Fabiano Abreu Agrela

Fabiano Abreu Agrela
Fabiano Abreu Agrela Jornalista e neurocientista

Por que o excecional Ricardo Quaresma não atingiu o auge esperado: uma análise neurocientífica

Ricardo Quaresma sempre foi um jogador tecnicamente dotado, capaz de jogadas geniais e de um talento inato que o diferenciava dos demais. No entanto, apesar do seu potencial extraordinário, nunca atingiu a constância e o reconhecimento universal que muitos esperavam. Para além das questões disciplinares e táticas, há uma explicação neurocientífica que pode ajudar a compreender os desafios que limitaram a sua trajetória no futebol de elite.

O papel da neurociência no desempenho desportivo

O futebol de alto rendimento exige mais do que talento e habilidade técnica. É um jogo de decisão rápida, de adaptação estratégica e de resistência emocional. Os processos neurológicos envolvidos no desempenho desportivo incluem funções executivas, regulação emocional, plasticidade neural e tomada de decisão sob stress. Quaresma, apesar do seu brilhantismo técnico, apresentou dificuldades em algumas destas áreas, o que pode ter comprometido a sua capacidade de atingir um patamar superior.

Mentalidade e disciplina: a influência do córtex pré-frontal

O córtex pré-frontal desempenha um papel crucial no controlo dos impulsos, na tomada de decisões e na capacidade de adaptação a novos contextos. Jogadores como Cristiano Ronaldo desenvolveram uma disciplina férrea, uma mentalidade resiliente e um foco obsessivo no rendimento. Quaresma, por outro lado, apresentava um comportamento mais instintivo e impulsivo, características muitas vezes associadas a uma menor atividade na região pré-frontal dorsolateral, responsável pela autorregulação.

A sua tendência para optar por jogadas individuais e arriscadas, em vez de um jogo mais coletivo e pragmático, pode estar relacionada com uma maior ativação do sistema dopaminérgico, que reforça a busca pela recompensa imediata, em detrimento de uma estratégia mais conservadora. Esta característica pode ter contribuído para a sua irregularidade em campo e para dificuldades na adaptação a contextos táticos mais rígidos.

Adaptação tática e a neuroplasticidade

A capacidade de adaptação a diferentes estilos de jogo depende, em grande parte, da plasticidade neural – a habilidade do cérebro de se reorganizar e aprender novos padrões. Em equipas que exigiam um jogo mais disciplinado e taticamente estruturado, como o Barcelona e a Inter de Milão, Quaresma encontrou dificuldades. Enquanto jogadores com alta flexibilidade cognitiva conseguem moldar-se a diferentes abordagens, Quaresma parecia estar mais preso a um estilo pessoal, altamente criativo, mas menos adaptável.

Pressão e expectativas: o impacto do stress no rendimento

Desde muito jovem, Quaresma foi rotulado como um dos maiores talentos da sua geração, mas essa carga de expectativas pode ter representado um peso psicológico significativo. O stress competitivo ativa o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA), elevando os níveis de cortisol, o que pode comprometer a tomada de decisão e a precisão motora. Se não for bem gerido, o stress pode afetar negativamente a performance e a consistência, algo que foi evidente em alguns momentos da carreira de Quaresma.

A sombra de Cristiano Ronaldo e a resiliência psicológica

O paralelismo constante com Cristiano Ronaldo teve um impacto significativo na perceção da carreira de Quaresma. Enquanto Ronaldo desenvolveu uma resiliência psicológica impressionante, associada a uma mentalidade de superação e treino contínuo, Quaresma manteve um perfil mais irreverente, característica muitas vezes associada a um sistema límbico mais reativo. A diferença de mentalidade entre os dois jogadores ilustra como fatores psicológicos e neurológicos podem determinar trajetórias distintas, mesmo entre atletas com habilidades técnicas semelhantes.

Momentos de brilho: quando o talento supera a inconsistência

Apesar dos desafios, Quaresma teve momentos memoráveis, como o golo decisivo contra a Croácia na Euro 2016 e o seu desempenho no FC Porto e no Besiktas. A sua assinatura no futebol, a trivela, é um reflexo do seu talento singular e da sua capacidade motora fina, provavelmente associada a uma alta ativação do córtex motor primário e cerebelo, responsáveis pela coordenação e execução de movimentos complexos.

Ricardo Quaresma foi um talento inegável, mas a sua trajetória reflete a importância da neurociência no desporto de alto rendimento. A combinação de impulsividade, menor flexibilidade tática e dificuldades em gerir a pressão limitou a sua capacidade de se estabelecer como um dos melhores do mundo. O futebol moderno exige não apenas habilidade técnica, mas também inteligência emocional, adaptação cognitiva e resiliência psicológica – áreas em que a neurociência desempenha um papel crucial. O caso de Quaresma ilustra que o talento puro, sem a estrutura mental adequada, pode não ser suficiente para atingir o auge.

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