Maratona de Paris: a experiência de Filipa Ferreira

RoadToParis -  The Destination

Feito: eu fiz uma maratona. Aos 34 anos, dois anos depois de ter começado a correr com consistência. A minha primeira maratona: 3 horas 22 minutos e 26 segundos. Negative split por 2 segundos. Fiquei em 14% da geral, 3% das mulheres. 3%!!! 97% das mulheres ficaram atrás de mim! Dá para acreditar? E em 4% das Seniores femininas – isto é das miúdas dos 18 aos 34 anos! Eu também não estou em mim!

Treinei. Preparei-me e fui.. sozinha a Paris.

I - A véspera

No sábado acordei de manhã e fui provar um bocadinho da atmosfera da Maratona de Paris com a corrida do Run For All. Foi uma festa a correr 4 kms, do Louvre à Torre Eiffel, num pace de 6’50 por km. À frente seguiam os pacers da maratona, com altifalantes, gritavam, cantavam, uma festa. Esta corrida foi uma angariação de fundos para uma associação que promove o desporto para pessoas amputadas, incluindo crianças. Connosco correram dois representantes da associação, um deles um miúdo, amputado, o Raphael. Foi lindo! A corrida é linda, caramba. Ter ali um miudo, uma criança que não aceita ficar parada, que apesar de amputada é atleta. Eu já andava pouco emocionada, é de imaginar o meu estado. À chegada deram croissants e não foi nada mau. Passei o resto do dia no hotel, deitada e de pernas para o ar. Ali alojada no centro de Paris, a controlar-me para não ir passear. Ainda escapei uma horinha mas foi pouca coisa. Dormi uma enorme sesta, comi como uma criança, de 2 em 2 horas! A beber carradas de água, que toda a gente me dizia "Hidrata! Hidrata". Li o meu livrinho, a testar a minha concentração. Ali  no quarto, parecia que estava doente… de cama… ou grávida… ou de quarentena. Aí às nove e meia da noite, desliguei o som do telemóvel e forcei-me a dormir. E foi um desafio do caraças! Acordei milhares de vezes. Estava uma pilha carregada prestes a rebentar!!

II - O Jour J

E chegou o dia da maratona! Acordei às 6 da manhã. Comi o meu pequeno almoço: pão com queijo, sumo e uma banana! Equipei-me. Meti a minha mochilinha às costas e lá fui eu. De madrugada, ainda escuro, nas ruas de Paris. No metro e comecei a sentir o espírito da maratona. A maratona não era só minha, era daquelas pessoas todas no metro, todas com o mesmo destino – reconhecem-se pela forma como estão vestidas, pelos ténis de "combate", pelo Garmin. Ali todos em filinha indiana a subir as escadas rolantes no metro, que as pernocas larocas são para poupar. Teve a sua graça, tantos maratonistas e ninguém vai pelas escadas! Claro!

Estava frio – não faz mal para correr, mas é um problema no fim. Estava de chuva – é chato. E estava vento – é mau para correr!

Eu estava sozinha, portanto a logística era muito importante. Fui à zona da chegada deixar a minha mochila. Bebi água pela ultima vez e fui à casinha. Fiquei com o telemóvel e os fones, os meus geis e uma camisola velha para descartar.  Lá fui eu atravessar o Arco do Triunfo, a passear pelos Campos Elíseos. Parei para beber um café assim que encontrei uma creparia aberta. E segui para a minha caixa de partida.

III - A Corrida

Na caixa de partida encontrei  um casal conhecido do Porto, foi muitooo bom ter ali maratonistas experientes naquele momento. Está quase a acontecer. Preparar. Despi a minha camisola quentinha e deitei-a fora nos contentores para o efeito. Respirar fundo. Esperar. Até que… Tiro da partirda… Comecei a correr, a energia toda, a adrenalina… Olhei para o relógio e vi o pace 4’30" "Eh, lá, muito rápido!", ainda tinha o Eduardo ao pé de mim e lembro-me de lhe dizer "Isto não está certo, pois não?" eu não me sentia a correr a 4’30".  Disse para comigo "Tu vai mais devagar, mulher!", abrandei e estabilizei entre os 4’45" e os 4’55". Sentia-me perfeitamente bem. No primeiros kms a minha FC (claro que com a fiabilidade de um Garmin de pulso) não chegava aos 150bpm. O percurso começa a descer, mas pouco depois encontra a primeira subida, a primeira parte do percurso tem algum sobe e desce mas não é dolorosa. Eu sentia-me extraordinariamente bem. Não ía a fazer grandes contas ao tempo, só sabia que estava com  um ritmo abaixo de 5’ por km. Estava feliz porque segundo o plano que tinha, tinha margem para fazer alguns kms a 5’20 se precisasse para recuperar e ainda alcançar o objetivo que tinha – 3 horas e 35 minutos. Passei os 10 km, estava bem mas vi uma pessoa com um cartaz "Cerveja daqui a 32 kms" e aquilo bateu, eu nem bebo cerveja, mas faltavam 32 kms. Continuei. A cada vez que passava um marcador, recebia mensagens de incentivo, a dizer que ía bem. Que estava a fazer um grande tempo. Para continuar. E isso dava-me um ânimo que não se imagina. Saber que enquanto eu ali estava, sozinha no meu desafio, havia pessoas pregadas ao ecrã da aplicação para assistir ao meu pontinho a mexer e a dar-se ao trabalho de me motivar! WOW e WOW!!

Sentia-me bem e, por isso, fui continuando. De 7 em 7 kms, certinha a tomar gel e a beber água. No início tinha medo de beber água porque tinha medo que me desse vontade de fazer xixi. Mas às páginas tantas, acho que a água tinha mais para onde ir. E cumpri sempre. Quando passei a meia maratona não tive a sensação de ter feito uma meia maratona, tive a sensação de "é para continuar" e continuei. Sentia-me bem. Estava surpreendida com a estabilidade do meu ritmo, não me sentia a quebrar. Já não sentia a leveza do início, mas não me sentia a quebrar. Na meia maratona pensei "agora vamos para os 30 kms e depois são só mais 12km", que é uma forma de dizer, estamos a caminho da primeira metade da segunda metade. A partir dos vinte e tal kms, começou a ficar mais dificil. Subidas, cansaço acumulado. Se no início dizia a mim mesma "vai mais devagar, não te estiques" a partir desta altura comecei a dizer "agora é só aguentar". É que não só o cansaço já pesava, mas o percurso tornava-se mais difícil, túneis… e subidas… àquela altura do campeonato! Cheguei aos 30 kms e recebi uma mensagem da minha treinadora que dizia "só mais uma hora!" e pensei "ainda mais uma hora?!" Foi continuar, aguentar… Cumprir o plano dos geis e da água. Continuar… uma subida aos 39 kms! Uma senhora subida! Mas depois, já estava, o pior tinha passado. Passei os 40 km, depois os 41 km, vi um marcador a indicar que estava a 350 m do fim. E caí em mim "eu vou mesmo acabar isto! Eu vou mesmo fazer isto". E comecei a soluçar, um 'overwhelming' de emoção. A querer chorar e a soluçar. Parei a música, guardei os fones. Quis ouvir o momento tal como ele era, com as pessoas a gritar "Allez!". O soluçar empatava-me a respiração que já não estava lá grande coisa na altura e pensei "Vá, choras a seguir, agora aguenta!". E lá fui. A seguir, era a meta! Cheguei à meta e parei. Primeiro: parar o relógio. A seguir: mãos à cara. "Consegui!". Não eram bem lágrimas, eram soluços. Sonoros. Era emoção. Pouco à frente, ouvindo os meus sons esquisitos, vieram ali outros corredores ter comigo, abraçar-me e dizer "Boa!!! Parabéns! Está feito!", a consolar a minha emoção, que não aguentava ali naquele peito massacrado de mais de três horas a bater em fúria, e me escorria pelos olhos. Encontrei um português. Há sempre um português. Parabéns para ele, parabéns para mim. Afinal até mora perto de mim. Afinal até provavelmente nos cruzámos no paredão. Recebi a minha t-shirt de finisher. Recebi a minha medalha. Não quis croissants. Não tinha fome.

IV - Aftermath

Fui buscar sozinhita a minha mochila, vesti um casaco. Não chegava. Estava frio e eu já não aguentava. Tinha uma manta daquelas de sobrevivência, embrulhei-me naquilo. Tremia. Ouvia as vozes dos meus amigos na minha cabeça, depois da maratona "CAMINHAR". Eu queria muito apanhar um Uber, ou um metro e seguir para o hotel e descansar. Mas depois da maratona. Recuperar. Caminhei uma hora. Atravessei o centro, passei pela torre Eiffel, e pelo Louvre, embrulhada a uma manta, sozinha, com a medalha ao peito, com o queixo a tremer de frio! Feliz! Tão, tão feliz. E cheguei, ao hotel. Banho, sesta e depois caminhar mais um bocadinho! Entre corrida e caminhada, foi um dia em que fiz quase 70 kms!

Depois da maratona: os parabéns! Tanta gente feliz comigo! A partilhar esta alegria comigo! Tão bom. E com os parabéns, os corredores experientes diziam: "boa recuperação". E eu não entendi bem logo à primeira. "Boa recuperação?" Como assim? Não fui operada. Não estive doente. Bem... dias volvidos, já percebi. É que o corpo levou um grande safanão, é como que um choque, dói tudo. Ainda me doem as pernas quando acordo – param de doer depois de as meter a trabalhar com uma caminhada ou coisa que o valha.

Agora é mesmo isso: tempo de recuperar... para a próxima! Oh sim… haverá próxima!

Autor: Filipa Ferreira

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