Maratona de Valência: a experiência de Andreia Ribeiro

Comecei a Maratona de Valência a chorar…

O sonho terminou em 05h11, na meta da Cidade das Ciências. Foram 3 meses de preparação que passaram tão rápido. É como o casamento, que se prepara num ano e passa a correr!

Fica a sensação de dever cumprido e quando se cruza a meta esquece-se todos os sacrifícios que se fez para chegar aqui.

Repito as palavras de há um ano atrás quando corri a minha 1ª maratona: eu respeito muito as longas distâncias. Continuo a acreditar que não é qualquer um que se deve aventurar nos 42,195 km e nem que a distância deva ser subestimada. Ontem, aos 2 km de prova já havia quem andasse, quem estivesse com problemas físicos. Falta de preparação? Nervos? É tudo junto, mas também o subestimar esta distância, pensando que se se corre 21 km também se corre o dobro. Pode ser o dobro matematicamente, mas muito mais que isso fisicamente.

Hoje em dia é a 1ª meta de quem começa a correr, queimando todas as etapas pelo meio. Concordo que seja uma meta, mas deve ser sustentada. Esperei 42 anos para ser maratonista e reconheço que a experiência ajuda, mas nada nos prepara para o 1º embate com a distância. O 2º embate ontem foi "mais fácil" porque já sabia para o que ia, o que esperar, as sensações que ia ter.

Hoje é tal a banalização de uma maratona que o importante não é chegar bem e pronto para um novo desafio meses depois, mas, sim, ostentar a medalha nas redes sociais, no trabalho, com os amigos, mesmo que para isso seja colocada em jogo a sua integridade física. O importante é ser maratonista, e ter escrito na testa "superação", mesmo que nunca mais se volte a correr.

Para mim era importante chegar bem, cansada, mas não em colapso; chegar lenta, mas sem forçar nem vir a mancar nos últimos km; dizer "como sofri", mas pensar "foi um espetáculo"! E se na 1ª maratona senti tudo isto, mas ainda a medo, ontem desfrutei imenso no banho de multidão que Valência proporciona aos maratonistas. A cidade veste-se de gala para nos receber e respira-se corrida por todo o lado. É verdadeiramente a cidade do running!

Há tanta coisa que vos posso contar sobre uma maratona: como treinar, o que comer, como se prepararem mentalmente, o companheirismo nos treinos…. Mas nunca vos poderei dizer o que cada um sente durante todo o tempo que demorarem a correr os míticos 42,195 km e a explosão de sentimentos que percorrer o nosso corpo quando cruzamos a meta, mesmo pela 2ª vez.

À segunda foi melhor que a 1ª? Foi diferente. Nunca pensei dizer "A minha 2ª maratona", pois jurei que não voltaria a correr esta distância em estrada. Mas nunca se deve dizer nunca e lá voltei à prova rainha. E que prova!

Tenho que agradecer às Women Runners Portugal pelo desafio que me lançaram e que colocaram a 60 mulheres portuguesas para fazer a maratona de Valência. Foi uma grande aposta e ganha, pois estivemos lá todas em grande!

O sonho começou 3 meses antes, em setembro, depois de quase 2 meses sem corrida, após o Campeonato do Mundo nos Abutres. Tinham sido meses longos de treino e precisava recuperar. Recomeçar foi difícil e correr 5 km muito duro. Quando comecei a preparação para esta maratona achei que o caminho ia ser mais complicado que no ano passado, mas com o passar das semanas o difícil tornou-se fácil.

Olhando para trás admito que treinei melhor, comi melhor e descansei mais. Já tinha passado 1 ano da maratona do Porto e eu tinha mais km nas pernas, mais experiências no coração e mais foco na mente. Foram 651 km a correr, 425 km a pedalar e 15 km a nadar. Foi muito, foi pouco? Foi o adequado a mim, que não gosto de correr e me cansam os treinos em estrada. Em 2018, foram 445 km de corrida, 420 km de bicicleta e 3 km na piscina. Tudo é relativo, este ano corri mais, talvez com mais qualidade, mas o foco no ano passado era o mesmo e a vontade de me superar também. E cortei a meta das duas vezes…

Todos os dias houve treino. É um compromisso que nos acompanha de segunda a domingo. Está a chover, vamos correr; estamos mal dispostos, mas há treino; são 7 da manhã ao domingo, levanta e vai; dormimos mal, temos pena! O olhar critico de quem está no quentinho do carro enquanto corremos à chuva dá-nos mais força! O que não nos quebra torna-nos mais fortes. Com a corrida aprendi a nunca desistir, porque a vida também é uma maratona.

Todas as semanas a mesma rotina. À segunda natação, à terça ginásio, à quarta corrida de manhã e à tarde, à quinta ginásio, à sexta bicicleta de manhã e à tarde, sábado descanso e domingo prova. A novidade foram os treinos bi diários que não tinha feito em 2018 e que custaram fazer. Depois de correr 15 km de manhã queres é que te deixem a relaxar no sofá, mas ao fim da tarde lá ia novamente para mais 7 km. Treinar sobre cansaço deu-me mais resistência e isso foi muito útil ontem.

Pelo caminho provas marcantes como a Corrida do Dragão, o Trail Serra d’Arga, os records pessoais nos 26 km do DUT, onde fiz menos 20 minutos que no ano anterior, na Meia Maratona de Esposende, onde fiz o meu melhor tempo nos 21 km e na Meia Maratona de Lisboa onde retirei 10 minutos ao tempo de 2018. E as novas amizades que o desporto trás: a Luisa do Carmo que conheci no DUT, a Elsa Silva e a Rita Santos na Meia Maratona de Lisboa, o Hugo Falcão do projeto Obesidade Zero e o Herculano Cardoso na Meia Maratona de Vigo, o Luis Pereira do Blog o último fecha a porta e a Fátima Marinho na Meia Maratona de Famalicão!

Quanto à alimentação, foi planeada e cuidada até ao dia D. Em agosto fui à 1ª consulta com o Dr. António Pedro Mendes e ali ficou decidido perder 4 kg até o dia da prova. E assim foi, 4 kg e 10% menos de gordura depois aí estava eu pronta! Perguntam vocês se foi difícil? Não. Quando não deixas de comer o que gostas, mas fazes melhores escolhas e combinações, fica fácil. Quando se quer muito uma coisa, não se arranjam desculpas, mas sim uma maneira!

Do plano traçado faltei a um treino na semana anterior aos 42 km, para dar descanso às minhas costas. Foram 12 semanas, 71 treinos.

E eis que chega o dia de viajar para Valência. Na excelente companhia do Vitor Caldeira e dos pais, do João e da Ana Ribeiro, partimos na sexta. Viagem curta de 1 hora e chegamos. Do frio do Porto para os 23 graus de Valência. Tempo fantástico quando chegamos a antecipar um fim de semana em grande. Fiquei instalada na Casa del Patriarca, um alojamento local muito bem situado e que gostei muito. Fui levantar o dorsal nesse dia. E que surpresa tive quando cheguei à exposição na Cidade das Ciências. Que ambiente memorável e inesquecível encontrei! Gente, animação, alegria, música, um ambiente mágico.

Além do dorsal vim carregada com a t-shirt da prova, frutos secos, bálsamos, um boné, uma barra e muito mais! Tirei fotos, muitas fotos para eternizar o momento.

Uma cidade que sabe receber quem corre, uma prova que nos faz sentir especiais!

Sábado foi dia de descanso, de aproveitar o sol numa esplanada e de viver intensamente esta aventura. Aproveitei para conhecer a Cláudia Antunes, fã e pela 1ª vez a correr esta distância. E que prova fez. Parabéns e que venha a próxima!

Também foi dia de conhecer as restantes Women Runners. Mulheres de fibra, guerreiras, portuguesas! Estamos todas de parabéns por termos aceite este desafio!

Estive na meta, tirei fotos e imaginei como seria no dia seguinte! Aquele local mágico e cruzar a meta depois de mais 42 km.

Preparei tudo com antecedência: a mochila com o que ia comer, a roupa que ia usar e o pequeno-almoço do dia da prova. Da mochila constava o meu MP3, a bandeira de Portugal, 3 géis, 2 barras, 6 tâmaras, 2 cubos de marmelada e água com pastilhas de eletrólitos e cafeina.

Depois dos alongamentos da praxe toca a dormir cedo para levantar cedo.

06h30 já a pé, 07h a tomar os meus cereais de chocolate e às 07h30 já a sair. Tive que levar comigo tudo porque já não voltava. A prova oferecia a viagem de bus até à partida, mas como vinham sempre cheios, partilhei um táxi com outros atletas. Cheguei cedo e o ambiente já era animado! 22000 na maratona e 7000 nos 10 km. Deixei ficar a minha mochila no guarda roupa e toca a preparar. Partia da caixa 9, ou seja, local de partida para quem ia fazer mais que 4 horas.

Começamos a andar, o speaker pediu silêncio para saborear o momento e comecei a chorar. Influenciada pelo ambiente, a pensar no caminho até ali, também porque estava sozinha, não estava ninguém na meta…. mas não estava realmente sozinha. Obrigada Pedro Rodrigues pelo apoio, André Girão pelas mensagens de ânimo, à minha mãe que me viu cortar a meta em direto e ao Vitor Caldeira que mesmo depois de cortar a meta num tempo canhão ainda arranjou um espacinho para me seguir e dar força! E tantos outros que estavam lá em pensamento.

Quando ouvi o tiro de partida, o coração disparou também. Pedi que Deus fosse comigo e que conseguisse desfrutar dos 42 km. Desfrutar? Não queres dizer sofrer pouco? Não, eu queria desfrutar da prova, queria saborear cada km, apertar cada mão pelo caminho, saudar quem estava no passeio, aproveitar a cidade a correr, seguir sempre a linha azul pintada no chão e saber que estava um passo mais perto.

Sabia o ritmo que tinha que seguir e mais importante sabia que tinha que correr confortável o maior número de km que pudesse. No início uma bandeira de Portugal e aquele grito de apoio! Depois seguimos por grandes avenidas. Avisto o mar. Que dia magnifico para correr. Em todas as ruas havia gente a aplaudir, a gritar, uma cidade em volta da maratona. Novos, mais idosos, crianças, todos a dar o seu melhor para que me sentisse em casa. Música a cada km, associações da cidade, idosos de um centro de dia, um grupo de flamenco, heróis da banda desenhada, ninguém faltou à chamada!

Cada km que fazia, ganhava mais força. Do meu lado esquerdo o estádio do Valência, mais à frente o Paseo de La Alameda e sempre gente, muita gente. Os voluntários em cada abastecimento uma simpatia, nunca faltou água, powerade, fruta, uma palavra de incentivo!

A rua de la Paz decorada de Natal e já ia quase nos 30 km. Sempre tudo controlado, o ritmo, a água e o plano alimentar. Senti o famoso muro dos 30 km? Um bocadinho. Este ano corri mais e as pernas começavam a ficar cansadas, mas a partir dos 30 km é que começa a maratona e que se corre mais com a cabeça. Faltavam 12 km e ia com 03h30. Passo pelo Bioparc. O ritmo abrandou e tive que caminhar de vez em quando.

No centro da cidade vejo um ecrã com os atletas a cruzar a meta e penso "Está quase". As ruas continuavam repletas, a música a bombar e os speakers a puxar pelos atletas. Ouço Portugal e ganho novo ânimo. Vejo a placa dos 40 km e a Cidade das Ciências ao fundo. Tiro a bandeira da mochila e corro com o coração e o orgulho de ser portuguesa a correr em Espanha no dia da Restauração! Faltam 800 metros. O sonho estava quase completo.

Entro no tapete azul e vejo a meta. Que emoção chegar ao fim com uma guarda de honra de voluntários de cada lado! Está feita, a 2ª maratona. Dupla sensação de superação, sou bi maratonista! Não é possível descrever por palavras o segundo em que se acaba 42 km, tem que se fazer, sentir, sofrer para saber. É uma alegria imensa que invade o peito, uma explosão de borboletas que aparece no estômago e um coração que transborda de orgulho!

Na reta da meta senti a força dos primeiros km e a satisfação de ter vencido, de ter dado tudo o que tinha. Isto é a vida, dar tudo o que tenho, dar sempre o melhor de mim própria. Cada uma das pessoas com quem partilhei o caminho marcaram a minha prova. Cheguei ao fim sabendo que fiz o melhor que pude e não guardei nada, sempre de coração aberto e com um grande sorriso.

Se fui feliz em 2018, ontem fui ainda mais! O objetivo era terminar em 05h, não foi possível, mas retirei 30 minutos ao tempo do ano passado! Um vencedor não é só o que vence e um campeão não é só quem ganha títulos! Para o ano, sim porque para o ano haverá outra maratona, será sub 5 horas.

Gravei na medalha o meu tempo oficial, mas Valência fica gravada no coração. Que prova, que maratona, que gente!

Obrigada aos meus companheiros do Boavista Trail! Em breve estarei de volta aos trilhos!

Quero também agradecer ao Dr. Jaime Milheiro pelos conselhos e ao Dr. António Pedro Mendes pela ajuda na preparação da alimentação antes e durante a prova.

André Girão, o meu treinador e um amigo. Nunca lhe passou pela cabeça que não completaria esta prova em menos tempo que a maratona de 2018. Acreditou, motivou e planeou os treinos para me tornar mais apta, mais resiliente, mais capaz. Seguiu-me durante a prova enviando mensagens de incentivo. Atura o meu mau humor nos treinos. Mais uma vez esta medalha também é tua, não foram as tuas pernas que correram, mas estivemos sempre em sintonia.

Nuno Serra, obrigada por mais uma vez ter feito 42 km sem lesões. As pequenas mazelas que fui tendo foram sendo debeladas e mesmo a apreensão na última semana com as dores de costas que me impediam de mexer não foram suficientes para me impedir de concretizar mais um sonho. E eu quero continuar a sonhar!

Sou eu que corro, mas somos uma equipa. E é graças a todos que hoje sou melhor atleta que ontem e que vou melhorar amanhã. Porque eu quero continuar a crescer, a enfrentar novos desafios e ultrapassar mais obstáculos.

Preparados para 2020?

Agora é hora de recuperar, descansar e refletir. Treinar também é descansar e embora me sinta bem fisicamente e com uma energia incrível, o corpo precisar parar e a mente fazer reset. Para quem acha que "Ah e tal eu fiz uma maratona e daqui a um mês faço outra e para a semana faço uma meia maratona e pelo meio mais um ultra e tal etc….", só digo que quero correr até aos 100 anos sem mazelas porque não há melhor medalha de finisher do que correr toda a vida, por isso descanso agora para me superar depois!

Depois de 3 semanas sem corrida, volto em força na S. Silvestre do Porto. Em janeiro volto a sonhar novamente com o MIUT e mais 42 km!

Hoje tudo parece um sonho, mas foi realidade. Numa maratona passamos por várias fases:

1º o sonho de correr 42,195 km

2º a persistência de cumprir o plano de treinos

3º o sofrimento dos últimos km

4º o companheirismo e incentivo quando vamos abaixo

5º a boa disposição quando já avistamos o fim

6º e euforia quando cortamos a meta

E vocês estão preparados para ser maratonistas?

Autor: Andreia Ribeiro

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