07 agosto 2016 - 14:01
Torresmos e bagaço
A evolução do jogo deve-se muito à evolução dos meios, dos saberes e da moderna mentalidade dos protagonistas. As ciências técnicas e humanas vieram abrir novas janelas do conhecimento e tornaram o futebol profissional num dos maiores fenómenos industriais e um espetáculo de massas avassalador. Muitos jogadores, treinadores, árbitros, agentes, dirigentes e outros, são hoje notícia de abertura de telejornais e capas dos jornais e revistas em todo o Mundo.
– Meus senhores, não temos dinheiro, por isso, desenrasquem -se. É a vida! E não vamos pagar nada. Por isso, quem é que não joga domingo? Levantem-se aqueles que tomam esta posição!
Como na reunião do dia anterior, todos os 30 jogadores determinaram tomar essa medida, levantei-me, como homem de honra e de palavra que era e que sou. Fomos sete os ‘revolucionários’. De 30, só sete assumiram o compromisso. Os outros, de cabeça baixa, sem consciência e de forma irresponsável e traiçoeira, continuaram sentados e mudos. "E agora? O que nos vai acontecer?" Agora... "Os sete têm guia de marcha para casa, sem dinheiro, sem trabalho, sem prendas de Natal e sem poder jogar até ao fim da época por clube".
Voltámos para casa com a dignidade e a nossa palavra de homens de bem intatas. Ainda hoje, sei que foi a decisão mais importante da minha vida. Fez-me crescer 100 anos e ensinou-me quanto a honra é determinante.
Passados dois meses, estava a vender caixas de fruta da Cooperativa do Cadaval, na Ribeira, no Mercado Abastecedor com o meu amigo José Rijo. Tinha uma família para proteger. Por isso, tinha de trabalhar. Às 6 horas da manhã, num antigo quiosque do Cais do Sodré, comia uma sandes de queijo e um sumo de laranja. Ao meu lado, os estivadores e os carregadores devoravam sandes de torresmos, uma taça de tinto, um café e um bagaço. Sempre o mesmo ritual. Sempre as mesmas caras. E diziam-me:
– Ó miúdo, ‘tás a olhar? Quem não é para comer não é para trabalhar! E tu não vais lá com um Sumolzinho.
Riamo-nos e acabávamos a falar do Benfica e do Sporting. Por vezes, acabávamos também por falar de esperança, de sacrifício, dos nossos sonhos e de como é importante acreditarmos. Em nós e na vida...