Daniel Sá
O desporto vive uma revolução silenciosa que pode mudar para sempre a forma como os adeptos consomem o jogo. Durante décadas, os direitos televisivos foram a principal fonte de receita para clubes e ligas, negociados com operadores tradicionais que garantiam milhões em contratos de exclusividade. Mas essa lógica está a ser desafiada pelo modelo Direct-to-Consumer (D2C), que permite às organizações desportivas venderem diretamente aos adeptos, através de plataformas próprias de streaming e conteúdos digitais. A pergunta é inevitável: estará o desporto português preparado para esta mudança?
Olhando para a realidade do futebol, a Liga Portugal deu recentemente um passo importante ao entregar à Autoridade da Concorrência a proposta para a centralização dos direitos audiovisuais, antecipando em 11 meses o prazo definido pelo Governo. O objetivo é claro: maximizar o valor económico dos direitos e alinhar com as melhores práticas internacionais, incluindo a possibilidade de explorar novos formatos digitais e streaming. Este movimento segue a tendência das principais ligas europeias, que já trabalham com pacotes híbridos, combinando TV tradicional com plataformas OTT (Over-The-Top), como DAZN, Amazon Prime ou Disney+.
Porquê esta mudança? Porque os hábitos de consumo estão a evoluir rapidamente. O streaming oferece flexibilidade, personalização e interatividade, três atributos que os adeptos valorizam cada vez mais. Nos últimos anos, as plataformas digitais passaram a oferecer múltiplas câmaras, estatísticas em tempo real, chats interativos e conteúdos sob procura, transformando a experiência de assistir a futebol num produto muito mais envolvente.
Globalmente, o mercado de streaming desportivo está em expansão acelerada: só no primeiro trimestre de 2024, os serviços de streaming geraram 3,8 mil milhões de dólares em receitas, um crescimento de 383% face a 2019. E as previsões apontam para que as plataformas OTT atinjam 23,7 mil milhões de dólares até 2032, com uma taxa de crescimento anual superior a 10%.
Mas nem tudo são vantagens. O streaming ainda enfrenta desafios como a fragmentação dos direitos, que obriga os adeptos a subscrever múltiplos serviços, e questões de acessibilidade, sobretudo em mercados com menor literacia digital. A transição será gradual e os modelos híbridos, combinando televisão e plataformas digitais, serão dominantes nos próximos anos.
Para os clubes portugueses, o D2C representa uma oportunidade única de aproximação ao adepto e de diversificação de receitas. Com plataformas próprias, podem oferecer conteúdos exclusivos, experiências premium, merchandising integrado e até programas de fidelização. Mais do que vender jogos, trata-se de vender uma relação contínua com o adepto. Exemplos internacionais não faltam: o Manchester City já utiliza inteligência artificial para personalizar ofertas e experiências, enquanto a NBA explora transmissões imersivas com realidade aumentada e integração com redes sociais.
O futuro do futebol português dependerá da capacidade de inovar e de investir em tecnologia. A centralização dos direitos é um primeiro passo, mas não chega. É preciso pensar além da venda para broadcasters e preparar um ecossistema digital que permita aos clubes controlar a experiência do adepto, monetizar dados e criar valor para patrocinadores. Porque, na era do D2C, quem detém a relação direta com o consumidor detém o poder.
A questão não é se esta mudança vai acontecer, mas quando. E, para quem ainda acredita que o streaming é apenas uma moda, basta olhar para os números: o consumo personalizado já é a norma para as novas gerações. O futebol português tem uma escolha a fazer: adaptar-se ou ficar para trás.