Daniel Sá
Este fim de semana, o Sport Lisboa e Benfica viveu mais um momento (digno de recorde mundial) de democracia interna com eleições para os seus órgãos sociais. É um ritual que honra a história e a identidade do clube, mas que, à luz da crescente profissionalização da indústria do desporto, levanta uma questão cada vez mais pertinente: faz sentido que clubes que movimentam centenas de milhões de euros e competem num mercado global continuem a ser geridos por modelos associativos, onde os sócios elegem os seus dirigentes?
O desporto moderno exige uma abordagem estratégica, multidisciplinar e profissional. Os clubes deixaram de ser apenas entidades desportivas e tornaram-se marcas globais, plataformas de entretenimento e agentes económicos com impacto social e cultural. Esta transformação exige competências de gestão, visão estratégica e capacidade de adaptação às dinâmicas de mercado, atributos que nem sempre estão presentes nos processos eleitorais tradicionais, marcados por lógicas emocionais e fidelidades históricas.
A nível internacional, o modelo associativo tem vindo a perder terreno. Na Premier League inglesa, por exemplo, 80% dos clubes são controlados por investidores estrangeiros. O Manchester City pertence ao fundo soberano de Abu Dhabi, o PSG ao Qatar Sports Investments, e o Chelsea foi recentemente adquirido por um consórcio liderado por Todd Boehly. Estes clubes operam com estruturas empresariais, conselhos de administração profissionais e estratégias de crescimento global.
Mesmo clubes com forte tradição associativa enfrentam este dilema. O Real Madrid, um dos últimos bastiões do modelo democrático, estuda a criação de uma estrutura empresarial que permita a entrada de capital externo, mantendo o controlo dos sócios através do modelo “50+1”. Na Alemanha, este modelo é obrigatório por lei, garantindo que os associados mantêm pelo menos 51% das ações, mas mesmo assim há pressão crescente para flexibilizar essa regra.
Por outro lado, há clubes que mantêm o modelo associativo e enfrentam dificuldades de gestão. A falta de agilidade nas decisões, a politização interna e a ausência de accountability são obstáculos à profissionalização. Estudos mostram que clubes associativos tendem a ter maior faturação, mas enfrentam desafios estruturais e financeiros que limitam a sua competitividade a médio prazo.
A entrada dos fundos de investimento e das redes multiclubes — como o City Football Group ou o Red Bull Group — está a redesenhar o mapa do futebol mundial. Mais de 120 clubes europeus foram incorporados a redes multiclubes nos últimos cinco anos. Este fenómeno levanta questões sobre a integridade competitiva, mas também sobre a sustentabilidade dos modelos tradicionais.
O dilema é claro: como conciliar a legitimidade democrática dos sócios com a necessidade de profissionalização da gestão? Como garantir que os clubes mantêm a sua identidade e ligação à comunidade, sem comprometer a sua competitividade e sustentabilidade?
Não se trata de excluir os sócios, mas de repensar os modelos de governação. Talvez seja tempo de evoluir para estruturas híbridas, onde a participação dos associados coexista com conselhos de administração profissionais, com critérios de mérito e accountability. Modelos que preservem a alma dos clubes, mas que garantam que as decisões estratégicas são tomadas com base em conhecimento, dados e visão de longo prazo.
As eleições no Benfica são um momento importante, mas também uma oportunidade para refletir sobre o futuro da governação desportiva em Portugal. Num tempo em que os clubes competem com multinacionais, gerem ativos milionários e enfrentam desafios globais, talvez seja hora de perguntar: será que o modelo de um sócio, um ou mais votos, continua a ser o mais adequado para liderar esta nova era do desporto?