Daniel Sá

Daniel Sá
Daniel Sá Diretor Executivo do IPAM

Porque é que os clubes portugueses continuam a ignorar as mulheres?

Durante décadas, o desporto português foi pensado para homens. Essa visão, além de ultrapassada, é financeiramente desastrosa. As mulheres representam mais de metade da população e são responsáveis por cerca de 80% das decisões de consumo nos lares. No entanto, continuam a ser tratadas como um público secundário ou irrelevante no mundo do frágil marketing desportivo português.

Esta miopia estratégica é difícil de compreender quando olhamos para os números: em Portugal, o número de jogadoras federadas cresceu 132% na última década. As competições femininas multiplicaram-se no mesmo período. Globalmente, os adeptos do futebol feminino gastam 71% mais em artigos desportivos e 41% mais em entretenimento do que a média da população. Estes dados mostram que não estamos perante uma moda, mas sim uma tendência irreversível.

Apesar disso, a maioria dos clubes portugueses continua sem estratégias robustas para captar este público. Bancadas vazias, merchandising limitado e comunicação quase inexistente são sinais claros de uma oportunidade desperdiçada.

Porquê esta resistência? Primeiro, estereótipos persistentes: a ideia de que “o futebol não é para meninas” ainda influencia decisões estratégicas, apesar da evolução cultural e social. Segundo, baixo investimento: o marketing feminino é tratado como um apêndice, sem orçamento dedicado nem campanhas consistentes. Terceiro, falta de dados acionáveis: muitos clubes não segmentam a sua base de adeptos por género, perdendo insights valiosos para personalização. Nas restantes modalidades esta realidade esbate-se um pouco mas a tendência não é tão diferente.

Ignorar as mulheres significa perder receitas diretas, como bilhetes, merchandising e experiências premium, e receitas indiretas, como patrocínios orientados para diversidade e inclusão, que hoje são prioridade para grandes marcas. Além disso, perde-se envolvimento digital, já que as mulheres são altamente ativas nas redes sociais, onde o desporto feminino tem taxas de crescimento superiores às modalidades masculinas.

Basta olhar para o impacto global da última edição do Mundial Feminino de Futebol: recordes de audiência, patrocínios milionários e uma explosão de conteúdos digitais. Este movimento não é exclusivo das grandes ligas internacionais; é uma oportunidade que pode e deve ser explorada pelos clubes portugueses.

O que fazer para virar o jogo? Primeiro, segmentação e CRM: criar bases de dados que permitam campanhas personalizadas para mulheres e famílias. Segundo, conteúdo com propósito: histórias reais, protagonismo feminino e narrativas que vão além do jogo. Terceiro, experiência nos recintos: serviços adaptados, zonas familiares, segurança reforçada e eventos temáticos para tornar o ambiente inclusivo.

Tudo isto exige visão estratégica e coragem para quebrar paradigmas. Não se trata apenas de igualdade; trata-se de negócio. O desporto feminino é um mercado em crescimento acelerado, com potencial para gerar receitas significativas e reforçar a relevância das marcas desportivas.

O desporto feminino não é uma moda. É uma tendência irreversível e uma oportunidade de negócio gigantesca. Quem continuar a ignorar este público não só ficará para trás, como perderá relevância num mercado cada vez mais competitivo e orientado para inclusão.

A pergunta é simples: vamos continuar a olhar para o lado ou vamos finalmente jogar para ganhar?

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