Opinião
Nos últimos anos, os Países Baixos emergiram como um caso de estudo fascinante no desenvolvimento dos esports europeus. Não através de investimentos massivos ou de subsídios avultados ao estilo saudita, mas através de uma abordagem pragmática e estratégica que privilegia o reconhecimento regulamentar e as parcerias público-privadas, que permitiu que o sector de Desportos Electrónicos na Holanda tenha crescido uns impressionantes 10% desde 2023. Este modelo holandês merece a nossa atenção e pode (deve?!) servir de inspiração para Portugal.
Em 2020, o governo holandês tomou uma decisão aparentemente simples mas com implicações profundas: reconheceu oficialmente os jogadores de esports como atletas. Esta decisão, resultado de uma colaboração entre a Team Liquid e o Comité Olímpico holandês, teve consequências práticas imediatas, particularmente ao nível dos programas de vistos que permitem aos jogadores profissionais competir sem complicações legais. Este reconhecimento não custou milhões aos cofres públicos, mas desbloqueou oportunidades fundamentais para a competitividade internacional do setor.
Integração educacional: construindo alicerces sustentáveis
A abordagem holandesa estendeu-se também ao sistema educativo, onde o governo tem apoiado a integração dos esports nos curricula académicos. A Breda University of Applied Science, por exemplo, oferece no seu curso de Gestão de Lazer e Eventos uma componente focada em desportos e esports, enquanto o ROC van Amsterdam disponibiliza um curso vocacional de Gestão de Esports, Jogos e Eventos, sempre com apoios financeiros governamentais estratégicos.
Esta estratégia de integração educacional é particularmente inteligente porque cria pipelines de talento profissional a longo prazo. Não se trata apenas de formar jogadores, mas de desenvolver toda uma geração de gestores, organizadores de eventos, técnicos e outros profissionais especializados que o ecossistema dos esports necessita para crescer de forma sustentável. É um investimento na base da pirâmide que renderá dividendos durante décadas, até porque a maioria destas skills são transferíveis para qualquer outra área de negócio.
Em Portugal, temos um exemplo semelhante ao nível da iniciativa de integração educativa, em que a Escola Superior de Desporto de Rio Maior (com quem a FPDE assinou recentemente um protocolo de colaboração), que lançou um curso TeSP nesta área. Contudo, aqui não houve nem um apoio governamental significativo nem o Instituto Politécnico de Santarém tem capacidades financeiras para a criação de infraestruturas deste tipo, infelizmente… já muito admiro a coragem da ESDRM de inovar e abrir caminho!
A realidade dos números: subsídios modestos mas estratégicos
É importante, contudo, manter a honestidade intelectual sobre o modelo holandês. Entre 2021 e 2024, o Creative Industries Stimulation Fund providenciou entre duzentos e quatrocentos mil euros anuais em subsídios a projetos de gaming - valores consideravelmente inferiores aos que países vizinhos investem nas suas indústrias nacionais de videojogos. De facto, quase oitenta por cento dos estúdios de desenvolvimento de videojogos holandeses consideram que o governo não está a fazer o suficiente para apoiar a indústria.
Esta aparente contradição - um sector em crescimento apesar de subsídios limitados - revela algo importante sobre a natureza do apoio governamental eficaz. Os Países Baixos demonstram que não é necessário investir centenas de milhões para criar condições de crescimento. O que é necessário é investimento estratégico nos lugares certos: reconhecimento legal, facilitação regulamentar e apoio a infraestruturas através de parcerias.
H20 Esports Campus: o paradigma da infraestrutura europeia
O exemplo mais visível da abordagem holandesa é o H20 Esports Campus em Amesterdão, uma instalação de dez mil metros quadrados que inclui arenas de gaming, espaços de trabalho e escritórios para startups e empresas do setor dos esports e tecnologia criativa. O Rabo Esports Stadium é a primeira e maior localização permanente para eventos de esports no Benelux. Basta consultar o site oficial para ver o quão espectacular é o estádio!
O campus alberga uma rede de mais de cem organizações, desde startups a parceiros educacionais e grandes corporações, com eventos realizados quase diariamente e programas organizados para o desenvolvimento de talento em esports, gaming e tecnologia. A infraestrutura técnica é de última geração, com capacidade para ligação simultânea de até mil dispositivos e largura de banda agregada de um gigabit por segundo (!!!!!).
O aspeto mais relevante do H20 Campus não é, contudo, a sua impressionante infraestrutura técnica, mas sim o seu modelo de financiamento. O projeto foi viabilizado através de uma parceria público-privada entre entidades como o Rabobank e o governo, representando uma colaboração de três anos que permitiu completar o financiamento do primeiro estádio de esports dos Países Baixos. Este modelo híbrido permite ao sector público facilitar e catalisar investimentos privados sem assumir sozinho o fardo financeiro completo. Parece-me uma excelente ideia!
Parcerias público-privadas: o segredo holandês
A estratégia holandesa assenta fundamentalmente na facilitação de parcerias entre o setor público e privado. Programas como o Dutch Game Garden providenciam financiamento e formação, enquanto iniciativas como o Midgame Fund oferecem oportunidades de investimento, dando às startups os recursos necessários para prosperar. O governo actua como facilitador e catalisador, não como investidor principal.
Este modelo é particularmente adequado para países como Portugal, onde os recursos públicos são limitados mas existe talento e potencial empresarial. Não precisamos de replicar os investimentos sauditas de milhares de milhões; precisamos de criar as condições regulamentares e fiscais que permitam ao setor privado investir com confiança. E que tal criar programas dentro do Portugal 2030 para direccionar investimento comunitário especificamente para estas áreas? Fica a sugestão.
Mobilização da indústria: unidade em acção
Recentemente, a Dutch Games Association, juntamente com a Video Game Federation Netherlands e a Dutch Esports Federation (nossos parceiros na EEF e IESF), enviaram conjuntamente um documento de posição aos membros da Câmara dos Representantes holandesa, delineando os passos fundamentais necessários para fortalecer a indústria holandesa de gaming. Esta acção coordenada demonstra maturidade e capacidade de mobilização do setor, criando momentum para aumentar o apoio governamental.
Este tipo de coordenação entre diferentes entidades do ecossistema é crucial e representa uma lição importante: os governos respondem melhor quando a indústria fala a uma só voz com propostas concretas e bem fundamentadas. Isto é algo que a FPDE tem promovido activamente em Portugal, como revelam as recentes reuniões de aproximação com a AEPDV e APVP, e a criação de um cargo de director para as relações com publishers, especificamente criado para implementar esta visão unificada.
Lições para Portugal: o que podemos aprender
O modelo holandês oferece lições valiosas para Portugal. Demonstra que o crescimento do sector dos esports não depende necessariamente de investimentos massivos do Estado, mas sim de uma abordagem estratégica inteligente que combine reconhecimento regulamentar, integração educacional e facilitação de parcerias público-privadas.
Portugal tem vantagens comparativas significativas: talento reconhecido em programação e design, custos operacionais competitivos, uma localização geográfica estratégica e crescente reconhecimento internacional dos nossos atletas de esports. O que nos falta não são necessariamente milhões em subsídios, mas sim o reconhecimento formal dos esports como modalidade desportiva, a criação de programas educacionais especializados e a facilitação de infraestruturas através de parcerias.
O facto de os Países Baixos terem alcançado crescimento significativo com subsídios relativamente modestos sublinha o potencial ainda não explorado que existe quando o apoio governamental, mesmo que limitado, é aplicado de forma estratégica. Portugal não precisa de reinventar a roda - podemos aprender com o modelo holandês e adaptá-lo à nossa realidade nacional.
A experiência holandesa demonstra que é possível desenvolver um ecossistema de esports competitivo sem depender de petrodólares ou de investimentos estatais massivos. O segredo está na combinação inteligente de reconhecimento regulamentar, integração educacional, facilitação de infraestruturas e criação de condições para parcerias público-privadas.
Para Portugal, este modelo representa uma via realista e alcançável. Não precisamos de competir com a Arábia Saudita em termos de investimento bruto; precisamos de ser mais inteligentes, mais estratégicos e mais eficientes na forma como utilizamos os recursos limitados disponíveis. O modelo holandês prova que é possível - e Portugal tem todas as condições para seguir um caminho semelhante de sucesso.