Miguel Sousa Tavares
Já deixei de ver futebol nos estádios em Portugal e, a continuar assim, creio que em breve deixarei também de ver na televisão. Tudo o que eu gosto no futebol - o jogo em si, a emoção, a naturalidade e espontaneidade dos movimentos - está a desaparecer aos poucos, sepultado debaixo de uma montanha de regulamentos, instruções e interpretações jurídicas das outrora simples 17 leis do jogo, que tornam mais determinante o que se passa nos auriculares do árbitro, nos subterrâneos do VAR e nos infindáveis debates subsequentes dos 'especialistas' do que aquilo que vemos a olho nu, no estádio ou na televisão. Os golos, agora, são marcados ou anulados pelo VAR, enquanto uma multidão em suspenso espera para poder festejar a confirmação ou a anulação; os 'off-sides' são determinados por umas supostamente cientificas linhas, porém colocadas por mão humana e sob o seu critério; os penáltis dependem de interpretações sobre a "volumetria" dos braços, a "invasão" do espaço vedado dos guarda-redes, a "intensidade" dos empurrões ou a "posição" ganha na perna estendida numa rasteira. Nada é óbvio, nada é transparente, nada é cientifico. Chamam-lhe "verdade desportiva", e dizem que o VAR teria vindo para a garantir de vez, mas nunca a verdade andou tão arredia, a partir do momento em que cada árbitro, cada VAR e cada 'especialista' tem sempre um artigo do 'protocolo' para sacar do bolso e esgrimir contra a nossa evidência.