1 Ano após ano, a paixão avassaladora pelo jogo mais bonito faz com que acreditemos numa espécie de admirável mundo novo a cada arranque de exercício. O que não deixa de ser um ensaio sobre a cegueira da ideia obsessivamente poética de que o futebol pode ser a reassunção semanal de uma infância radiante e cristalina, infinitamente distante da pungente poluição que nos procura embeber e corroer. Um trilho que se desvaneceu numa estrada sem retorno, o que faz com que abarquemos que lastimosamente tudo se repete e nada se renova. Por isso, a expectativa sobre um espetáculo superlativo na Supertaça, que nos permitisse ficar, tal como o genial Eduardo Galeano um dia expôs, com a irreversível melancolia que todos sentimos depois do amor e no epílogo de uma assoberbante partida de futebol, saiu totalmente gorada. Desta feita, não nos podemos queixar da belicosidade excessiva empregue pelos futebolistas, que não estiveram mais inquietados com a imposição em duelos físicos do que em fazer rolar a redondinha sobre o esplendor do tapete verde aveirense, nem do pragmatismo esdrúxulo dos treinadores na abordagem ao embate, até pelo ritmo elevado e pela ferocidade com que se encetou a partida. Podemos lamentar, sim, que o árbitro Luís Godinho, o mesmo que justamente se queixou de não poder tomar umas doses diárias de cafeína em sítios públicos sem ser importunado, tenha optado por chamar as luzes dos holofotes para si. O que redundou numa atuação funesta no capítulo disciplinar, com um critério tão estreito e uma postura tão autoritária que impossibilitaria a chegada sem sobressaltos do barco ao cais. Ao ponto de qualquer um de nós ter corrido o sério risco de ser obsequiado com um cartão amarelo. Nada de surpreendente, diga-se, vindo do juiz que, a 27 de fevereiro, decidiu escangalhar, sempre de apito em riste e com uma destreza inóspita na distribuição de cartões, um vertiginoso dérbi minhoto entre Vitória SC e SC Braga. Como é natural, não há espetáculo que resista a 39 faltas, a 12 cartões amarelos – 7 deles na etapa inicial –, e a 2 cartões vermelhos. Mesmo que não possa servir como atenuante a cabeças que se metamorfoseiam em bombas-relógio face às agruras de um resultado negativo.
