Corremos a Maratona de Berlim na peugada do mais rápido de sempre

Quando o dia amanheceu já se sentia uma vibração diferente no ar naquela manhã fresca de Berlim. Era o regresso da Maratona à sua capacidade total (este ano estiveram mais 15 mil corredores do que em 2021, num total de 40 mil) e o retorno do rei da maratona às estradas alemãs. Eliud Kipchoge, o homem mais rápido de sempre na distância rainha, uma verdadeira lenda viva do atletismo, estava ali, com a promessa clara de fazer algo especial. Eram os condimentos perfeitos para um dia histórico. Que efetivamente aconteceu, com um novo recorde mundial.

Duas semanas passaram desde essa jornada para recordar e agora, com tempo para digerir todas as emoções, é com um gostinho especial que partilho esta crónica. Porque estive lá, estive nas mesmas ruas em que o GOAT (’o melhor de sempre’, em inglês) mostrou uma vez mais que os limites estão ali para ser derrubados. Vivi um momento histórico, apenas ao alcance de uma modalidade como o atletismo, a única na qual o atleta amador, desde aquele que corre a maratona em 3 horas ao que acaba em 6, pode partilhar palco com o melhor de sempre e fazer parte de páginas douradas. E isso talvez tenha sido o segredo para também eu me superar neste domingo, há precisamente duas semanas. Esta era a 28.ª maratona da minha vida, a 9.ª do ano. Mas a primeira com a real sensação de que podia acontecer algo especial. Pelo potencial de recorde do Mundo, mas também pela sensação de que também eu poderia efetivamente fazer algo especial.

PUB

O objetivo

Tinha feito uma preparação bastante complicada, mas as semanas anteriores tinham-me dado indicações para arriscar, especialmente depois da Meia Maratona do Porto, corrida na semana anterior, onde bati o meu recorde pessoal na distância. De imediato assumi a postura de ‘se não arriscar nunca saberei aquilo de que sou capaz’. O objetivo era não só melhorar os 3:00.55 de recorde pessoal que trazia de Sevilha, mas acima de tudo quebrar a barreira (psicológica) das 3 horas. Sem medo. Se quebrasse, pelo menos tinha tentado! Pelas 9h15, quando parti, ao lado de um então desconhecido correr francês, fixei o ritmo nos 4.15/km. Era o ‘pace’ para acabar abaixo das 3 horas. Para os menos entendidos, significa correr a 14,1km/h. Para mim era uma brutalidade, mas bem longe dos 20.93 km/h (2.52/km) que lá na frente Eliud Kipchoge fez. Os quilómetros passaram e a sensação era positiva. Passei à ‘meia’ em 1:29.37. Estava perfeito! Mas nisto da maratona a história não é como começa, é como acaba. É quase como um jogo de futebol, onde depois dos 88’ podemos passar de vencedores a derrotados. Na maratona é o mesmo, mas talvez mais cruel. Cruel porque não são só 3 ou 4 horas de prova. São meses de preparação para aquele dia. Sabia disso e acabei por vivê-lo.

Altos e baixos

PUB

Aos 26 quilómetros tive a primeira grande quebra. O gel despertou-me. Aos 34 voltei a quebrar. Novamente o gel a salvar-me. Isso e saber, dito por quem estava à beira da estrada, que Kipchoge tinha batido o recorde. Ia com 29 quilómetros quando ele fez história... Imaginem bem quanto ainda me faltava! Mas a verdade é que aquilo, ouvir aquelas palavras, deu-me nova vida. Em 2 quilómetros recuperei algum terreno, até que surgiu nova quebra. Mais uns segundos perdidos e o sub-3 já era. Abrandei, controlei o ritmo e quis acabar bem. Quando vejo o Portão de Brandemburgo ao longe, sabia que a maratona não me escaparia. O sub-3 podia fugir, mas não era isso que me ia tirar o prazer de fechar a maratona feliz. Não acabei em sprint, não fazia falta. Queria viver o momento e vingar-me da desilusão de 2021. Aproximo-me da meta e absorvo a vibração dos últimos metros. Cruzo a meta e paro o relógio. 3:01.01. Não foi recorde por 6 segundos. Não foi sub-3 por 61. Mas isso pouco importava. Tinha acabado mais uma maratona. Feliz da vida e com o orgulho de poder dizer que partilhei a mesma estrada do melhor da história. E também que acabei a menos de uma hora dele!

Com o conforto e tranquilidade de ter tudo planeado

Em Berlim, para lá de ter vivido pela 1ª vez um recorde do Mundo ‘in loco’, tive tambéma chance de estrear-me em viagens integrado num grande grupo de corredores, no caso com a Endeavor. Isso consistia essencialmente em ter tudo organizado neste fim de semana, desde transfers, alojamento e, claro, o dorsal para a corrida. Só tinha de me focar essencialmente em comer, descansar e correr no grande dia. Era para isso que lá estava. Quando lá cheguei, àquele domingo de há duas semanas, só podia ter corrido tão bem como correu. E, no final, ainda com as emoções da maratona bem presentes, nada melhor do que passar horas e horas à conversa - acompanhado de uma(s) bela(s) caneca(s) de cerveja alemã - com o enorme grupo de corrida que me acompanhou. Balanço feito, foi uma experiência para recordar e, definitivamente, para repetir. Voltamos em 2023?

PUB

Por Fábio Lima
Deixe o seu comentário
PUB
PUB
PUB
PUB
Ultimas de Record Running Notícias
Notícias Mais Vistas
PUB