Maratona de Praga: passeio turístico com final inesperado

A magia dos 42 quilómetros: o relato do jornalista Record sobre a prova checa

Duas semanas depois de Viena, a aventura das maratonas seguiu para a República Checa, para experimentar uma das provas que mais curiosidade me deu nos últimos anos. Já tinha realizado uma prova da RunCzech em 2020, na altura em plena pandemia de Covid-19, e sabia de antemão que a organização seria do melhor que há na Europa. E não me enganei. Correr em Praga tinha tudo para ser uma grande experiência. E foi... mas não totalmente pelas melhores razões.

Mas já lá vamos... Antes disso, falemos da prova. Uma maratona numa das mais belas capitais europeias, com a garantia de que passaríamos por alguns dos pontos turísticos mais emblemáticos. Muito similar ao que vivemos, por exemplo, em Barcelona, com um traçado bastante turístico, com umas vistas deslumbrantes e passagem por entre ruas e ruelas bem características da cidade. A promessa tinha sido feita desta forma e foi cumprida a 100%, isto numa manhã de domingo que se revelou, ainda assim, madrasta para quem queria correr rápido ou, simplesmente, correr uma maratona.

Eram 8 da manhã e o termómetro já estava bem para lá dos 15 graus, uma temperatura que para correr uma maratona não era muito agradável. Não ia ser um dia fácil e o essencial era, desde logo, hidratar bem. Muito e bem. A prova arrancava pelas 9 e já sabia o que me esperava. Relaxado e calmo nos minutos prévios, o objetivo era encaixar a maratona entre as 3h30 e as 3h40. Sem grandes exageros, sem forçar em demasia. O plano era manter as pernas frescas e acabar bem, porque depois disto ainda havia mais duas maratonas para cumprir. Pensar nesta, mas de olho nas seguintes...

Bilhete postal para começar

Às 9 horas... boom! Começava a Maratona de Praga! Mesmo no centro, na emblemática Old Town Square. Era o primeiro cheirinho que tínhamos de uma maratona que prometia e seria um excelente passeio turístico. Apesar de estarmos numa zona de ruas estreitas, a partida deu-se sem grandes problemas, muito por culpa da ação dos corredores, que por estas bandas sabem respeitar as ordens (ou recomendações) que lhes são dadas. Dali em diante seguiu-se um 'vai e volta' nas ruas e estradas, por asfalto e empedrado, até chegar à meta. Ao 3.º quilómetro passámos pela Ponte Carlos, a mais antiga de Praga e um verdadeiro bilhete postal da capital checa. Era a oportunidade única para atravessar uma ponte cheia de história, para vivermos e sentirmos um momento muito especial.

Esta foi uma das dez ocasiões em que, no tal 'vai e volta', cruzámos o Rio Vltava. Ao todo passámos por sete pontes distintas e a cada passagem era uma oportunidade para observar a vista e contemplar a beleza desta incrível cidade. Aos 13 quilómetros, depois de termos passado para o outro lado e feito uma longa ida a uma zona mais afastada - se calhar o ponto mais chato da prova -, voltámos ao centro, passando ali junto da linha de meta, uma vez mais na Old Town Square. Ainda nos faltavam 29 quilómetros. Podíamos pensar que ainda tínhamos tanto para correr antes de por ali passar novamente e desanimar, mas aqui o truque era sentir o ambiente - que já era incrível - e pensar 'é isto que quero sentir daqui a duas horinhas e pouco... Vamos lá!'. Foi isso que eu fiz.

O dia ia começando a aquecer ainda mais. As temperaturas já superariam os 20 graus. E neste aspeto foi essencial aproveitar da melhor forma cada um dos abastecimentos, que por aqui não deixaram a desejar - eram em bom número e bem apetrechados. Mesmo que a água nos fosse dada em copos, nunca senti qualquer dificuldade em hidratar e, aqui e ali, refrescar o corpo. Os voluntários deram uma preciosa ajuda, com uma postura prestável e atenta às necessidades dos corredores. Fosse a dar os copos, fosse a deixar uma palavra de incentivo... Nota máxima!

Passo à meia maratona em 1h45. Era um tempo um pouco mais rápido do que tinha feito em Viena, duas semanas antes, e deixava-me já a garantia de que teria de abrandar na segunda metade. Pelo calor, pelo cansaço acumulado. Podia até sentir-me bem para ir mais rápido nesta fase, mas quando conhecemos o nosso corpo sabemos que, mais cedo ou mais tarde, nestas situações o preço a pagar será elevado. Se até então vinha fazendo quilómetros nos 5' e abaixo disso, dali em diante comecei a deixar o relógio de forma propositada subir um pouco mais e fi-lo passar para os 5'10, 5'20, até entrar naquele ponto habitualmente denominado de 'muro', a barreira dos 30 quilómetros.

O susto e a lição...

Já depois de passar pela derradeira vez por uma ponte, bem dentro dos últimos 10 quilómetros, tomo a decisão de dar um pouco de descanso aos meus pés e decido caminhar durante uns 300 metros. As pernas estavam bem, mas sentia os pés bastante doridos. Era o preço de quilómetros e quilómetros a 'bater' no empedrado. Ele era de boa qualidade, não era irregular, mas o desgaste sentia-se. E essa paragem, ali pelos 36 quilómetros, acabou por ser decisiva para estar no sítio certo à hora certa pouco depois.

Após os tais 300 metros a caminhar, retomo o meu ritmo de corrida sem grandes problemas e tinha em mente seguir assim até final. Estava a custar, porque a maratona custa sempre, mas estava bem para acabar assim num ritmo tranquilo, ali a rondar os 5'15. Até que, à entrada do quilómetro 41, tudo na minha corrida muda. Entro num túnel, já embalado rumo à meta, e assim que levanto a cabeça vejo um corredor em evidentes dificuldades. A deambular. Da direita para a esquerda. Sem aparente controlo do que fazia. Aproximei-me e tentei perceber o que se passava. Claramente não estava bem. Tentei chamá-lo à atenção, pará-lo e fazer com que ficasse ali a recuperar o fôlego, mas ele não me fez caso. Neste momento chega um outro corredor, que me ajuda a levá-lo por alguns metros em ombros. Ainda tentámos, mas aquilo não ia funcionar. Decidimos parar e procurar ajuda. Ela demorou, mas chegou. Teremos ficado ali 15 minutos, que mais pareceram 60, tal era a agonia. Quando as equipas médicas chegaram e tomaram conta da situação nem sabia bem o que fazer. Perguntei se podia ir embora, se ele ficaria em boas mãos. Garantiram-me que sim. E assim fui ao que faltava. Não mais do que o equivalente a uma milha...

Foram os 1600 metros mais sem sentido desta minha jornada de maratonas. Não estava no 'mood' certo para acabar. Para acabar como deve ser, a viver os ânimos dados pelo público, a absorver todo o apoio que chegava. Quando vejo a meta nem um gesto emotivo esboço. Aproximo-me dela quase como se fosse o simples ponto de final de um treino. Cruzo-a, paro o relógio e nem sequer cerro o punho em celebração. Nem sequer tiro a bandeira para celebrar. Não era momento para tal. Afinal de contas, mesmo tendo-me garantido que tudo estava bem, não sabia como estava o corredor que deixara ali para trás. Recolho a medalha e sigo para o hotel, onde venho a perceber que tudo estava bem com o corredor em causa. Tudo não passou de um susto, mas podia ter sido muito pior.

Mas, então, o que se passou? Num dia de calor, esse corredor, de nacionalidade búlgara, decidiu que seria boa ideia fazer uma maratona, num dia com calor, sem beber água, isto porque tinha receio de ter de parar para urinar. Uma maratona sem hidratar uma única vez... Felizmente tudo acabou bem e o corredor em causa está já recuperado. E certamente que terá aprendido a lição: a hidratação é algo essencial numa prova de longa distância, muito mais quando os termómetros, naquela altura, já andassem a roçar os 30 graus.

E uma lição (ou conselho) passo antes de terminar: antes de se lançarem no desafio de correr, seja curtas ou longas distâncias, procurem ter a certeza daquilo que estão a almejar fazer. Um exame médico é algo essencial. A noção dos nossos limites também tem de existir. Porque nem todos somos feitos para fazer maratonas. E está tudo bem. Não somos menos corredores do que outros se 'só' fizermos 5 ou 10 quilómetros.

Quanto a Praga, o único ponto negativo foi este momento de quase pânico na fase final. Porque tudo o resto deixou-me com vontade de voltar. E como por lá deixei assuntos por terminar, é isso que farei no futuro. Voltar a Praga, para terminar a maratona como ela deve ser terminada. De sorriso no rosto. De preferência com o tal corredor búlgaro a meu lado. Voltamos em 2023?

Por Fábio Lima
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