José Manuel Meirim

José Manuel Meirim
José Manuel Meirim Professor de Direito de Desporto

Neutralidade e dignidade da pessoa humana

1 Há momentos na vida em que as palavras têm necessariamente que se precipitar na realidade. Se não for o caso, a semântica de nada vale e tudo fica oco, vazio, destinado ao sopro dos ventos. Durante esta semana, o EURO 2020/21, a UEFA e o Estado português entregaram-se a fortes rajadas húngaras.

2 O vento: o governo húngaro classificou como "nocivos e perigosos" os planos da autarquia de Munique de iluminar o estádio daquela cidade alemã, utilizado na competição do Euro’2020, com as cores do arco-íris, símbolo associado à comunidade LGBTQI+, e logo no jogo que opunha alemães e húngaros.

3 A posição da cidade bávara era uma resposta à aprovação, pelo parlamento magiar, de uma lei a proibir a divulgação a menores de 18 anos de conteúdos que incluam a "representação e promoção de uma identidade de género diferente do sexo à nascença, da mudança de sexo e da homossexualidade".

4 Perante o forte vento, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, declarou acreditar numa Europa que acolhe a diversidade, não uma que a esconde das nossas crianças. "Ninguém deveria ser discriminado em função da sua orientação sexual". Depois, foi mais longe: "é uma vergonha". De uma ou de outra forma, foi acompanhada por vários líderes políticos europeus, o vice-presidente da Comissão Europeia e tantos outros atores políticos e instituições. As palavras do primeiro-ministro luxemburguês para o seu congénere húngaro: "Eu não me tornei gay. Eu sou, não é uma escolha. Vê-se quantos jovens LGBTI cometem suicídio. Isto é muito mau. É estigmatizante. A minha mãe detesta que eu seja homossexual e eu vivo com isso. E agora tu pões isto numa lei. Respeito-te, mas isto é uma linha vermelha. Trata-se de direitos básicos, do direito a ser diferente".

5 A UEFA é levada pelas rajadas de vento e proíbe a iniciativa de Munique, alegando a sua neutralidade política. Todavia, não é rígida e propõe que a Arena de Munique seja iluminada em datas significativas de afirmação da comunidade LGBTQI+, como são o dia 28 de junho e a semana de 3 a 9 de julho. Tanta generosidade, para um tempo em que não há jogos em Munique.

6 Portugal também é neutral. Por isso não assinou ainda a carta de repúdio da lei húngara, já com 16 assinaturas de membros da União Europeia. Não já, porque estamos a presidir aos destinos da Europa e por isso temos que ser neutrais. Mas assinaremos a 1 de julho quando estivermos aliviados de tamanha responsabilidade e neutralidade. Mas não restem dúvidas: somos mesmo a favor da carta, embora de forma diferida, como a UEFA. Ficámos a saber, em primeira mão, pelo Presidente da República.

PS1: (não é Partido Socialista) Desejo que todos os que regressem de Sevilha, agora já sem a companhia dos dois mais altos representantes do Estado, mas respondendo ao seu apelo, venham massivamente positivos do ponto de vista anímico e serologicamente negativos.

PS2: Quadro de honra: a) Carl Nassib, jogador na NFL, assumiu a sua homossexualidade; b) Kumi Yokoyma, internacional japonesa de futebol, revelou que é transgénero. Afirmou que a sua vida seria mais difícil se preservasse o segredo.

josemeirim@gmail.com

Deixe o seu comentário