Daniel Sá
No futebol moderno, a paixão continua a ser o combustível, mas os dados são o motor. Quem não percebe isso está a perder milhões. A indústria desportiva global já entendeu que a inteligência analítica é tão valiosa quanto um craque a marcar golos no relvado.
Cada clique, cada compra, cada movimento do adepto é uma oportunidade para gerar receita, melhorar a experiência e tomar decisões estratégicas. Mas em Portugal, muitos clubes ainda tratam os dados como um detalhe, quando deveriam vê-los como um ativo central.
O contraste com os líderes europeus é gritante. O Real Madrid, por exemplo, ultrapassou pela primeira vez a marca de mil milhões de euros em receitas na temporada 2023/24, impulsionado por estratégias comerciais baseadas em dados e pela renovação do Santiago Bernabéu, que duplicou as receitas de dias de jogo para 248 milhões de euros.
Não foi sorte: foi inteligência. Plataformas de CRM, segmentação comportamental e análise preditiva permitem ao clube oferecer experiências premium, personalizar ofertas e maximizar o valor de cada interação com os seus adeptos.
Em Portugal, há sinais tímidos de mudança. O verdadeiro potencial está fora das quatro linhas: monetizar dados dos adeptos. Perfis unificados, histórico de compras, comportamento digital — tudo isso pode gerar receitas recorrentes. O Galatasaray, por exemplo, transformou a celebração do seu 20º título nacional numa fonte de receita sustentável, promovendo assinaturas premium em vez de bilhetes, com impacto direto no fluxo financeiro anual.
O problema é que muitos clubes portugueses continuam a operar no escuro. Sem bases de dados integradas, sem estratégias de personalização, sem visão analítica. Resultado? Perdem oportunidades de venda cruzada, de ativação de patrocinadores e de fidelização. Estudos mostram que adeptos fidelizados gastam até 67% mais ao longo do ciclo de vida do que novos consumidores. Ignorar isso é desperdiçar dinheiro.
E não se trata apenas de marketing. Os dados são também decisivos na prevenção de lesões, na otimização de treinos e na avaliação de talentos. Clubes como o Manchester City e o PSG já usam algoritmos para prever riscos físicos e ajustar cargas de trabalho, reduzindo custos médicos e aumentando a performance. Em Portugal, a Federação lançou a Portugal Football School com cursos de Big Data aplicados ao futebol, mas a adoção prática nos clubes ainda é lenta.
O futuro é claro: quem dominar os dados vai dominar o jogo — dentro e fora do campo. Isso exige investimento em tecnologia, formação de equipas especializadas e mudança cultural. É preciso deixar de ver os dados como números e começar a vê-los como insights acionáveis. Cada bilhete vendido, cada interação digital, cada minuto no estádio é informação que pode gerar valor. Mas só se for usada.
A pergunta é simples: vamos continuar a tratar os dados como estatísticas para relatórios ou vamos transformá-los em ouro? Porque no futebol moderno, a vitória começa na base de dados.