Miguel Sousa Tavares
1 - No tempo da geração anterior à minha, o grande clube argentino era o San Lorenzo de Almagro, uma lenda que dava a volta ao mundo, passando de boca em boca entre os ainda escassos fanáticos do futebol. Sediado no bairro de Almagro, em Buenos Aires, e fundado em 1908 por um padre chamado Lorenzo, que daria nome ao clube, o San Lorenzo jogou até 1998 no 'Gasómetro', um estádio com capacidade para 75.000 espectadores e que foi o primeiro dotado de iluminação nocturna na América do Sul - duas loucuras à época. Nessa altura, o sócio número 88235 do 'Ciclón', como o San Lorenzo também era conhecido, chamava-se Jorge Mário Bergoglio, adepto desde pequenino e bem antes de ter entrado para os Jesuítas. O San Lorenzo foi 15 vezes campeão argentino, sendo considerado um dos cinco grandes do país e o único que ainda mantém um saldo positivo nos confrontos directos com o Boca Juniors, alguns quarteirões adiante, em La Bombonera. Em 1947, a sua fama era tamanha, que o San Lorenzo veio em digressão à Europa, mostrar o seu futebol de posse em movimento, no qual Guardiola diz ter-se inspirado para introduzir no Barcelona: em Madrid, o San Lorenzo deu 6-1 à Selecção espanhola, e, em Portugal, goleou o FC Porto por 9-4 e, em Lisboa, um combinado Benfica-Sporting-Belenenses por 10-4. Era no tempo em que o objectivo principal do futebol era marcar golos e não o de evitar sofrê-los, e, depois disso, Almagro desapareceu lentamente do mapa dos títulos na Argentina. Reapareceria em 2014, com a sua primeira e única conquista da Libertadores - uma proeza só tornada possível graças a um milagre divino intermediado pelo sócio Jorge Bergoglio, que no ano anterior se tornara no Papa Francisco, levando consigo o San Lorenzo para a Santa Sé. Agora, o clube anuncia que o seu futuro estádio se chamará justamente Papa Francisco, em homenagem ao mais célebre dos seus 'corvos', como são chamados os adeptos do clube. "Encontrar-nos-emos na eternidade", garantiu em comunicado a direcção do San Lorenzo de Almagro. Até lá, por gratidão para com o homem extraordinário que foi Francisco, a gente de futebol no mundo inteiro vibrará também com as vitórias do San Lorenzo e recordará os três génios que a Argentina deu ao futebol mundial: Diego Armando Maradona, Lionel Messi e Jorge Bergoglio, o ponta-de-lança dos 'corvos' no céu. Don't cry for him Argentina.