Daniel Sá
A centralização dos direitos televisivos no futebol português, prevista para estar concluída até à época 2028/29, continua envolta em incertezas e resistências. Apesar de ser considerada uma transformação estrutural determinante para a sustentabilidade do futebol nacional, o processo tem enfrentado obstáculos significativos, tanto políticos como institucionais.
A recente contestação do Benfica, que pediu a suspensão imediata do processo, expôs publicamente as tensões entre clubes, Liga e Governo, num momento em que a Liga Portugal tenta avançar com negociações junto de operadores televisivos e plataformas de streaming, nacionais e internacionais.
A centralização é vista como uma oportunidade para aumentar a competitividade da Liga, reduzir desigualdades entre clubes e maximizar receitas coletivas. No entanto, a resistência de alguns clubes, habituados a negociar individualmente os seus direitos, revela o conflito entre interesses imediatos e a visão de longo prazo.
A Liga tem promovido reuniões com a Autoridade da Concorrência, a AICEP e entidades internacionais, mas o prazo legal de 30 de junho de 2026 para concluir o processo parece cada vez mais difícil de atingir.
A experiência internacional mostra que a centralização pode ser um motor de crescimento. Em Espanha, a La Liga aumentou as suas receitas televisivas em mais de 30% após a centralização, permitindo uma distribuição mais equitativa e investimentos em inovação digital.
Em Itália, a Serie A seguiu o mesmo caminho, com a entrada de fundos de investimento como a CVC a impulsionar a valorização dos direitos. Já a Premier League, que sempre operou com o modelo centralizado, continua a liderar em receitas globais, com mais de 3 mil milhões de euros por época em direitos televisivos, graças à sua capacidade de gerar conteúdos relevantes para audiências globais.
É precisamente neste ponto que o futebol português enfrenta outro desafio: a criação de conteúdos que interessem a diferentes públicos. A centralização não pode ser apenas uma operação financeira, mas tem de ser acompanhada por uma estratégia de produção de conteúdos que valorize o produto Liga Portugal.
Isso implica investir em storytelling, acesso aos bastidores, formatos digitais inovadores e experiências personalizadas para adeptos nacionais e internacionais. Plataformas como a Netflix, Amazon Prime ou Apple TV já demonstraram interesse em conteúdos desportivos, mas exigem qualidade, narrativa e escala.
Sem uma visão integrada que una centralização, inovação e marketing, o futebol português corre o risco de perder relevância num mercado global cada vez mais competitivo. A centralização dos direitos é uma oportunidade histórica, mas só será bem-sucedida se for acompanhada por uma transformação cultural na forma como o futebol é produzido, promovido e consumido.