Viagem ao Inferno

O papel do desporto, ainda hoje, nesta sociedade moderna global, tem uma importância fundamental no desenvolvimento social, mental e físico de qualquer jovem. O futebol, o jogo e os ‘interlocutores’ que fui conhecendo e com quem fui partilhando o dia à dia ao longo deste percurso, foi preponderante para moldar a minha personalidade.

No meu Vilafranquense, do mister Zé Faca, com 15 anos, a treinar à noite, num campo pelado com pouca luz, calçando botas ‘já com netos’, usando roupa de treino já gasta, tomando banho muitas vezes de água fria, tendo de andar cerca de 2 km para voltar para casa já perto da meia-noite e ainda jantar e estudar alguma coisa, fui muito feliz! Como eu ansiava os treinos e os jogos. E que pena haver só três treinos e um jogo por semana. É certo que no Liceu, o velhinho Passos Manuel, todo o tempo livre era para jogar à bola. Compradas numa mercearia, de plástico e que faziam a delícia dos nossos intervalos, com jogos intensos, disputados corpo a corpo e sempre com resultado incerto. Às vezes, ‘dava molho’. Mas tudo não passava do momento. No fim, todos continuávamos amigos e parceiros daquelas jogatanas memoráveis. Não consigo vislumbrar, no tempo, se o agora mundialmente conhecido António (Costa) ou o inteligente e interventivo Miguel (Portas), nossos colegas de então, faziam parte destas ‘peladas populares’...

Naquele tempo, os jogos fora, principalmente longe, eram uma alegria. Uma experiência para mais tarde recordar. Assim foi, quando em 1975, com 17 anos e a jogar já nos seniores do União, fomos fazer um jogo a Inglaterra com o Centro Português de Londres. A minha primeira visita, de já algumas dezenas, a uma cidade deslumbrante e cosmopolita. O Big Ben. O Museu Britânico. A China Town. Os bares barulhentos e poliglotas. O Estádio de Wembley. Oxford Street com milhares de pessoas em constante rebuliço. E o verde e ‘imenso’ Hyde Park. Onde eu e o Lobo, o Vítor Rosa, o Bico, o Quím Zé e o Fino tivemos uma experiência ‘do outro mundo’. Ao passearmos, numa dessas britânicas tardes de sol primaveril, vislumbrámos um jovem, de cabelos fartos, barba por fazer, olhos encavados e de jeans, encostado a uma majestosa árvore repleta de ramos e folhas. Ao mesmo tempo que passavam dezenas de pessoas, este homem, num ritmo cadenciado e ‘profissional’, retirou de uma caixa de metal, uma seringa, um garrote e iniciou todos os habituais procedimentos para se injectar. Ali mesmo. À vista de todos. Só que ninguém ligava. Nem sequer um simples esgar. Só nós, simples e humildes portuguesinhos, observávamos, incrédulos e com total ‘pavor’, o que ali acontecia. Sentimos, que estávamos num filme de terror. Que o desprezo pela vida humana, por parte ‘dos outros’ cidadãos, tinha a mesma proporção da imensa cidade de Londres. Que Vila Franca, a nossa terra, era o paraíso.

Por tudo isto, os meus filhos praticam ou praticaram desporto. Por tudo isto, os meus netos praticam e praticarão desporto. O futebol é também pensarmos nos outros. Pensarmos na nossa equipa... É ocupar o tempo de forma saudável e desviar as atenções dos maus hábitos, das más companhias e evitar o Inferno!

Por António Carraça
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