Escrevem os Leitores
Será que, hoje em dia, os miúdos fanáticos por futebol ainda fazem cadernetas? Na minha altura, nem era necessário ser propriamente um fanático, bastava saber que equipa era aceitável apoiar em casa e ter amigos suficientes com quem trocar cromos.
A caderneta de futebol era como material escolar e só saía da mochila em dois momentos – no momento de vaidade "deixa-me cá mostrar a esta malta que já só me falta terminar uma equipa" ou no momento do negócio "amigos, amigos…".
Lembro-me das difíceis negociações com os amigos: "dou-te cinco cromos pelo Liedson, é o único que me falta para acabar o Sporting". Às vezes, tinha de ser assim. Mas a verdade é que o inverso também acontecia. No início da empreitada de começar a caderneta, quando saía a sorte grande de nos calhar um belo jogador na saqueta – tipo Hulk, Cardozo, Patrício –, havia sempre quem estivesse disposto a cometer loucuras; quem, no momento em que via uma estrela cintilante em papel autocolante, punha de lado toda a manha da troca de cromos e negociava com o coração: "sim, toma lá dez cromos pelo Aimar".
Claro que, para juntar cromos, era preciso comprar as saquetas. Cada saqueta era uma nova oportunidade para riscar o indispensável papelinho com os números dos cromos que ainda não tinham saído. Chegava a uma altura em que se em cinco cromos saísse um que nos faltava, aquele risco no papel sabia a golo e parecia, afinal, que os craques da bola não estavam assim tão longe. Estavam tão perto que, por causa dos cromos, sabíamos tudo sobre os jogadores: nome completo, altura, peso, antigo clube.
Na caderneta da época 2009/10 só me escapou um jogador. Bem, na verdade não escapou, está escondido. Mas como pode um cromo esconder-se? O do Porto está sempre a aparecer na televisão. Só o meu, aquele que ainda hoje não permite à coleção estar completa, é que não sai da toca. Trata-se de Ruben Micael, na altura jogador do Nacional da Madeira. Foi um dos primeiríssimos cromos que me saiu, foi mesmo daqueles que até vem agarrado à caderneta quando a compramos. Porém, naquele primeiro momento de colagem – puro êxtase, nervosismo, emoções à flor da pele – colei-o mal. E pronto: colei-o no lugar do Rúben Lima, jogador, à época, do Vitória de Setúbal. Os verdadeiros entusiastas destas andanças saberão que estou a falar daquela mítica página intitulada Top Jovens, onde estava também, por exemplo, Rúben Amorim. Tanto Rúben bem-sucedido nesse ano.
O que fiz eu, então? Como me tinha saído, ainda nesse mesmo dia, Rúben Lima, colei-o no sítio certo, ou seja, por cima de Ruben Micael, que estava no lugar errado. "Mas caramba! É mesmo no início da caderneta, isto agora saem Rúbens que se farta", disseram-me e eu concordei. Está-se mesmo a ver onde é que isto foi dar. A partir daí, nunca mais me saiu um Rúben Micael, nem nunca mais consegui trocar os repetidos que tinha por ele. Simplesmente não apareceu. Atrevo-me a dizer que deve ter sido o cromo mais difícil de sair dessa época.
Mas enfim. Tudo isto para dizer que já não me parece que os mais pequenos façam cadernetas. Antes contavam-se cromos, agora contam-se seguidores no Instagram. Talvez, hoje, o equivalente a fazer coleções de cromos, seja publicar TikToks, colecionar partilhas e fazer muita força para que fiquem virais, até que a nova produção dos Morangos com Açúcar os chame para a nova temporada. Mas atenção! Se não funcionar, não fiquem tristes, pequenos. Lembrem-se sempre: a mim, nunca me saiu um segundo Rúben Micael!
Por: Luís G. Rodrigues, estudante de Mestrado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Investigador bolseiro e vice-Presidente do projeto "Europa Hoje"