Escrevem os Leitores
Tenho ideia de ter começado a ver futebol com olhos de ver aos 7 anos. Nasci numa família de leões Sportinguistas até à médula e, também por esse motivo – digo "também" porque vá se lá saber o que leva, verdadeiramente, alguém a apoiar um clube – sempre fui também eu, um desses "lagartos" que por aí anda, como nos chamam os nossos adversários. Apesar das tentativas dos meus padrinhos de me converterem ao Futebol Clube do Porto, uma proposta aliciante, claro, visto que ganhavam tudo naquela altura (estamos a falar dos anos 2006, 2007, 2008, 2009, anos em que a chama do Dragão queimava tudo o que lhe aparecia à frente) e, para uma criança, o brilho dos troféus e o êxtase dos cânticos pode ser decisivo. Para mim, não foi. Quase cedi à tentação de "querer ser dos dois" para satisfazer a vontade com elegante diplomacia, mas o coração já pintado de verde não deixou.
Lembro-me bem da equipa mítica de 2007/08. Como não recordar com brilho nos olhos o Levezinho e os seus golos forjados a partir da sua capacidade de tornar uma jogada inócua em fintas venenosas e remates que mais pareciam balas teleguiadas? Como não recordar Anderson Polga, campeão do mundo e patrão da defesa a jogar ao lado do Tonel? O agora treinador-sensação do Palmeiras, Abel, era o nosso defesa direito, e à sua frente jogava o talentoso Izmailov, apenas travado em falta pelas suas lesões. Já contávamos também com os pezinhos mágicos do Veloso e com o também pé esquerdo, Vukcevic, famoso por pedir desculpas depois de fintar e por um golo de canto…questionável – tinha os seus momentos de rasgo. Havia um outro jogador no meio-campo do Sporting, muito utilizado segundo dizem, mas não me recordo bem de quem é. Há jogadores assim: jogam muitos jogos, porém, a marca que podiam ter deixado na história do clube é propositadamente esquecida.
Escrevo esta crónica ao abrigo da felicidade de ter sido campeão nacional. Estas vitórias, para mim, são como desforras para as equipas belíssimas que fomos tendo – nem sempre o eram, é certo, mas muitas foram – e que não ganharam nada ou passaram pelos pingos da chuva com a conquista de uma Taça de Portugal ou da Liga. O quão bonito teria sido ver Liedson campeão nacional? Ou Matías Fernández? Wolfswinkel? Montero? Foram, porventura, mais do que isso. Para muitos jovens Sportinguistas com eu foram quem nos agarrou ao Sporting para sempre. Nos momentos difíceis, talvez até sem se darem totalmente conta, acenderam uma vela quando a luz faltou. Hoje, o Sporting vive bem ao sol. Nem sempre foi assim. Tão feliz fico pelos pequenotes que agora entram na sua escolinha de camisola orgulhosamente vestida por serem campeões. Na minha altura, contentei-me com uma "calcanharada" histórica do Xandão ao City.
Um dia, algum deles escreverá uma crónica destas a lembrar o Gyökeres, o Hjulmand, o Coates, o Pote, o Trincão – tantos. E que bom. São os vossos campeões, crianças! Os nossos campeões!
Agora somos lagartos ao sol. Já não andamos pelas ruas da amargura, banhamo-nos, felizes da vida, com vitórias e golos. Que continue a ser assim. Estás desforrado, Liedson! Estás desforrado, Matías! Estás desforrado, Wolfswinkel! Estás desforrado, Montero!
De Luís G. Rodrigues, investigador-bolseiro da Faculdade de Letras de Lisboa e estudante de Mestrado