As recentes notícias de alegado assédio sexual no futebol colocam novamente na ordem do dia a forma como se deve combater este flagelo que, como tem também sido dito, está longe de se circunscrever ao fenómeno desportivo. E no desporto, manda a verdade, não se cinge ao futebol. Houve até um caso conhecido, no ano passado, no âmbito do basquetebol, em que uma ex-jogadora e árbitra denunciou a conduta por parte de um árbitro.
A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) tem já no seu Regulamento Disciplina normas para sancionar o "assédio sexual", integrando-as na secção dedicada à "proteção dos valores desportivos". Assim, quer o dirigente, quer o jogador que importunarem um agente desportivo adotando comportamento indesejado de caráter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, são punidos com suspensão de 3 meses a 1 ano. Da mesma forma, se algum deles "constranger agente desportivo a praticar ato sexual contra a sua vontade, é punido com suspensão de 3 a 5 anos". E isto vale "ainda que ocorra fora de jogo oficial" (artigos 126.º-B e 150.º- A).
Importa, porém, que esta abordagem pioneira da FPF tenha rapidamente réplica, desde logo no ‘Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal’ e também nos regulamentos disciplinares das demais federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva. Há que acautelar, também no ‘futebol profissional’ e nas demais modalidades, que futuros casos de assédio e abuso sexuais (e talvez com enfoque especial se envolverem menores) tenham tipicidade disciplinar, haja uma infração disciplinar específica com correspondentes e dissuasoras sanções disciplinares. Por exemplo, no caso do basquetebol acima referido não havia essa norma específica no respetivo regulamento disciplinar.
De acordo com o ‘Regime Jurídico das Federações Desportivas, estas (porque titulares do estatuto de utilidade pública desportiva) devem adotar regulamentos disciplinares, tipificando infrações e sanções em matéria de "ética desportiva", assim sancionando "(…) a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo." Sendo, inequivocamente, o assédio e o abuso sexuais no desporto uma manifestação que perverte o fenómeno desportivo - integram mesmo o amplo conceito da "ética desportiva", como o atesta o facto de o Código de Ética do Comité Olímpico Internacional prever expressamente a rejeição do assédio e do abuso sexuais - a verdade é que, fazendo uma busca pelos regulamentos federativos, quase não encontramos um ilícito disciplinar a este respeito. Há, ainda assim, por exemplo, um Código de Ética de uma federação e um Código de Boa Conduta de uma outra que dão importante espaço a esta questão.
Importa, portanto, que o Estado articule com as federações desportivas para que tipifiquem infrações e sanções disciplinares na matéria em apreço. Seja-me permitido, também aqui, deixar uma proposta: que o Estado elabore regulamentos disciplinares-tipo em matéria de ética desportiva a adotar pelas federações desportivas, incluindo necessariamente uma norma-tipo prevendo e estatuindo na matéria do assédio e do abuso sexuais.