Opinião

Manuel Boto
Manuel Boto

Centralização de direitos: utopia ou realidade?

Muito se anda por aí a falar, a discutir, a dissertar, a perorar, a falar de cátedra, sobre a centralização dos direitos televisivos. Em número de vozes, uma esmagadora maioria a acreditar na nova "galinha dos ovos de ouro", convencidos e alimentados por tiradas gongóricas de Pedro Proença que atira o potencial da Liga Portuguesa para valores estratosféricos de centenas de milhares de euros (já ouvi 300, porque não 400?).

A estes cenários idílicos, respondo eu com o pragmatismo da realidade futebolística nacional. Tirando os 3 grandes e mais uns quantos (poucos…) clubes que agregam as cidades onde estão sediados, expliquem-me lá como fazer render uma Liga com os títulos a serem disputados desde sempre por 3 clubes, salvo raríssimas exceções (Belenenses há quase 80 anos e Boavista há mais de 20 anos)?

Claro que os vendedores de ilusões fabricam todas e quaisquer folhas de "Excel" onde os resultados correspondem a todos os nossos (deles!) sonhos, demonstrando como se pode ganhar imenso dinheiro através de plataformas digitais, nunca antes exploradas/sonhadas. Os sonhos são todos absolutamente legítimos, a maioria deles mais do que compreensíveis por parte dos clubes que compartilham a Liga Profissional de Futebol com os 3 grandes e os tais outros que ainda conseguem encher umas bancadas quando jogam em casa.

A suportar estes meus raciocínios pessimistas, li por estes dias no Online do Record que um canal de televisão em França (DAZN) adquiriu os direitos da principal Liga francesa (uma das Big 5 na Europa), com base em cálculos de fidelização de cerca de 1 milhão de telespectadores. A realidade estará a deixá-los "gelados", com pouco mais de 100 mil assinaturas. Será surpresa se saírem do mercado, tal como já sucedeu com a Mediapro?

Não possuo qualquer bola de cristal nem tenho acesso às famosas medições de audiências, mas arrisco dizer que tirando os jogos em que intervêm os 3 grandes, em casa ou fora, as audiências são absolutamente parcas nos jogos das tais equipes que agregam cidades e, quanto aos restantes, arrisco dizer que a esmagadora maioria daqueles que amam o futebol, tirando casos pontuais relativos aos clubes "da terra", nem sabem dizer quem jogou quanto mais quem ganhou.

O futebol português continua uma ilusão e esta começa no número de clubes que disputam a 1 divisão, uns impensáveis 18 clubes. Entre estes, temos de tudo, mais ricos e menos ricos, inclusive clubes que nem conseguem inscrever jogadores pelas dívidas acumuladas, continuando alegremente a competir. Qual a surpresa que anseiem pela centralização de direitos, sendo-lhes atribuídos quinhões que pela sua dimensão jamais almejariam ter?

Depois, há a realidade do pragmatismo. Sinceramente, acreditam que os dirigentes de quem ganha 38 ou 40 milhões por ano (leia-se os 3 "grandes"), aceitem ser tão altruístas assim, quando consta que, pelas formulações que se ouvem como atualmente em estudo, os seus rendimentos desceriam para metade ou pouco mais, dada a atual dimensão do "bolo" (uns 180 milhões) que tem de ser o ponto de partida de qualquer gestor? As despesas atuais destas equipas estão construídas com base numa plataforma de receitas que lhes permite uma determinada competitividade nacional e internacional e será crível que os grandes voluntariamente se ofereçam ao sacrifício de as repartir, com as consequentes perdas de qualidade desportiva e que os respetivos adeptos jamais compreenderiam? 

Escrevo isto perfeitamente ciente da legislação do Conselho de Ministros (Decreto-Lei nº 22-B/2021 de 22 de março) que determina esta centralização para 2028/29 e que há uma entidade ("Liga Centralização") que tem até ao final da época de 2025/26 de apresentar um modelo para a sua efetivação. Infelizmente, o público desconhece qual este modelo, por que "linhas se irá coser" e daí eu entender ser tempo de escrever este artigo, a apontar caminhos alternativos que permitam o cumprimento da Lei e que passam forçosamente pela reformulação dos campeonatos e que possibilitem, como consequência da maior atratividade da qualidade e incerteza desportiva dos resultados, melhorar (potenciar) as receitas deste atual "bolo" de cerca de 180 milhões. Como estamos é que seguramente não vamos lá.

Eu compreendo que os dirigentes da Liga queiram fazer a quadratura do círculo, para satisfazer clientelas. O problema é que de "wishful thinkings" estamos todos um pouco fartos, até pelos "bombardeamentos políticos" com que somos diariamente massacrados. Aqui, neste caso concreto do futebol português em que até já vimos um clube da 1ª divisão a publicar anúncios no jornal a pedir publicidade nas camisolas, ou se tomam medidas de fundo sobre a reorganização das ligas profissionais ou jamais sairemos da "cepa torta".

A que me refiro? À redução no número de equipas que disputam os campeonatos da 1ª e 2ª divisões, no máximo para 12, a disputar em 3 voltas, 1 a jogar em terrenos neutros. Estou seguro de que a qualidade média dos jogos aumentaria, o produto "futebol português" começaria a ter outro interesse, o acesso a novas plataformas de distribuição mais credível e, como consequência, o "bolo" a dividir seria maior, a partilha dos dinheiros poderia ser mais equitativa.

Se nada mudarmos, acreditam que o mercado que hoje é exíguo vai crescer, apenas com base nos "votos de fé" de Proença e seus apaniguados que atiram com 300 milhões como potencial de receita? Até quando se querem continuar a iludir? Porque a continuarem assim, por este caminho do empobrecimento dos grandes clubes acreditando que estes se irão acomodar à inevitabilidade da míngua das suas receitas, apenas estimulam a criatividade dos seus dirigentes, quiçá conducente ao aparecimento de uma Liga Ibérica, reduzindo os campeonatos atuais a meros distritais.

Manuel Boto

Sócio n.º 2794 do SLB

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