Loch Ness Marathon: para colocar na 'bucket list'

A nossa experiência a correr a prova escocesa. Ficamos encantados

Há quem diga que é a maratona mais bonita do mundo. Não vamos tão longe, mas podemos afirmar que esta é daquelas que todos os maratonistas (especialmente os mais aventureiros) deviam fazer pelo menos uma vez na vida. Se é uma prova incrível ou fantástica? Não, não é. Se tem um percurso fácil e rápido? Ainda que seja a descer, também não. Mas o que faz desta Loch Ness Marathon algo a não perder é tudo o resto.

Especialmente a paisagem de cortar a respiração que temos ao longo dos 42 quilómetros e 195 metros, que nem a dureza de certos pontos do percurso consegue apagar. Fazer a Loch Ness Marathon é uma viagem ao coração da Escócia, ao coração das Highlands. E uma oportunidade de ouro para fugir às tradicionais e cada vez mais procuradas maratonas comerciais de cidade para passar uma jornada em harmonia com a natureza.

A primeira palavra que podemos utilizar para descrevê-la é "humilde". Nota-se que não é uma super estrutura, mas ainda assim está tudo muitíssimo bem organizado, tendo como principal propósito satisfazer os corredores populares. Porque aqui não é habitual ver-se atletas de bom nível a correr. Porque, lá está, não é aquela típica maratona rápida que convida à participação desses atletas, nem tão pouco é das que mais paga (ainda que nem seja tão má assim em termos de pódio: 1.500 libras, 750 libras e 500 libras para os elementos do pódio, respetivamente). Por isso, o foco está precisamente no comum dos corredores, nos atletas de pelotão, mas sem grandes espalhafatos.

A feira da prova, por exemplo, está montada numa pequena tenda situada no Bught Park, tendo ao seu redor algumas barraquinhas de negócios locais. Nada de especial. No processo de recolha do kit tudo flui relativamente rápido, mas de lá saímos apenas com o dorsal da prova e... nada mais. Podíamos apontar isto como defeito, mas a verdade é que grande parte das provas ultimamente têm seguido esta lógica. E sendo esta uma organização de média/baixa dimensão, não podíamos esperar muito mais.

Ao estilo de Boston

Ainda que com as devidas diferenças, a Maratona de Loch Ness faz-nos lembrar a de Boston. Primeiro pelo percurso em 'net downhill' mas incrivelmente desafiante, mas também pelo facto de ser ponto a ponto, com a necessidade de ser feito um transporte do pelotão de Inverness para a partida em autocarros. Nesta manhã fresca de setembro - com uns 7 graus... -, uns seis milhares de corredores juntaram-se e lá seguiram de autocarro, como uma excursão turística rumo a Fort Augustus, de onde sairia a prova. Para lá estarmos a tempo da partida às 10 horas, temos de sair de Inverness pelas 7h45. Parece muito tempo, mas a viagem ainda é longa em termos de tempo e a chegada faz-se já perto das 9. Pelo caminho, do lado oposto do lago, vamos tendo uma noção da vista que nos espera ao longo dos 42 quilómetros que iremos fazer de volta... a correr.

Quando chegamos à zona da partida, estamos num ponto alto, a uns 350 metros de altitude, numa estrada de dois sentidos, sem grande espaço em volta. É dali que parte a maratona. Neste espaço temos algumas casas de banho - poucas... - e ainda a zona de entrega das mochilas, que serão depois transportadas de camião para a meta. Tudo bastante simples. Parece confuso a uma primeira vista, mas tivemos a sorte de encontrar um grupo de corredores incrivelmente civilizado. E isso notou-se também no alinhamento para a partida. Ao contrário do que se vê por cá, os corredores mais lentos não tiveram aquela coisa de quererem estar na frente do pelotão. Há até uma espécie de separação (sem lá estar nada a separar...) entre os mais rápidos e o pelotão que fica mais atrás. Para aquecer, sem espaço do lado da estrada (porque é simplesmente vegetação), é possível fazê-lo para lá do pórtico de partida sem qualquer problema.

São 10 horas em ponto, numa pontualidade tipicamente britânica, e estamos na estrada para correr a Maratona de Loch Ness. Logo ali, ao cabo de uns 100 metros, somos acolhidos por um grupo de gaita de foles, que equipado a rigor nos dá uma espécie de boas-vindas à Escócia antes de abraçarmos o desafio. Um desafio que se revelou bem mais duro do que esperávamos.

Cuidado com as descidas!

A Maratona do Loch Ness arranca aos 330 metros e termina perto do nível do mar. São, por isso, mais de 300 metros de desnível negativo. No papel, estes números seriam fantásticos para tentar um novo recorde pessoal. Mas se dissermos que essa descida total está nos primeiros 15 quilómetros... se calhar a coisa complica um bocadinho. Descer é agradável, porque podemos deixar-nos embalar sem tanta dificuldade, mas nesta prova as descidas são incrivelmente inclinadas e isso tornou tudo bem mais complexo. Especialmente porque vínhamos de uma maratona oito dias antes, o que fez com que o desafio fosse não cair nestes pontos de descida... Para piorar um pouco as coisas, apesar destes brutais 300 metros de descida logo nos primeiros 15 quilómetros, ali aos 8 ainda levamos com uma 'parede' com inclinações de 15%.

Até chegarmos ao ponto mais plano o difícil de controlar era a mistura do entusiasmo do arranque e o embalo que ganhámos na descida. Começar demasiado rápido pode ser (mesmo) o maior erro, que será pago mais à frente. Quando lá chegámos, por termos sido conservadores, estávamos bem. Incrivelmente bem para quem tinha feito 3:03 em Oslo uns dias antes. Íamos em ritmo para fazer melhor, ligeiramente abaixo das 3 horas.

Chegados aos tais 15 quilómetros temos o primeiro vislumbre do Loch Ness. Não o monstro, mas sim o lago. Olhámos à nossa esquerda e, às vezes por entre as árvores, temos uma incrível paisagem que quase nos faz esquecer que estamos numa maratona. E isso, parecendo que não, vai ajudando a passar os quilómetros quase sem os sentir. A partir desta altura, até por volta dos 29 quilómetros, entrámos numa zona de 'rolling hills'. O perfil é globalmente plano, mas com alguns topos e algumas descidas que servem para massacrar as pernas. Aqui, por estarmos numa zona mais povoada, vamos contando com algum apoio popular. Não é muito, mas o suficiente para sentirmos que não estamos sozinhos.

Dores... ai as dores!

Dos 15 aos 29 o percurso é na tal tendência de 'rolling hills', que serve de aquecimento (ou para ganhar força) para o que vem a seguir: 4 quilómetros praticamente sempre a subir, dos 30 metros aos 100 metros de altitude, com três grandes subidas, uma delas com pendentes brutais de 15%. Esta parte da prova acontece pouco depois da passagem pelo sinal que nos indica a entrada da vila de Dores. Quase como se nos fosse avisando do que viria a seguir: dores (de pernas)!

Aqui é muito fácil quebrar e perder tempo precioso. No nosso caso, perdemos praticamente 1 minuto juntando os 4 quilómetros de subida. Mas apesar das dificuldades e desse tempo que cedemos, conseguimos chegar ao topo bem e depois de ultrapassar inúmeros corredores. Não fizemos um grande planeamento do que podíamos perder, mas ao longo da subida íamos fazendo contas ao que podíamos deixar aqui para conseguir ainda chegar ao sub-3. Chegados ao topo, olhámos ao relógio e percebemos que estávamos com a conta certinha para ir a esse tempo. Não podíamos perder nada desde o topo aos 32 quilómetros até à meta.

Aqui, tal como em Boston, mesmo sendo a descer (dos 100m aos 10m), o cansaço dos quadríceps pelo impacto constante podia fazer-se notar. Mas também o facto de pouco depois termos nova subidinha. É, ainda havia mais 'rolling hills'. Os quilómetros foram passando e o relógio teimava em continuar certinho. E as pernas a responder de uma forma incrível. Mesmo que no pensamento passasse sempre aquela sensação de que se iam 'desmontar' no metro seguinte. Não aconteceu.

Quando chegámos aos 38 quilómetros, estamos já a entrar em Inverness. E aqui começámos a ter finalmente um pouco mais de apoio constante. Antes ele estava lá, mas de forma muito pontual. Não podemos condenar esta questão, porque o percurso por vezes passa por zonas que nem habitadas são.

Último esforço

Um dado importante, que até nos íamos esquecendo de referir, é que por aqui só temos indicações da distância em milhas. E isso, para quem está habituado a fazer uma contagem decrescente ao quilómetro, é um exercício complexo. Especialmente quando entrámos nas duas últimas, naquele ponto final da prova, e andámos às contas na cabeça quanto é em quilómetros, o tempo que temos pela frente, o ritmo que temos de aplicar... E depois parece que as últimas milhas são eternas. Aparece a sinalética das 24. A das 25 demora uma eternidade a surgir e pouco depois apercebemo-nos que ainda faltam quase 2 quilómetros. Não é fácil formatar o cérebro para isto, mas é tudo uma questão mental...

Quando passámos às 25 milhas, teríamos uns 9 minutos em falta para as 3 horas. O cérebro era, nesta altura, uma máquina calculadora em andamento. Ia dar para conseguir um quase inimaginável Sub-3. Só tínhamos de manter o ritmo. Aqui era tudo plano, com exceção da ponte que cruzámos de um lado do rio para o outro a uns 700 metros da meta. Não quebrámos e estava tudo alinhado para conseguir o objetivo.

Nesta fase, já em pleno coração de Inverness, já temos imenso apoio. Especialmente antes dessa ponte, onde um grupo se juntou para apoiar os corredores enquanto já bebia umas quantas cervejas - ou ao contrário... Cada corredor que passava era motivo para um gesto de celebração. Foi um bom ponto para ganhar força para encarar o que faltava. Dali em diante, era sempre a direito até à meta. Aqui já com um bom corredor de apoio entusiasta. Um último olhar ao relógio a uns 500 metros. Ia dar! Quando avistámos a meta o relógio apontava 2:59:30. Estava no papo! Mais uns passos e estava conquistada mais uma. Com 2:59:38 no relógio oficial.

Cruzada a linha de meta, recebemos a medalha e ainda recebemos a nossa camisola de finisher, que podemos optar não recolher e permitir que uma árvore seja plantada na região - temos de fazer essa escolha no processo de registo. Depois, ainda recebemos fruta, água, uma cerveja e também um 'ticket' para recolher uma sopa da Baxters, o naming sponsor da prova. Nada mau!

No final, já recuperadas as pernas (mais ou menos...) só podemos dizer que a ideia de viajar até Inverness foi uma das melhores ideias do ano. Vale claramente o bilhete. Se não têm planos para setembro do próximo ano, aqui está uma boa opção. Até para fazer algum turismo numa das regiões mais belas do Reino Unido.

NOTAS FINAIS

Percurso: 10/10

É rápido? É fácil? Não e não. De todo. No papel é uma maratona a descer, que vai dos 330 metros do arranque a praticamente a nível do mar na meta, mas as descidas iniciais são de tal forma íngremes que custam mais do que qualquer subida. Porque também tem subidas, especialmente uma aos 30 km com pendentes de... 15%. E quanto à descida, dos tais 330 metros descemos aos 30 m em pouco mais de 10 quilómetros, o que diz bem da 'violência' deste plano inclinado. Mas esquecendo isso, é provavelmente o percurso mais bonito que já corremos. A imagem acima fala por si. E vale a viagem à Escócia.

Logística: 7/10

A chegada à partida faz-se de autocarro, ao estilo da Maratona de Boston, já que a prova arranca 42 km a Sul de Inverness. Neste processo inicial tudo flui rapidamente e a viagem é uma espécie de aquecimento para absorver a beleza do que vamos encontrar no percurso. O único aspeto que apontamos é a ausência de sinalética na zona da partida e também o facto de ser uma estrada relativamente apertada. Mas aí nada feito. É o que há! Durante a prova, há sete pontos de abastecimento, três deles com entrega de geis e fruta. Tudo se deu de forma bastante tranquila. Ah, quanto à feira da prova, diríamos que é pobrezinha, mas algo bastante comum no Reino Unido (à exceção de Londres).

Ambiente: 7/10

Praticamente 90% do percurso faz-se por entre as estradas junto ao Loch Ness. Passamos por algumas vilas e aldeias que saem à rua para saudar de forma entusiástica os corredores, mas apenas na chegada a Inverness sentimos um apoio em grande de forma constante. Ainda assim, só pela simpatia de quem sai à rua no meio do nada para nos aplaudir, merece o nosso aplauso.

Medalha e t-shirt: 5/10

Uma prova tão bela merecia uma medalhinha mais engraçada. O design até é engraçado, mas a cor é demasiado apagada. Talvez a combinar com o clima típico britânico. Sempre cinzentão... Quanto à t-shirt, é entregue de forma gratuita assim que concluímos a prova. Não é feia, mas também não é nada do outro mundo.

Preços

Maratona: a partir dos 80€

10 quilómetros: a partir de 39€

Como chegar

Não há voos diretos para Inverness. As opções passam por voos com escala (Amesterdão, Londres, Glasgow, Edimburgo...) ou então voos para Glasgow ou Edimburgo e fazer o resto da viagem de comboio. São cerca de 40€ e a viagem dura 4 horas.

Onde ficar

Há vários hotéis na cidade de Inverness, mas aqui apontamos duas guesthouse muito simpáticas e bem próximas da partida: Alban & Abbey ou Ardross Glencairn.

Onde e o que comer

Todos sabemos que comida britânica simplesmente não existe, por isso para nos safarmos de forma mais ou menos saudável neste pré-maratona o ideal é apontar para um italiano. Em Inverness temos duas boas opções: o Bella Italia e ainda o Zizzi, dois espaços de boa qualidade que contam com restaurantes um pouco por todo o Reino Unido. Após a prova, se a vontade for ir a um 'fast food' mais 'agressivo', o Scotch & Rye é uma boa opção para um hamburger. E, claro, a fechar o dia de domingo uma visita a um pub para sentir aquela vivência britânica também não fica mal...

Site oficial

Por Fábio Lima
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