O madridismo, entendido num sentido lato e abstrato, cometeu um erro com Cristiano Ronaldo na embrulhada fiscal em que o internacional português se viu envolvido. E o erro foi o de considerá-lo culpado de uma dívida de 14,7 milhões de euros às Finanças espanholas ainda antes de ser condenado. O caso é demasiado complicado em termos jurídicos para ser discutido de ânimo leve ou analisado de forma superficial, como fazem muitos dos que por aí andam a dar opinião sem qualquer formação para o efeito. Fugirei a essa tentação pelo mesmo motivo. A dívida existe? O Fisco espanhol tem jurisdição para exigir o seu pagamento? A acusação está feita, CR7 será ouvido no dia 31 de julho e os seus advogados vão apresentar argumentos em contrário. Está tudo, portanto, por esclarecer. Mas, no mundo merengue, parece que não. Ronaldo é culpado, pelo que devia pagar o que deve e não se queixar de falta de apoio. E essa é uma das razões que levam o avançado a querer deixar o Real Madrid.
O próprio ministro das Finanças de Espanha, Cristóbal Montoro, lembrou esta semana "que nenhuma pessoa é criminosa se não for condenada" e, por isso, reprovou que Ronaldo "já tenha sido declarado culpado publicamente". "Não respeitar a presunção de inocência de qualquer acusado não é digno de uma sociedade moderna, de um Estado de Direito. Isso não faz sentido e deve haver mais equilíbrio", concluiu. Ora o português, como é de seu direito, considera nada dever e, ontem, fez saber que não vai pagar os 14,7 milhões de euros antes de ser ouvido em tribunal, contrariando as notícias que davam conta de que o jogador iria já saldar a suposta dívida para evitar males maiores.
Chegados aqui, fica, pois, a sensação de que muitos sectores do Real Madrid preferem ver Cristiano Ronaldo terminar já a relação com o clube, servindo-se desta polémica para se verem livres de um jogador que não está a caminhar para novo e ainda pode valer uma fortuna se transferido. O português já suspeitava disto, lançou o isco, mostrando-se indisposto a regressar, e, como resposta, teve uma fraca defesa por parte do presidente Florentino Pérez e uma série de artigos depreciativos na imprensa de Madrid, sobretudo aquele da ‘Marca’ de segunda-feira passada, onde se escreveu que "ninguém [no Real] chora por Cristiano Ronaldo porque, entre outras coisas, a sua relação com o Bernabéu foi mais comercial do que sentimental". Apreciação demasiado dura e injusta, que cheira a ressabiamento e a encomenda por todo o lado.
O braço-de-ferro ainda não chegou a um ponto de ‘não retorno’ e tudo pode ficar como antes. Mas se o ponto de rutura for atingido, cabe ao jogador e ao seu agente perceber que clube quer e terá capacidade financeira para o contratar, porque pagar mais de 100 milhões por um jogador de 32 anos, ainda que sendo o melhor do Mundo, exige alguma coragem de gestão. Aguardemos.