Rui Dias
Quando chamou a si a responsabilidade de respeitar a identidade da pátria que representa, Sérgio Conceição assumiu, por instinto, a convicção de que o futebol é cultura; entendeu que a melhor forma de congregar vontades, afeto e paixão à volta do coletivo era dar resposta à sensibilidade da gente, na certeza de que ao ADN de toda a vida corresponde um estilo, uma estética e um espírito inegociável. O desafio do novo herói portista, que confirmou o tremendo gene competitivo que o acompanha desde o berço, foi o desígnio de formar uma equipa vencedora com jogadores sem hábitos de vitória; foi fazer com que uma sociedade das nações se reencontrasse com o sucesso praticando um futebol que se assemelhasse ao lugar onde o povo azul e branco nasceu, cresceu e escolheu valores que os orientarão para sempre. Mesmo num ciclo negativo, nem todos os triunfos têm o mesmo valor e significado.
O mérito de SC excedeu a conquista do título – como se fosse pouco ter êxito no Dragão ao fim de quatro anos de absoluto jejum. A vitória do FC Porto, nascida na superação de um gigantesco mar de dificuldades, a principal das quais deitar-se à estrada com jogadores que, noutras mãos, não deram resultado, teve grandeza à altura das maiores epopeias: a equipa foi arrasadora na maior parte da Liga, esteve quase sempre na liderança e ainda foi selar a glória, com indiscutível autoridade, ao terreno do rival e antigo campeão. O FC Porto 2017/18 concentra quase todos os elementos que refletem o pulsar dos adeptos; nele se revê uma nação inteira, feita da mesma massa reivindicativa e do modo sempre apaixonado de encarar a luta. SC construiu um exército que se exibiu de acordo com a sua história; que honrou os laços sentimentais cravados no dragão que trazia ao peito e relativizou o peso redutor do mero profissionalismo. Pegou num conjunto de grandes talentos e deu-lhes ideologia. Deles recebeu o compromisso com a causa, como se cada um dos seus membros tivesse nascido no Bolhão.
Mas SC foi muito mais do que o fiel depositário da alma azul e branca, porque ultrapassou em larga escala o papel de gestor emocional de um clube ansioso em consequência das recentes desilusões. Não se limitou às aulas de comunicação que foram as conferências de Imprensa, antes e depois dos jogos; muito menos reduziu o sucesso a pormenores como as rodas finais em pleno relvado, que valem apenas como prova de união. SC não é o grande vencedor da época só pelos dotes de psicólogo ou por conhecer o meio e interpretar na perfeição as suas necessidades ao fim de quatro anos sem títulos. É o astro rei da comunidade pelo trabalho efetuado na intimidade do laboratório impenetrável em que se tornou o Olival e por ter uma equipa técnica com suporte científico para pôr em marcha um trabalho capaz de melhorar quase todos os elementos do plantel.
SC criou um plano, definiu um projeto, congregou cumplicidade generalizada à sua volta e convenceu toda a gente a unir-se na defesa do bem precioso que é a felicidade comum. Aos 43 anos emite sinais claros de que tem tudo quanto precisa para engrossar a lista dos grandes treinadores portugueses. Ao contrário do que muitos anteciparam, moderou os ímpetos e manteve, no todo da temporada, equilíbrio emocional nos momentos de alta tensão – e ainda deu, como bónus, a exaltação das hostes quando a fatalidade bateu à porta. O modo como exerceu a autoridade, equilibrando poder e respeito, convenceu todos os componentes do grupo a acreditar no caminho proposto e no êxito do trajeto até ao destino final; de resto, a excelência com que operacionalizou a estratégia para fazer a festa final coloca-o ao nível das grandes figuras do FC Porto e pronto para qualquer desafio que lhe queiram lançar daqui para a frente. No Dragão ou em qualquer outra sala de espetáculos europeia.
Um exemplo
de superação
O mérito da glória tem de repartir-se mas houve figuras mais relevantes
Marega foi a imagem do FC Porto campeão, pelo tremendo exemplo de superação que o levou a ser decisivo no percurso da equipa até ao título nacional. Começou desacreditado e suplente; entrou por acaso, na sequência de lesão de Soares com o Estoril; foi chamado aos 32 minutos e marcou aos 35’. Desde então tornou-se evidente que havia um FC Porto com ele (mais forte) e outro sem ele (mais vulnerável).
Sérgio Oliveira
marcou a equipa
Mal foi chamado por Sérgio Conceição teve resposta absolutamente magistral
Sérgio Oliveira constituiu o maior reforço portista com a época em andamento. O jovem médio trouxe ao novo campeão elementos imprescindíveis a uma equipa de topo: pausa, qualidade, precisão, tiro, visão, equilíbrio estrutural e armas contundentes no ataque. Não foi só o FC Porto a ganhar um grande jogador na zona onde tudo se concebe e decide; foi o futebol português que ficou muito mais rico.
A ida e volta
de Casillas
Numa época de consensos internos também houve fricções importantes
Casillas foi afastado do onze – Sérgio Conceição surpreendeu e, em Leipzig, deu a baliza a José Sá. A explicação não foi totalmente convincente mas devemos aceitá-la como boa: foi sustentada pelo menor empenho do espanhol no treino. Quando foi preciso, Casillas voltou como se nada tivesse acontecido. Prova de que os grandes conflitos entre treinador e jogadores só fazem sentido se, no fim, a vitória pertencer à equipa.