Opinião

Nuno Cerejeira Namora
Nuno Cerejeira Namora Especialista em Direito do Trabalho

Existe um direito a jogar no desporto português?

St. Juste relegado para a equipa B do Sporting
St. Juste relegado para a equipa B do Sporting • Foto: Pedro Ferreira

St. Juste tem razão? Sim: não pode ser 'despachado' para a equipa B. Pode resolver o contrato de trabalho, tendo direito a uma indemnização. O futebol não é um mundo à parte.

Existirá, no direito do desporto português, a consagração do dever de ocupação efectiva do praticante desportivo?

A Lei n.º 54/2017 consagra o dever de ocupação efectiva do praticante desportivo no seu artigo 11.º, alínea b). Assim, a entidade empregadora desportiva tem o dever de «proporcionar aos praticantes desportivos as condições necessárias à participação desportiva, bem como a participação efetiva nos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva».

A par da lei, importa ressalvar que a existência do referido dever é também amplamente reconhecida pela jurisprudência e, no caso específico dos jogadores profissionais de futebol, encontra-se ainda plasmado no artigo 12.º, alínea c) do CCT aplicável aos jogadores profissionais de futebol.

Ora, em bom rigor, o atleta não é titular de um direito de participar nas competições desportivas nas quais a sua entidade empregadora também participa. Isto é, o atleta não tem o direito de ser “titular” A entidade empregadora tem o dever, contudo, de proporcionar ao atleta todas as condições necessárias para que este participe nas referidas competições desportivas. Ou seja, estar integrado na equipa, treinar em grupo, etc.

Assim, no caso do futebol, sendo este, essencialmente, um desporto colectivo, para que o atleta esteja munido das condições necessárias para participar nas competições desportivas, revela-se indispensável que o mesmo tenha o direito de treinar juntamente com o resto da equipa. Do mesmo modo, tem o praticante desportivo direito a que lhe sejam asseguradas outras condições de carácter preparatório e/ou instrumental relativamente às referidas competições, em condições de igualdade com os outros atletas, como o acesso aos ginásios e enfermarias do clube, o acompanhamento por médicos, nutricionistas e fisioterapeutas do clube, a utilização dos equipamentos e materiais de treino, participação em sessões de análise tática; etc.

No entanto, pode a entidade empregadora, (nos termos do artigo 14.º, alínea d) do CCT), em situações excecionais, por razões de natureza médica ou técnica, impedir o praticante desportivo estar inserido no normal grupo do trabalho.

Neste ponto, importa sublinhar que as mencionadas razões de natureza “técnica” ou “médica” não podem ser entendidas de forma excessivamente ampla, sob pena de, em virtude de tal interpretação, se abrirem espaços para práticas abusivas da entidade empregadora (nas quais esta, por exemplo, utiliza justificações ou fundamentos vagos, genéricos e ambíguos para excluir o atleta dos treinos). Tratam-se, na verdade, de situações pontuais e objetivamente fundamentadas.

Quando o praticante desportivo é excluído sem que se verifiquem as referidas situações excecionais, tem este direito à resolução do contrato, como resulta do artigo 23.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 54/2017 e, no âmbito dos jogadores profissionais de futebol, segundo o disposto no artigo 43.º do CCT, na alínea c) do seu n.º 1 (por violação de uma garantia decorrente do artigo 12.º)

A lei espanhola é mais explícita, ao referir: «Los deportistas profesionales tienen derecho a la ocupación efectiva, no pudiendo, salvo en caso de sanción o lesión, ser excluidos de los entrenamientos y demás actividades instrumentales o preparatorios para el ejercicio de la actividad deportiva» (artigo 7, n.º 4, do RD 1006/1985).

No Brasil vigora a Lei n.º 9.615/98, mais conhecida por Lei Pelé. Segundo esta, é dever do clube proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras actividades preparatórias ou instrumentais, ao passo que é dever do atleta participar nos treinos, jogar em estágios e outras sessões preparatórias de competição com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas.

Para que seja respeitado o contrato e a dignidade profissional, impõe-se que sejam concedidas oportunidades de trabalhar, in casu, praticar desporto. Não o fazendo, o empregador viola o dever de ocupação efectiva e, com isso, exerce assédio laboral sobre o profissional desportivo.

Quando a entidade empregadora incumpre o dever de ocupação efectiva, coloca o trabalhador numa posição extremamente debilitada, uma vez que a sua reputação e imagem pública podem ficar invariavelmente manchadas (especialmente tendo em conta a durabilidade típica da carreira de um desportista). Nestes casos, o praticante desportivo, pode resolver o contrato de trabalho, tendo direito, concomitantemente, a uma indemnização.

O futebol está cheio de exemplos. Lembram-se de Vladimir Bestchastnykh, do Racing de Santander? De Rodrigo Fabri, do São Paulo? De Albelda, Canizares e Angulo, do Valencia FC? Todos foram vítimas de assédio laboral e os respectivos clubes condenados.

E o Sporting até já tem experiência, isto é, cadastro. Em 1999, despromoveu Hamilton de Souza – Careca – colocando-o a treinar à parte, sem bola, por se ter recusado a renovar o contrato. Acabou livre e indemnizado. Em 2015/16, colocou o peruano André Carrillo a treinar na equipa B, de castigo, por se ter recusado a renovar o contrato. Acabou por se transferir livre para o rival lisboeta.

O futebol não é um mundo à parte.

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