visão 2030, desenvolvido pela Federação Portuguesa de Desportos Eletrónicos, em estreita colaboração com figuras proeminentes do mundo desportivo nacional, como é o caso dos membros do Conselho Consultivo da FPDE, representa precisamente essa ambição transformadora que pode posicionar o nosso país na vanguarda europeia desta modalidade em explosão global.
Este não é um plano de sonhos impossíveis ou de aspirações irrealistas. É uma estratégia fundamentada, com objetivos mensuráveis, timelines definidos e, crucialmente, uma visão clara de como mobilizar os recursos necessários para a sua concretização, de forma realista e estruturada. Construído sobre quatro pilares fundamentais e colocando os Publishers no centro da tomada de decisões, o plano propõe uma série de medidas para alavancar e desenvolver o ecossistema competitivo nacional, para profissionalizar atletas, árbitros, treinadores e clubes, desenvolver competências não só em esports mas também em literacia digital, e finalmente apostar na diversidade, inclusão e acessibilidade.
Mas tudo tem de começar com os Publishers. Nao podemos esquecer que os Esports, ao contrário dos outros desportos, se trata de um desporto que se disputa com recurso a videojogos que são propriedade intelectual de uma empresa privada - o Game Publisher. A FPDE reconhece que os publishers são stakeholders essenciais no ecossistema dos Esports. Sem a sua colaboração ativa, não é possível construir um ambiente competitivo sustentável, justo e profissional. Este Plano Estratégico foi desenhado para estabelecer uma relação de parceria estratégica com os publishers, onde a FPDE atua como facilitador e organizador, sempre respeitando a propriedade intelectual e as diretrizes estabelecidas pelos detentores dos jogos.
O reconhecimento legal dos esports como modalidade desportiva (ou a sua equiparação) constitui a fundação sobre a qual todo o edifício do desenvolvimento nacional deve ser construído. Sem este reconhecimento formal, continuaremos presos num limbo jurídico que impede a profissionalização plena dos atletas, dificulta a atração de investimento institucional e mantém os esports numa zona cinzenta regulamentar que beneficia apenas os oportunistas.
O plano Visão 2030 estabelece como prioridade absoluta a obtenção do reconhecimento formal dos esports pelo Estado Português e a consequente atribuição do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva à Federação Portuguesa de Desportos Eletrónicos. Este reconhecimento não é meramente simbólico. Desbloqueia acesso a programas de financiamento desportivo, permite a criação de quadros legais para contratos de atletas, facilita vistos para jogadores internacionais e estabelece as bases para regimes fiscais e contributivos adequados à realidade dos esports.
O processo de reconhecimento exige alterações legislativas em múltiplas frentes. É um trabalho legislativo complexo mas absolutamente necessário, que a FPDE tem vindo a preparar meticulosamente através de estudos comparativos europeus e consultas com especialistas jurídicos, e trabalho colaborativo com todos os partidos com assento parlamentar, a Secretaria de Estado do Desporto, o IPDJ e, também, o COP.
A saúde dos atletas de esports e a integração educacional da modalidade constituem o segundo pilar estratégico, refletindo uma compreensão madura de que o sucesso desportivo sustentável só é possível quando assente em fundações sólidas de bem-estar físico, mental e intelectual, sempre promovendo os princípios de um estilo de vida activo.
O plano prevê a implementação de um programa abrangente de formação em práticas saudáveis de gaming que será integrado em todos os programas formativos da FPDE. Este programa aborda questões críticas como a ergonomia e postura durante longas sessões de treino, a prevenção de lesões por esforço repetitivo, a nutrição adequada para performance cognitiva, a gestão do sono e recuperação, e fundamentalmente, a prevenção de comportamentos aditivos.
A dimensão educacional do plano é igualmente ambiciosa. Propõe-se o estabelecimento de parcerias com instituições de ensino superior para criar programas académicos especializados em gestão de esports, desenvolvimento de jogos competitivos e análise desportiva aplicada aos esports. Os Programas de Certificação de Treinadores e Árbitros, que serão lançados já em 2026, representam um exemplo concreto desta visão, oferecendo formação profissional de alta qualidade que combina conhecimentos técnicos de gaming com fundamentos de psicologia desportiva, nutrição, planeamento de treinos e gestão de equipas.
Esta componente educacional não se limita ao ensino superior. O plano prevê a criação de programas escolares que integrem os esports como atividade desportiva legítima, promovendo valores como o trabalho em equipa, a perseverança e a disciplina entre os jovens estudantes. Parcerias com escolas públicas permitirão a criação de clubes escolares de esports, proporcionando espaços seguros e supervisionados onde os jovens possam desenvolver as suas competências sob orientação adequada.
O terceiro pilar centra-se no desenvolvimento das estruturas competitivas e de alta performance que permitirão a Portugal competir consistentemente ao mais alto nível internacional. Este pilar reconhece que o talento individual, por mais brilhante que seja, necessita de estruturas organizacionais robustas para florescer plenamente.
O plano propõe a criação de um Calendário Competitivo Nacional estruturado, que proporcione oportunidades regulares de competição para atletas de todos os níveis, desde amadores até profissionais de elite. Este calendário não se limitará a replicar modelos internacionais, mas será desenhado especificamente para as necessidades do ecossistema português, considerando a distribuição geográfica dos clubes, a sazonalidade escolar e académica, e a necessidade de integração com calendários internacionais.
A peça central deste pilar é a proposta de criação de um Centro Nacional de Alto Rendimento no Fundão, um projeto transformador que representaria um investimento entre três e cinco milhões de euros. Este centro, que serviria simultaneamente como sede da federação e como instalação de treino de elite, proporcionaria aos nossos atletas condições comparáveis às dos melhores do mundo. Equipado com tecnologia de ponta, instalações de treino especializadas, espaços de análise técnica e tática, e infraestruturas de apoio incluindo áreas de fisioterapia, psicologia desportiva e nutrição, este centro posicionaria definitivamente o Fundão como a Capital Nacional dos Esports.
Para além da infraestrutura física, o plano prevê ainda a implementação de programas de identificação e desenvolvimento de talentos, criando pipelines claros desde os escalões de formação até às seleções nacionais. A contratação de selecionadores nacionais especializados para cada modalidade, o estabelecimento de critérios objetivos de seleção e a criação de programas de estágios e bootcamps permitirão preparações mais rigorosas para competições internacionais.
O quarto e último pilar, dedicado à inclusão e diversidade, reflete o compromisso da FPDE com valores que vão além da mera performance competitiva. Este pilar reconhece que os esports têm o potencial único de ser uma das modalidades desportivas mais inclusivas, transcendendo barreiras físicas, geográficas e socioeconómicas que limitam a participação noutros desportos.
O plano estabelece objetivos concretos para aumentar a participação feminina em todos os níveis dos esports portugueses, desde atletas a treinadores, árbitros e dirigentes. Os resultados já alcançados pelas nossas seleções femininas, nomeadamente a medalha de bronze no Mundial de 2024 e a medalha de prata no Europeu de 2025, demonstram que quando são criadas as condições adequadas, as atletas portuguesas podem competir ao mais alto nível. O desafio agora é sistematizar esse sucesso e criar estruturas permanentes que incentivem e apoiem a participação feminina. Há uma estatística que é importante manter na frente das nossas iniciativas: cerca de 50% dos gamers mundiais são mulheres, mas apenas 5-7% dos atletas de esports são mulheres… Cremos ser de importância fundamental eliminar este gap entre a prática de lazer e a prática competitiva entre mulheres.
A acessibilidade para pessoas com deficiência é outra prioridade fundamental. Os esports oferecem oportunidades únicas para atletas com deficiência competirem em igualdade de circunstâncias. O plano prevê programas específicos para identificar e apoiar atletas com deficiência, adaptações tecnológicas quando necessárias e campanhas de sensibilização para promover a inclusão.
A dimensão geográfica e socioeconómica da inclusão é igualmente importante. Portugal é um país de contrastes, com recursos concentrados nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O plano prevê iniciativas específicas para promover os esports no interior do país e nas regiões autónomas, garantindo que jovens talentosos de Bragança a Faro, da Madeira aos Açores, mas também que os atletas com proveniência de ambientes menos favorecidos tenham acesso a oportunidades de desenvolvimento e competição.
A transição de um plano estratégico para resultados concretos exige mais do que boa vontade e documentos bem elaborados. Exige vontade política, coordenação institucional e, acima de tudo, compromisso sustentado ao longo do tempo. O plano Visão 2030 não é para ser implementado de uma só vez, mas através de fases progressivas que permitam ajustamentos e aprendizagens ao longo do caminho.
A fase inicial, prevista para os primeiros dezoito meses, concentra-se no reconhecimento legal e na criação das fundações regulamentares necessárias. Simultaneamente, serão lançados os programas educacionais e de certificação, que podem avançar independentemente do reconhecimento formal. Esta abordagem pragmática permite gerar momentum e demonstrar valor mesmo antes de todo o enquadramento legal estar completamente estabelecido.
A fase intermédia, entre o segundo e o quarto ano, focar-se-á no desenvolvimento de infraestruturas e na consolidação das estruturas competitivas nacionais. É nesta fase que se prevê a construção do Centro Nacional de Alto Rendimento de Esports e a implementação plena do calendário competitivo estruturado.
A fase final, do quarto ao quinto ano, concentrará esforços na projeção internacional e na consolidação de Portugal como referência europeia em esports, com particular foco na preparação para os Jogos Olímpicos de Esports de 2027 e na candidatura a eventos internacionais de grande escala.
O plano Esports Portugal Visão 2030 representa mais do que uma estratégia sectorial. É uma aposta no futuro, no talento da nossa juventude e na capacidade de Portugal se reinventar e prosperar numa economia digital global. Os esports não são uma moda passageira ou um capricho geracional. São uma indústria multimilionária em crescimento exponencial, com implicações que vão muito além do entretenimento, tocando educação, tecnologia, saúde e desenvolvimento económico.
Portugal tem todos os ingredientes necessários para o sucesso neste sector. Temos talento comprovado, com atletas já a conquistar medalhas em mundiais. Temos uma comunidade apaixonada e empreendedora, que construiu um ecossistema vibrante apesar da falta de apoio institucional. Temos competências tecnológicas reconhecidas internacionalmente e uma localização geográfica estratégica entre continentes e culturas.
O que nos falta é a decisão política de transformar este potencial em realidade estruturada. O plano Visão 2030 oferece o roteiro. Cabe agora ao governo português, aos municípios, às instituições de ensino e a todos os stakeholders do ecossistema decidirem se querem embarcar nesta jornada transformadora.
O comboio dos esports está em movimento acelerado a nível global. Portugal pode escolher embarcar como protagonista ou ficar a ver passar. A Visão 2030 oferece-nos a oportunidade de escolher o protagonismo. Não a deixemos escapar.