Nuno Félix
Em ambientes altamente competitivos, a informação é uma arma valiosa, mas também pode ser uma fragilidade mortal. A recente reprodução pública de áudios de conversas internas no Benfica, primeiro a conversa de Bruno Lage e, mais recentemente, a gravação do presidente Rui Costa no parque de estacionamento do Seixal, exemplificam como a ausência de uma verdadeira blindagem interna pode prejudicar gravemente uma organização, já muito fragilizada por pressões externas.
Ambos os casos na mesma instituição, não podem ser mera coincidência. São um reflexo de como uma organização pode ser corroída por uma gestão ineficaz da informação e pela inexistência de um ambiente controlado e protegido capaz de blindar não só os seus dirigentes, mas também a sua identidade e os seus valores. O Benfica, como clube de grande dimensão e história, deveria ter mecanismos robustos para evitar que os bastidores se tornem um espetáculo público, onde as emoções e intenções de seus líderes se tornam armas contra eles mesmos.
A vulnerabilidade nas emoções reveladas... No áudio de Bruno Lage, ouvíamos o treinador expor a sua frustração com a equipa que comandava: “Eles não correm (...) Eu não posso continuar assim, isto não é vida para ninguém!” — um desabafo humano, mas que devia ter permanecer em círculo restrito. Já na mais recente gravação de Rui Costa, o presidente declara: “Se tivermos de ir à guerra, vamos. Não temos medo. Mas a guerra também se faz com quem a quer fazer.” A exposição pública destas emoções e intenções apenas serve para desviar o foco daquilo que realmente importa: a estratégia desportiva. E também mina a coesão interna pois levanta a hipótese de nem todos estarem com ele, ou à altura do desafio
Blindar uma organização não significa erguer muros de silêncio, mas sim criar processos internos sólidos para proteger a informação crítica, sobretudo em tempos de tensão. Como explica W. Timothy Coombs, um dos maiores especialistas em gestão de crise, no seu livro “Ongoing Crisis Communication: Planning, Managing, and Responding”, a ausência de preparação para lidar com fugas de informação leva inevitavelmente à perda de controlo sobre a narrativa, algo que qualquer instituição de topo não se pode permitir.
Num futebol cada vez mais mediatizado e litigioso, qualquer falha na blindagem da informação interna transforma-se rapidamente numa oportunidade para os adversários. As "fugas de informação", como estas gravações, são sintomas claros de uma cultura organizacional vulnerável, e representam uma ameaça tanto à liderança como à estrutura desportiva e financeira.
Estas fugas expõem, ainda, o clube a julgamentos sumários e leituras enviesadas. Revelam emoções mal geridas, decisões em bruto, intenções que ainda não deviam ter sido comunicadas, e até fragilidades emocionais. Para um rival, é puro ouro. Para o próprio clube, é absolutamente corrosivo.
No final, o que se observa é uma falha estrutural. O Benfica, com a sua dimensão e responsabilidade, não pode dar-se ao luxo de ser vulnerável desta forma a meras gravações de telemóvel. Blindar o clube, neste caso, não significa esconder a verdade ou evitar o debate público. Significa proteger a integridade do clube e das suas lideranças, permitindo-lhes focar-se no que realmente importa.
Se Rui Costa quer mesmo levar o clube à guerra, que comece por proteger o seu quartel.