Opinião
Kulkov, Alenichev, Hulk, Bruno Alves, Witsel, Javi Garcia: nomes de destaque das transferências luso-russas. Porém, desde que a União Europeia decidiu aplicar sanções contra a Rússia, o comércio com aquele vasto leste não mais foi o mesmo – e isso é visível quando se examinam as contratações de certos clubes russos e se constata que desapareceram os jogadores provindos do espaço europeu. Findo mais um mercado de transferências, é oportuno perguntar: como se projetam estas sanções nos negócios entre clubes portugueses e russos?
As sanções da UE limitam significativamente as transações com a economia russa – e o contexto desportivo não mereceu exceção. Essas proibições têm aplicação direta em Portugal, que reforça a sua importância com a mais violenta das armas jurídicas: a previsão de um crime, aplicável mesmo quando os clubes celebram negócios proibidos com clubes russos por mera negligência.
Mais em concreto, e entre outros, o Regulamento (UE) n.º 269/2014 lista as pessoas e entidades alvo de concretas sanções, com as quais é proibido negociar e ceder fundos ou recursos económicos. Já o Regulamento (UE) n.º 833/2014 proíbe transações, diretas ou indiretas, com qualquer entidade russa controlada, sob influência ou detida maioritariamente pelo Estado Russo. Em 2022, este Regulamento determinou também a exclusão de vários bancos russos do sistema SWIFT, cessando a sua comunicação com o sistema bancário global. Neste labirinto regulamentar, o caminho que resta para licitamente transacionar com o campeonato russo existe, mas é estreito. Clubes detidos ou controlados pelo Estado, mesmo se indiretamente, não podem transacionar com clubes europeus. E o mesmo bloqueio se verifica perante clubes que incorporem acionistas alvo de sanções, tal como para negócios que impliquem o recurso a instituições financeiras sancionadas.
Não falta, aliás, quem esteja vigilante: a organização Follow the Money vem mapeando as transferências protagonizadas por clubes europeus, sinalizando-as como potencialmente violadoras destas sanções. Por cá, a investigação a crimes de violação de medidas restritivas foi elevada a prioridade de política criminal, já com reflexos aumentos na abertura de inquéritos.
Apesar deste cerco, e paradoxalmente, a FIFA não tem aliviado os deveres dos clubes, nem mesmo perante a aplicação de sanções europeias, como se viu nos casos de PSV e West Ham. No litígio que opôs o West Ham e o CSKA Moscovo, o West Ham foi condenado pela FIFA a pagar uma prestação em atraso, mesmo depois de ter alegado que as sanções impostas ao banco russo implicavam a ilicitude desse pagamento – decisão que, em boa hora, o Tribunal Arbitral do Desporto (CAS) amenizou, adiando o pagamento para quando legalmente possível.
Face a estes riscos criminais e regulamentares, qualquer operação com clubes russos deve ser antecedida de independentes análises criminais e bancárias, que dissequem a estrutura do clube russo, os seus acionistas, e, bem assim, os bancos intervenientes. Na negociação, devem priorizar-se cláusulas de revelação de toda a informação societária e respetivos beneficiários. Devem ainda evitar-se obrigações diluídas no tempo, porque o quadro regulamentar altera-se com frequência, e um pagamento hoje permitido pode já não o ser quando se vencer uma futura prestação.
Tal como dentro das quatro linhas, também o sucesso legal acompanha quem melhor interpreta os momentos do jogo. Para este contexto jurídico, impõe-se, por ora, uma tática mais defensiva.