Luís Alves Monteiro
Não sei exatamente como começar, mas sei perfeitamente como cheguei até aqui. Tudo o que realizei na minha vida foi consequência de uma ação determinada, de uma visão clara, de uma aspiração profunda e, acima de tudo, de muita paixão.
Hoje, termino o meu périplo e encerro um capítulo marcante. A minha rubrica de 30 crónicas, "Por Águas Nunca Dantes Navegadas", chega ao fim. Quero expressar o meu profundo agradecimento ao Jornal Record, símbolo de uma imprensa desportiva livre, por ter proporcionado a um atleta olímpico a oportunidade de partilhar as suas ideias de forma aberta e sem constrangimentos.
De alguma forma, este encerramento traz-me paz. Saio de consciência tranquila e com o orgulho de uma missão cumprida. Saio com o reconhecimento da esmagadora maioria dos meus pares — tanto daqueles que me apoiaram como daqueles que, ao criticarem-me, me ajudaram a crescer e a superar-me. Dei palco, voz e capacidade de intervenção aos atletas olímpicos. Proporcionei-lhes uma casa, formação e, acima de tudo, reavivei o sonho e o orgulho de ser olímpico.
A sociedade civil passou a conhecer esta extraordinária comunidade e a sua capacidade — daqueles que realmente querem — de se transcenderem e de contribuírem para causas maiores. Apoiei muitos em situação de fragilidade, criei esperança e, mesmo contrariando os interesses de um pequeno grupo corporativo, trouxe à luz um legado esquecido: o orgulho de centenas de desportistas, campeões e sonhadores.
Aproximei a sociedade civil deste movimento e reuni um grupo de pessoas ilustres e dedicadas, que deram o seu melhor por esta causa. Foi um propósito verdadeiro, uma obra com alma que, como todas as grandes mudanças, despertou invejas — num país tantas vezes dominado pela inveja —, receios e até ataques pessoais. Mas esses ataques não me abateram; pelo contrário, fortaleceram a minha convicção.
Até uma carta com 22 pontos, escrita em tom de ataque pessoal e despeito, enviada por uma entidade que deveria ser uma alma gémea da nossa associação, mas que ficou aquém do símbolo de ética nacional e internacional que deveria representar, transformei num troféu. Emoldurei-a, como um símbolo do orgulho pelo caminho que percorremos.
Há quatro anos, defendia que o desporto era um meio poderoso para construir uma sociedade mais solidária, inclusiva e com uma cultura desportiva mais rica. Falava sobre saúde mental e sobre o problema da inatividade física, que continua a ser um dos grandes desafios do nosso país.
Hoje, graças a esse esforço persistente, o movimento já começou. Já vemos mudanças, pequenos sinais de que estamos a trilhar o caminho certo. Mas o percurso está longe de terminar. Ainda há interesses instalados, velhos hábitos e resistências que precisamos de combater.
Como dizia um grande amigo e medalhado olímpico, velejador de prata: "Quem cria obra arrisca-se a levar". E, de facto, o que importa verdadeiramente é que a semente foi lançada. Sempre disse que alguém a iria colher mais tarde. A energia está em movimento, e nada poderá travar esta transformação. Este é apenas o início de uma nova era.
O desporto já não é apenas uma paixão — é um catalisador de mudança, um símbolo de esperança e um compromisso com um futuro melhor. O desporto desperta uma nação.
O melhor ainda está por vir!
Reflexão Final
É curioso assistir ao movimento que se gerou em torno da eleição para o Comité Olímpico de Portugal. Pergunto: será este processo pelos atletas, para os atletas e para a sociedade? Veremos.
Ainda assim, confesso uma mágoa: não termos um candidato que seja atleta olímpico, algo que seria a escolha mais natural. De quem é a culpa? Seguramente também nossa.
Deixo, no entanto, duas observações. Se for eleito quem acredito que deve ser, não será difícil fazer melhor do que se fez até agora. A segunda observação é ainda mais importante: já que não temos um atleta olímpico como candidato, que pelo menos seja alguém que tenha tido um passado recente com visão, com mundo e com uma carreira como atleta de eleição.
Luís Alves Monteiro, atleta olímpico de pentatlo moderno em 1984