Estivemos na Maratona de Chicago e 'vimos' um recorde vindo de outro mundo

Tal como no ano passado, em Berlim, marcámos presença na prova que deu novo máximo na maratona, agora em Chicago

"Temos um novo recorde do mundo. Duas horas e 35 segundos." Pouco passava das 9:30 do passado dia 8 quando ouvi esta frase, dita por um voluntário num dos pontos de abastecimento da Maratona de Chicago. Estava eu a chegar perto dos 30 quilómetros da minha prova e, lá bem à frente, um tal de Kelvin Kiptum fazia o impensável. Quebrar o recorde mundial de Eliud Kipchoge, que tinha sido fixado um ano antes em Berlim, numa prova na qual, curiosamente, também corri. Estão a ver uma tendência, certo?

Tal como no ano passado em Berlim, sentia-se uma vibração muito especial relativa àquilo que Kiptum podia fazer. Não vou dizer que se adivinhava, porque nisto da maratona é tudo muito imprevisível, mas se havia alguém capaz disso era mesmo o jovem queniano de 23 anos. E o que sucedeu naquele dia confirmou-o. Tudo convidava a um novo recorde mundial, desde o clima (6 graus na partida) ao perfil relativamente plano da prova... E até eu, um jornalista que estava em Chicago para concluir a sua 3ª Major (e a 37ª maratona), me aproveitei desse facto para também bater o recorde pessoal. Foi um daqueles dias em que tudo se alinhou e fazer parte dessa página de história pelo 2º ano seguido tem um sabor especial.

Trabalho bem feito

Tal como Kiptum, cheguei ao dia da prova com a sensação de que a preparação tinha sido feita da melhor forma possível. O plano fora traçado vários dias antes e, também à imagem do novo recordista, consegui fazer uma prova em ‘split negativo’ (a segunda meia-maratona mais rápida do que a primeira). Algo muito difícil de fazer mas que, cada vez mais, vejo como estratégia perfeita para conseguir recordes. Tal como Kiptum, o início da minha prova representou o pior parcial. Depois disso, foi hora de acertar o relógio e manter um ritmo constante. Que consegui fazer (em torno dos 21 minutos a cada 5 quilómetros), com apenas uma perda de 20 segundos dos 15 aos 20 quilómetros, quando tive de parar 1 minuto (!) para ir à casa de banho. Isto enquanto, a cada cinco quilómetros, ia perdendo cerca de 7 minutos para o homem da frente (ver tabela acima). Por um lado mostra-me a consistência do meu ritmo; por outro traduz de forma quase absurda o ritmo surreal a que estes atletas de topo conseguem correr (Kiptum fez a maratona a uma média de 21 km/h!).

O único momento de maior quebra (muito curta) foi dos 35 aos 40, quando perdi o último de cinco geis que tinha para tomar. Sem aquela energia extra, não consegui a aceleração que tinha planeada. Foi o suficiente para não fazer um tempo abaixo das 2:58 horas. Mas foi quanto baste para melhorar em 54 segundos a marca que tinha desde Praga, no passado mês de maio (2:59.00). O tempo desejado, confesso, não era esse. A ideia era conseguir entrar na casa das 2:56, mas a verdade é que, com uma paragem forçada e ainda com um recorde do mundo feito naquelas ruas, era impossível não sair satisfeito por aquilo que fiz e vivi há duas semanas nas ruas de Chicago.

E agora, o que se segue?

Para Kelvin Kiptum, o objetivo claro tem de ser o ataque à barreira das 2 horas na maratona. Se o fizer, não há forma de colocar as coisas de outro modo: o legado de Kipchoge ficará para sempre, mas Kiptum terá de ser rotulado de melhor da história. Londres, em teoria, poderá ser o palco disso mesmo. Mas, para tal, já sabem que há um requisito: o jornalista que vos escreve estar presente. Caso contrário... não será tão fácil assim!

Perfil plano com algumas ‘rasteiras’

O facto de ter sido palco do recorde masculino (e feminino até recentemente) leva-nos a pensar que Chicago tem um percurso totalmente plano, mas na minha opinião isso está longe de ser verdade. É certo que os números de desnível dizem-no, mas pela experiência de correr Berlim e Chicago digo que a prova alemã é mais fácil. E isso dá ainda mais valor ao que Kiptum fez. É que, não tendo grandes subidas (excetuando a final, que pode ‘partir’ as pernas a quem ali chegue mais ‘rebentado’), a prova norte-americana tem pequenos topos, essencialmente nas pontes, que podem tirar segundos preciosos. E digo mais: Sevilha consegue ser mais plana do que Chicago! O que é certo é que, por exemplo em comparação com Berlim, Chicago é de um outro nível... em tudo! O apoio popular, ainda que menor do que em Nova Iorque (ou até da já falada Sevilha...), consegue dar goleada a Berlim. A organização tem um nível de excelência, com o maior destaque a ir para os pontos de abastecimento (21, no total): longos e de ambos os lados. Se ficaram com vontade de viver a mesma experiência, não se vão arrepender! O período de candidaturas está aberto até 16 de novembro, tanto para o sorteio como por tempos de qualificação (poderá consultá-los abaixo). Há ainda a opção de garantir entrada pela Endeavor, a agência de viagens para o mercado português.

NOTAS FINAIS

Percurso: 9/10

Não é o percurso mais plano do mundo. O que dá ainda mais valor ao registo de Kelvin Kiptum. Como dissemos acima, já corremos em perfis bem mais planos, como Sevilha, Valência ou Berlim. Mas é, efetivamente, um percurso rápido, propício a boas marcas, apesar dos pequeninos topos que podem massacrar algumas pernas. Um dos aspetos mais positivos acaba por ser o facto de praticamente toda a prova ser feita em ruas bastante amplas, o que impede qualquer tipo de atropelo ou confusão.

A prova faz-se também em pisos de boa qualidade, com exceção para o cuidado que tem de se ter nas pontes - aí o conselho é utilizar os tapetes vermelhos que a organização coloca. É também um percurso com poucas viragens, ainda que algumas sejam bastante pronunciadas (a 90º ou mais), o que pode quebrar um pouco o ritmo. Mas nada de mais. Por fim, nota para o facto de, tal como em Nova Iorque, a prova passar por vários bairros multiculturais, o que nos permite sempre sentir vibrações diferentes com o passar dos quilómetros.

Logística: 9/10

Ter a partida e a meta no mesmo local é desde logo uma enorme vantagem. E o facto de ser em pleno centro da cidade, melhor ainda! O arranque da prova até se dá cedo, pelas 7h30, mas o facto de estarmos no centro da cidade torna tudo bem mais fácil. O processo de entrada no espaço da prova é bastante rápido - passamos por pequeno controlo de segurança -, tal como a entrega de mochilas no bengaleiro (muito bem organizado, por sinal). Na área de corredor temos também uma boa oferta de casas de banho e um espaço amplo para conseguirmos aquecer antes da prova. A partida faz-se sem grandes problemas, fazendo uso da ampla avenida em que é feita. Os abastecimentos, colocados de ambos os lados da estrada, são também dos melhores que vi nesta jornada de maratonas. No final, o processo de saída após a meta é também muito fluído, com o habitual longo corredor, onde recolhemos medalha, manta términa (que jeito deu neste dia!) e ainda comidinha bem necessária para nos alimentarmos.

Ambiente: 9/10

Diríamos que aí só perde para Nova Iorque. E só perde porque conta com algumas zonas sem qualquer apoio - ou praticamente nenhum. Porque, de resto, sempre que há pessoas, há um enorme apoio popular, capaz de nos levar à meta com outra genica. Muitos cartazes de incentivo, muitos gritos, muito auxílio por parte dos voluntários e, também, uma multiculturalidade ao longo do percurso que torna a experiência bastante positiva.

Medalha e t-shirt: 10/10

Aqui temos de dar nota máxima. Primeiro porque, ao contrário de outras provas, como Berlim, que exigem o pagamento de um valor elevado para ter a camisola técnica da prova, a Maratona de Chicago oferece uma t-shirt técnica alusiva à prova a todos os inscritos. E, melhor de tudo, trata-se de uma camisola com uma qualidade elevada. É da Nike, o que desde logo seria promessa de qualidade, mas nem sempre é assim, como vimos em Copenhaga.

Quanto à medalha, é mais um daqueles casos de "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Inicialmente, quando a vi nas redes sociais não agradou. Mas com o passar do tempo começou a criar-se uma relação positiva, que terminou em amor assim que a coloquei ao peito. Um dos aspetos diferenciadores é a peculiar forma que foi encontrada para enquadrar o 45, referente ao número de edições da prova, no centro da medalha.

COMO GARANTIR ENTRADA

A Maratona de Chicago faz parte das Abbott World Marathon Majors, as cinco maratonas (comerciais) mais importantes do Mundo. Nela é possível entrar através de tempos de qualificação, por sorteio (que abre pouco depois da realização da prova a cada ano), por caridade e também por agências de viagens. Abaixo detalhamos cada um deles.

- Tempos de qualificação

São os mais acessíveis de todas as Majors. Abaixo pode consultar as marcas pedidas pela organização - conta a idade na prova de Chicago do próximo ano -, que terão de ter sido feitas no período de qualificação definido entre 1 de janeiro de 2022 e 17 de novembro de 2023.

- Por sorteio

É a opção mais económica para quem não consegue atingir os registos de qualificação. Aqui não há outro remédio que não... esperar sorte. O registo no site é fácil de se fazer e, se formos sorteados, a verba é praticamente no imediato debitada do nosso cartão.

- Por caridade

Uma 'coisa' mais norte-americana e britânica do que propriamente portuguesa. Nestas provas há várias organizações que, em cooperação com a organização, procuram recolher fundos para as suas causas. As vagas são limitadas... e caras. Os interessados têm de angariar (ou pagar) verbas que normalmente começam nos 1250 dólares - o valor da inscrição pelo sorteio e tempo de qualificação é bem mais baixo...

- Por agência de viagem

A opção mais cara, mas também aquela que garante uma experiência 100% satisfatória e sem preocupações. Para Portugal os dorsais são vendidos pela Endeavor, uma agência que prima pela excelência no seu trabalho, num ambiente familiar que nisto da corrida se aprecia bastante. Ainda não há preços para 2024, mas este ano os pacotes começavam nos 1835 euros (quarto quadruplo) e iam até aos 3120€ (quarto individual). Os preços são para cinco noites de estadia junto da partida/meta, no Homewood Suites by Hilton Chicago Downtown South Loop, e incluem ainda os voos de Lisboa para Chicago e outro tipo de benefícios. O dorsal para a prova é pago à parte, por 500 euros.

PREÇO: depende...

Acima dissemos os valores que se pagam por caridade e agências de viagens e agora deixamos os preços 'normais'. Os dorsais tanto por tempos como pelo sorteio estão disponíveis por 240 dólares para os cidadãos norte-americanos e 250 dólares para os estrangeiros.

COMO CHEGAR

A partir de Lisboa é possível chegar-se a Chicago tanto com voos diretos (a TAP opera três vezes por semana: domingo, quarta e sexta-feira). Uma opção a ter em conta passa por encontrar voos com escala, havendo aí várias companhias que fazem essa ligação. É tudo uma questão de utilizar uma ferramenta de pesquisa, como o Sky Scanner, para encontrar a melhor opção.

ONDE FICAR

Chicago tem inúmeras opções de alojamento e o grande problema é mesmo... o preço. Os valores, por altura da maratona, estavam tanto ou mais altos do que aqueles que vimos há um ano em Nova Iorque. Ainda assim, reservando com antecedência é possível fazerem-se bons negócios. Se preferem comodidade, há bons hotéis (e caros) junto da zona da partida/meta. Se quiserem poupar, atentem a anúncios no Airbnb ou plataformas similares que estejam junto da Linha Azul do metro. Por funcionar durante 24 horas por dia, é muito fácil chegar a qualquer lado na zona central da cidade.

ONDE E O QUE COMER

Chicago tem de tudo o que possamos imaginar. O fast food é rei, não estivéssemos nós nos Estados Unidos. Em Chicago, porém, é impossível não escapar da Chicago-style pizza, uma pizza totalmente diferente daquilo que estamos habituados, com um 'bruto' carregamento de queijo... e tudo o resto. Vale a pena provar pelo menos uma vez na vida. O espaço mais conceituado é o Giordano's, mas há outros bons restaurantes na cidade.

Nos Estados Unidos os donuts também são reis e há muitos espaços com essa iguaria. Outra indicação são as bolachas, neste caso da Levain Bakery, considerada uma das melhores do mundo, que no dia da maratona... até oferece uma bolacha a cada finisher. Vale a pena!

Se quiserem opções mais 'fit', deixamos também duas dicas: Sweetgreen, o mexicano Chipotle e ainda o Whole Foods Market.

Site oficial

Por Fábio Lima
Deixe o seu comentário

Últimas Notícias

Notícias
Newsletters RecordReceba gratuitamente no seu email a Newsletter Geral ver exemplo

Ultimas de Record Running

Notícias
Notícias Mais Vistas