Escrevem os Leitores
Comecemos pela parte que não é segredo para ninguém que já assistiu ao Rally de Portugal: não há festa como esta. O maior evento desportivo do ano em Portugal voltou e trouxe com ele a tradicional romaria ao Centro e ao Norte do país.
No ano passado, a organização da prova estimou que, espalhados entre as várias classificativas, teriam estado mais de um milhão de aficionados pelos motores. Porém, este ano, quem esteve na noite de sábado para domingo em Fafe irá certamente concordar que, só entre o Salto da Pedra Sentada e o Confurco, eram muitos mais.
Durante 4 dias, a calmaria da paisagem rural portuguesa foi casa dos "peregrinos" do Rally, todos na expetativa de vislumbrar a passagem dos carros mais rápidos de sempre. É neste momentos que o engenho português mostra todo o seu esplendor, montando-se acampamentos de fazer roer de inveja os montanhistas mais experientes, onde nada falta e a diversão está garantida noite dentro. Uma menção honrosa para as belas sinfonias de motosserra que se fizeram ouvir por toda a parte, numa frenética competição para saber quem "canta" melhor.
Enfim, que o Rally de Portugal é indiscutivelmente o melhor rally do mundo na perspetiva do espetador já se sabe, mas as emoções fortes não estavam guardadas apenas para as bancadas florestais e montanhosas que adornam as classificativas portuguesas.
Se uma prova com 9 Rally1 e 69 inscritos no total (recorde de participantes até ao momento no campeonato de 2024) já seria digna de ser acompanhada, a edição deste ano do Rally de Portugal superou todas as expectativas, com 5 líderes diferentes e indecisão até ao último metro de prova.
Na sexta-feira, Mortágua, Lousã, Góis e Arganil provaram ser aquilo que todos os pilotos temiam, um verdadeiro teste de resistência para as máquinas e equipas. Quem não se pode queixar deste dia é Thierry Neuville – que depois de vencer a Super Especial da Figueira da Foz, conseguiu segurar a liderança da prova, mesmo com a dificuldade acrescida de abrir a estrada –, até Dani Sordo, o português emprestado, "dar conta do recado", com duas vitórias seguidas nas deslumbrantes e duras classificativas de Góis e Arganil. O líder da prova nesta fase, porém, era o herói mais improvável, Takamoto Katsuta da Toyota, que sem fazer um trabalho por aí além durante a manhã (mesmo vencendo em Mortágua), conseguiu conservar a liderança até a entregar de bandeja ao seu amigo Kalle Rovanperä na Lousã depois do almoço.
Quem está mais habituado às andanças da Fórmula 1 – onde consta que por ali também anda um jovem a dar pouca hipóteses aos adversários mais velhos – podia pensar que não teríamos qualquer surpresa até ao final. Mas esta surpresa estava guardada para Montim, no sábado de manhã.
Com o despiste de Rovanperä, Ogier só teve de fazer aquilo que um oito-vezes campeão do mundo melhor sabe: prego a fundo com toda a cautela e segurança na segunda passagem pelos míticos 37,24 km da classificativa de Amarante, nuns alucinantes 24 minutos e 9 segundos a fundo. O vídeo completo do ataque de Ogier está disponível online, se tiver estômago para dar um passeio num carro de 500 cavalos pela Serra do Marão. Nem mesmo um Ött Tanak bastante inspirado durante a tarde de sábado e no domingo conseguiu travar o ímpeto do piloto francês, que deitou por terra o recorde de 5 vitórias de Markku Alén. Nada mal para um part-timer.
Pelo meio da competição, o ACP anunciou que o Rally de Portugal está assegurado no calendário do campeonato do mundo até 2026. É um mero pro forma, mas não passou despercebido.
O WRC sabe que não pode perder Portugal e os adeptos portugueses (com bastantes estrangeiros à mistura, é preciso dizer-se) não permitiriam que a caravana do campeonato do mundo deixasse de passar por terras lusas, como sucedeu entre 2002 e 2006.
No entanto, uma coisa é certa: no dia em que os deuses do rally decidirem trocar Portugal por paragens "mais apelativas" (bater na madeira), haverá alguém a pernoitar na montanha, faça chuva faça sol, em vigília pela passagem dos carros.
Por: Gonçalo Versos Roldão/26 anos/Advogado