Luís Alves Monteiro

Luís Alves Monteiro
Luís Alves Monteiro Atleta olímpico

"Por águas nunca dantes navegadas" - Saúde mental II Parte

Como prometido na minha ultima crónica, este Episódio de "Por águas nunca dantes navegadas" Saúde mental II Parte continua a debruçar-se sobre o tema, agora com a  contribuição inestimável da Drª Maria João Heitor, Presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental diretora do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM) e do Serviço de Psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo (HBA). Concluiu na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), o doutoramento em Medicina, especialidade de Medicina Preventiva e Saúde Pública. A sua tese – intitulada ‘Promoção da saúde mental no trabalho: Estudo observacional de determinantes biopsicossociais e presentismo ,teve por base uma investigação desenvolvida desde finais de 2012 com 405 trabalhadores de uma grande empresa bancária portuguesa, sobre stresse organizacional e sofrimento psicológico, conciliação trabalho-família, absentismo e presentismo (ou seja, pior desempenho laboral por causas físicas ou psicológicas), aspetos psicossociais e genéticos da resiliência e bem-estar dos trabalhadores. 

Entre as conclusões, Maria João Heitor destaca que:

alguns ‘stressores’ organizacionais (por exemplo, segurança no trabalho, recursos e comunicação, e equilíbrio trabalho-família) são preditores de presentismo, mediados ou não pelo bem-estar psicológico; 

há diferenças na resiliência consoante o sexo e a função no trabalho (para níveis mais altos de stresse, os homens e os trabalhadores mais diferenciados aparentam maior resiliência); 

o exercício físico, a medicação receitada e o equilíbrio trabalho-família constituíram, na amostra do estudo, preditores de autoperceção de saúde; 

A Saúde mental, é um assunto  que deve merecer a nossa atenção, dos actores desportivos e também da Sociedade civil,  existindo uma obrigação e um dever de o fazer de uma forma consistente, já que ainda permanece bastante oculta e estigmatizado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) discute a saúde mental em termos de um estado de bem-estar,  a saúde mental envolve o bem-estar físico, social e mental.

A AAOP na sua procura constante de "Libertar o potencial Olímpico" tem este compromisso na sua agenda para 2023, dar visibilidade e consistência ao tema da Saúde mental, e é já nessa sequência que tivemos este ano esta iniciativa pioneira, organizando o 1º Seminário Nacional da Saúde mental no desporto de alta competição, no passado mês de Novembro, e em parceria com a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.

Dar a conhecer entre outros assuntos a realidade da saúde mental no desporto de alta competição, foi um dos muitos objectivos a que nos propusemos, assim como reduzir a perceção negativa e o estigma associados a este problema, como também Identificar os stakeholders que podem contribuir para a melhor compreensão destes temas, e contribuir para a concretização dos objectivos para o desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

A súde e educação influenciam uma cultura fisica e ética desportiva, influenciam e muito. Neste sentido, o desporto é um meio ou um fim? Queremos iludir-nos, olhando só aos resultados finais, ou queremos que cada conquista, cada prova de excelência seja um processo sustentável, estimulante e gratificante? Como podemos melhorar a consistência na prestação desportiva? Como é que alinhamos todos os intervenientes no fenómeno desportivo, no mesmo sentido e na mesma direção? O desporto pode inspirar uma nação? Uma nação mais responsável, mais solidária e mais inclusiva exige que façamos as perguntas certas às pessoas certas. A cada um de nós, não apenas aos líderes e gestores.

A resposta também está nas pessoas, no cidadão comum, mas qual é a nossa visão, a nossa missão? Temos um propósito? Queremos colaborar para a eliminação do estigma relacionado com a saúde mental, e contribuir para a sua normalização?

Saibam agora como Zelar pela saúde, mais do que uma tarefa diária, é um direito humano - Drª Maria João Heitor

Em Portugal, mais de um em cada cinco adultos sofre de perturbações psiquiátricas. Mundialmente, 75% das doenças mentais começam antes dos 25 anos. Há grupos vulneráveis e os atletas de alta competição, formatados para a superação permanente, são um deles. Sabe-se que os problemas de saúde mental, nestes atletas, podem atingir os 45% incluindo ansiedade, depressão e risco de suicídio, uso indevido de álcool e outras substâncias psicoativas, adições comportamentais, como a do jogo, perturbações do comportamento alimentar e burnout.

Os atuais contextos em que todos vivemos, pós-pandémicos, de guerra, crises climática, energética e económica, vão, inevitavelmente, influenciar e agravar os fatores de risco inerentes a cada uma das fases de vida dos atletas: a pré-competição, a competição e a pós-competição ou pós-carreira.

Apesar dos tabus e do estigma impedirem a procura atempada de ajuda, há já muitas e muitos atletas internacionais e nacionais que deram a cara, encarando o tema com normalidade e assumindo o seu problema mental.

Face a estes desafios, há oportunidades: 1) informar os atletas e todos os que diariamente lidam com eles, sobre o que é a saúde mental e a doença mental; 2) identificar fatores de proteção, tais como, a manutenção de estilos de vida saudáveis, ter atividades de lazer e tempos de descanso, procurar o apoio sociofamiliar e desenvolver resiliência não apenas dirigida à performance; 3) encarar o sofrimento psicológico e a doença mental como mais uma oportunidade de aprendizagem, crescimento e desenvolvimento pessoal; 4) finalmente, trazer para a sociedade civil, com o envolvimento dos media, as temáticas da atividade física, do desporto e da saúde, com ênfase na saúde mental e bem-estar.

Todos temos de aprender a olhar para os atletas como pessoas, com as suas complexidades, dificuldades e sucessos, e não apenas como supermáquinas de obter resultados.

Zelar pela saúde, mais do que uma tarefa diária, é um direito humano.

E não há saúde sem saúde mental.

Maria João Heitor, Médica Psiquiatra, Presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM) https://www.sppsm.org/

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