Opinião
A arbitragem portuguesa passa tempos difíceis, com criticas vindas de todos os lados. Um dos maiores mistérios, é que só existem clubes prejudicados, pois nunca, mas nunca vi, um treinador, um dirigente ou um jogador dizer que hoje fomos beneficiados pelo arbitro. Mas a minha maior perplexidade, foi ver gente conhecida, bem formada e inteligente, querer que as leis do futebol sejam objetivas. Tenho muita pena, mas isso, não existe. No dia, em que no futebol, como na sociedade, as leis forem objetivas, deixa de haver árbitros ou juízes. Qualquer computador passa a decidir.
Mas centremo-nos no problemático mundo que é o futebol. Aqui, neste mundo toldado pelas emoções, o árbitro ocupa uma posição singular; ele é ao mesmo tempo, o aplicador das leis do jogo, e o intérprete de tudo o que se desenrola em frações de segundos. Mas se é verdade que o regulamento é objetivo, a aplicação prática das leis do jogo, evolve sempre um grau de subjetividade que acompanha cada tomada de decisão.
A velocidade e a imprevisibilidade do jogo, fazem com que muitos lances não sejam claros. Assim, um contacto pode ou não ser falta. Uma mão pode ser acidental ou deliberada. A intensidade de uma entrada pode variar entre o aceitável e o sancionável. O que é uma jogada prometedora? A fronteira entre estas interpretações raramente é nítida, e o árbitro está obrigado a uma decisão imediata, que quer gostemos ou não, é ancorada na sua experiência, na sua leitura do jogo, e na perceção que tem do movimento dos jogadores.
Mesmo com a introdução do VAR, que veio procurar reduzir o erro, principalmente o erro flagrante, a subjetividade não desapareceu. O vídeo oferece mais ângulos e maior precisão, mas não elimina a necessidade de interpretação; o que é “intenso” ou “imprudente”, o que constitui “uma mão em posição natural ou antinatural”, o que é “o aumento da volumetria do corpo”, ou o “que grau de intensidade e de contacto é necessário para marcar um penalty”. Tudo isto continua e continuará sempre a depender do entendimento, logo da subjetividade humana. A tecnologia poderá e deverá complementar o trabalho do árbitro, mas nunca substituirá o seu discernimento.
Outro fator crucial é a gestão emocional do jogo. O árbitro não decide apenas lances isolados; gere o ritmo, a tensão e a disciplina. É por isso, que duas faltas idênticas, podem ter consequências diferentes conforme o momento, a reincidência do jogador ou o ambiente do campo, ou até o estado emocional do árbitro naquele momento do jogo. E tudo isto é profundamente subjetivo e nunca será objetivo.
Por último, a perceção pública das decisões do árbitro, acrescenta mais uma camada de subjetividade. Adeptos, jogadores, treinadores e até comentadores, interpretam os mesmos lances através das lentes das suas emoções e da sua parcialidade, tal como eu sou parcial quando analiso o que gosto e o que não gosto. O árbitro, ao contrário de todos os outros, é o único que é chamado a decidir sempre com imparcialidade absoluta, isolando-se do sentir do mundo. Todos os outros, comentam e discutem as decisões do árbitro, não de forma imparcial, mas sim, tal como eu, movidos pelas suas paixões clubísticas. E aqui só existem dois grupos de pessoas; os sérios, aqueles que assumem as suas paixões e logo a sua análise subjetiva, e os mentirosos, que não têm clube, e que assumem posições subjetivas como se fossem objetivas.
Em conclusão, a subjetividade das decisões dos árbitros não é um defeito, mas uma característica humana e intrínseca a todos nós. Enquanto o jogo for dinâmico, humano, apaixonante e imprevisível, a atuação e decisão de todos os árbitros, continuará sempre a exigir sensibilidade, leitura do contexto, coragem e capacidade para interpretar em tempo real, a complexidade de cada jogada, de cada lance de uma partida de futebol.
No dia que retirarmos a subjetividade ao futebol, como à vida, perdemos a humanidade e aproximamo-nos da máquina. O jogo de futebol, passará a ser outra coisa qualquer, mas muito pior e menos interessante do que é hoje.