Opinião

Provocação ou demagogia?

É UM exemplo típico de demagogia terceiro-mundista, porque não creio que possa ser uma provocação, que seria gratuita.

Numa assembleia geral extraordinária da Federação de Futebol (FPF) realizada a semana passada, foi aprovada uma proposta do sr. Carraça do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol que visa reduzir drasticamente o número de futebolistas estrangeiros a actuar em equipas portuguesas. A medida, embora teoricamente desejável e positiva, na medida em que há em Portugal jogadores estrangeiros a mais, em detrimento dos portugueses, em especial dos mais jovens, bloqueando o seu acesso e tirando interesse à sua formação por parte dos clubes, tornou-se, no entanto, inexequível depois do acórdão Bosman.

Como saberá qualquer aprendiz de feiticeiro com pretensões "sindicalistas", não apenas aquele famoso acórdão do Tribunal de Justiça da Comunidade veio fazer jurisprudência nesta matéria, como a própria Comunidade e os organismos internacionais do futebol emitiram directivas e regulamentos obrigando à aplicação do princípio da livre circulação e contratação de jogadores comunitários nos 15 países que hoje formam a Comunidade. Um princípio de que Bruxelas não abre mão, como se tem visto no desenrolar dos problemas sobre o regulamento de transferências dos jogadores de futebol.

Apresentar, e mais grave do que isso, aprovar em assembleia geral de uma federação europeia, uma proposta de sentido contrário, que se sabe inaplicável e ilegítima, só pode ser uma rematada demagogia. Sabendo-se, previamente, que a medida não tem a mínima hipótese de ir por diante, o menos que se poderá dizer é que a demagogia ou é uma provocação gratuita às entidades comunitárias ou uma ignorância terceiro-mundista e dolosa. Que reacção poderão ter os responsáveis da UEFA, cada vez mais pressionados pela intransigência de Bruxelas nesta matéria, diante desta "desobediência civil" de uma federação a quem "eles" adjudicaram a realização do próximo Campeonato da Europa de Futebol?

A aprovação da proposta do ex-cooptado presidente do Sindicato de Jogadores em assembleia geral da FPF oferece, aliás, algumas situações dignas das originalidades parlamentares do imortal conde Abranhos. Desde logo, a posição do sr. Carraça, ex-açodado defensor do acórdão Bosman, cujas consequências ele anularia agora em Portugal com esta proibição de estrangeiros, se houvesse alguma hipótese de ela ser viável...

Mas o apoio oficial e entusiástico do presidente da FPF e da empresa Euro 2004, dr. Madaíl, à proposta do sr. Carraça não é menos curioso, tendo em conta o respeitinho oficioso de Madaíl por Bruxelas e pelos "patrões" da UEFA. "Uma boa medida", "muito salutar para o nosso futebol"? Então e o acórdão Bosman, as circulares da UEFA e da FIFA, os regulamentos, o Tratado de Roma, a livre circulação de jogadores comunitários, o comissário Monti, sr. presidente? Como é que a FPF manda às urtigas uma decisão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia?

Outra estranha curiosidade foi a de que esta proposta anti-Bosman teve os votos contra da Liga de Futebol Profissional e das mais importantes associações de futebol do país (salvo erro, com excepção de Lisboa, todas votaram contra), de todos os grandes clubes do país (pelo menos, os 18 da I Liga e os 18 da II Liga manifestaram-se contra, ao que revelou o seu representante). Liga que se insurgiu contra a votação e anunciou ir requerer a sua anulação, por, entre outras coisas, se ter verificado uma clara violação das normas comunitárias.

Aparentemente, tudo isto não passaria de um "fait divers", de um pretexto que alguém arranjou para dar nas vistas, enfim, de uma rematada e total e inconsequência, não fora uma assembleia geral da FPF e a cobertura mediática que o incidente teve. A verdade é que, em Portugal, há um grave problema com os seguros dos jogadores, há jogadores perseguidos por dirigentes com pouco nível e menos escrúpulos, que são impunemente impedidos de treinar, que têm salários em atraso, que são despedidos sem justa causa e sem indemnizações. Que faz por eles o Sindicato? Nada, se não forem mediáticos, como o Dani, o Leandro ou o Afonso Martins! Os outros jazem por aí na pseudo-glória de uma profissão que só tem sindicato para quem não precisa dele...

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