"Há 41 anos. Significam histórias lindas, um percurso de grande sucesso dado à equipa que tenho, porque isto não é feito só por uma pessoa"...
Há um sítio em Lisboa onde as paredes falam. Abrem-se em janelas do tempo, espelhando memórias de 40 anos, muito antes de alguém ter inventado as selfies. As paredes do Solar dos Presuntos – o sítio onde elas falam – contam-nos a história de um restaurante e do homem que lhe deu rosto – Evaristo Cardoso. Aquelas paredes e o próprio Evaristo foram testemunhas de muitas histórias mas também de alguns pedaços da história da política, do espetáculo ou do desporto do Portugal pós-25 de abril de 1974.
A conversa foi de recordações. E fica já uma declaração de interesses: conheço Evaristo Cardoso há quase 30 anos e fui testemunha de algumas da histórias que aqui recorda. Mas não estive lá quando a casa abriu e por isso Evaristo conta como foi.
“Há 41 anos. Significam histórias lindas, um percurso de grande sucesso dado à equipa que tenho, porque isto não é feito só por uma pessoa. Comecei a trabalhar nesta rua, em 1954, na Solmar. Aos 17 anos assumi o lugar de gerente da cervejaria Berlenga. Em 1974, casado, quis dar o salto e assim foi. Apareceu-me esta casa, que era uma taberna, com presuntos, vinho a copo. Consegui um fiador para o trespasse e o nome Solar dos Presuntos estava adequado à minha ideia. A primeira alteração que fiz foi por um anúncio a dizer ‘alta cozinha de Monção’. Naquela altura eram dez horas de viagem a fazer 500 quilómetros de Lisboa a Monção para ir lá buscar produtos. Aprendi com a minha sogra, Márcia Condessa, e a minha avó, Maria Amália, mais a minha mulher, Maria da Graça, que já tinha a experiência de administrar a casa de fados da tia Márcia”, conta.
Sem medo da revolução
Parei a recordação de Evaristo com uma provocação – mas isso foi em plena revolução do 25 de Abril. Não teve medo do que podia acontecer? Nada disso, garante, até porque a sua facilidade de relacionamento ajudou.
“Comecei a criar muitas amizades com pessoas do V Governo, com pessoas como Armando Maltês e Correia Jesuíno. Muitos deles vinham aqui almoçar e comecei a lançar o vinho Alvarinho, que ninguém conhecia. Não tive medo, porque sempre apostei na qualidade. Isto era pequenino, com 18 lugares, sem despensa. Pendurava coisas no balcão e à porta da rua e as pessoas até levavam algumas.” Mas para lá dos que fugiam com coisas coladas à mão, depressa gente conhecida começa a entrar pela porta dentro e ajudou a dar nome à casa e Evaristo não os esquece, guardando um lugar para todos no seu coração. “Dos primeiros foram o Vítor Mendes, pai do Fernando Mendes, e o Armando Cortês, todos com a família. Aos domingos, depois da sessão da tarde, vinham cá jantar. Era uma altura em que os artistas ganhavam pouco e muitas das vezes oferecia, outras vezes pagavam uma quantia simbólica. Depois, surgiu a Seleção Nacional e o futebol. Na altura, o secretário-geral da FPF, César Grácio, e o Amândio de Carvalho eram clientes nossos aqui no Solar dos Presuntos e da casa da Márcia Condessa, que era na Praça da Alegria.
Convidaram-me a abrir a cantina da federação e depois os jogadores vinham aqui almoçar. Muitas vezes ia buscá-los a Santa Apolónia e trazia-os cá para comer. Mais tarde, o FC Porto também passou a vir cá, com o presidente Pinto da Costa a reservar mesa para todos. Toda a minha vida fui sportinguista e a minha mulher benfiquista, mas aqui não havia clubes.”
Jogadores e contratos
Recordo-me de eu próprio passar por aqui, há uns 25 anos, atrás de jogadores de futebol... “É verdade.,” interrompe-me Evaristo. “O caso do Jaime Pacheco, por exemplo, quando foi operado à pubalgia, era eu que ia ao hospital levar-lhe o almoço, o jantar e o lanche. Quando saiu, foi recuperar para a minha casa, na Costa da Caparica. Criei amizade com muitos deles”, refere.
Lembro-me, também, por esses tempos de vários contratos de jogadores de futebol terem sido assinados aqui, embora Evaristo não possa contar as histórias de bastidores. “Sim, vários do Benfica, como o Valdo, o Ricardo, todos através do Manuel Barbosa. As casas preferidas deles eram aqui o Solar dos Presuntos e a Tia Matilde, do Emílio, um homem ligado ao futebol e por quem tenho grande consideração e aos 90 anos continua a trabalhar.”
De imediato percebi o segredo de o próprio Evaristo, com 73 anos completos e a diabetes a dar-lhe cabo da saúde, não pensar ele próprio na reforma...
“Não sei... É uma paixão grande, mas é um grande desgaste e uma grande exigência e responsabilidade. Comecei com seis empregados e agora tenho 36. Tenho um grande seguidor, o meu filho Pedro que, como gestor, deve haver poucos. Tenho essa sorte de ter bons filhos… A minha filha, Márcia Cardoso, está ligada ao Direito, no Tribunal de Contas, e o Pedro que trabalha aqui. Isso enche-me de orgulho.”
OSolar dos Presuntos começou por apostar apenas na cozinha minhota mas hoje tem um menu bem mais vasto. Evaristo explica-me a opção feita ao longo dos anos e ao ouvi-lo falar das especialidades fico com água na boca.
“Queríamos alargar a oferta, com os peixes e mariscos acima de tudo. Arroz de chocos, a paelha, o peixe ao sal, a sardinha e uma coisa que nós exploramos que são as pataniscas com arroz de feijão, os filetes de peixe-galo com açorda de lavagante, o pastel de bacalhau, peixinhos da horta…”
O problema, para muitos, é o preço a pagar, quando chega a dolorosa...
“A qualidade paga-se e ninguém consegue fazer milagres. Temos de ser honestos e dar qualidade sempre. O cliente tem de sair daqui satisfeito. Temos refeições de 40 euros, com entrada, peixe, carne, doce, vinho, café e sobremesa…”, como quem diz “isto aqui não é um fast-food”.
Fotografias nas paredes
Não é possível ir aoSolar dos Presuntos sem reparar nos milhares de fotografias que cobrem as suas paredes. Evaristo conta como começou. “A primeira pessoa a tirar aqui uma fotografia foi o Armando Cortês com o Ribeirinho. Eram nossos clientes ao jantar desde 1978. Há cá uma sala com toda a carreira de 50 anos do Armando Cortês numa homenagem que gostei de lhe fazer. De então para cá, passou a ser uma tradição que se mantém”, explica Evaristo.
Sei que depois das pessoas do espetáculo e antes dos homens do futebol, foram os políticos a ganhar lugar cativo na sua casa, atirei... “É verdade. Uma semana antes de ter morrido, o Sá Carneiro tinha estado cá a almoçar com a Snu Abecassis e a secretária dele, a Conceição Monteiro. Depois começaram a vir políticos de outros partidos. Os homens do futebol foram os últimos a chegar.”
A pergunta indiscreta não ficou sem resposta: entre uns e outros, houve alguém que fosse mais inconveniente?
“Nos anos todos em que estive ligado mais diretamente ao futebol só houve uma pessoa com quem nunca consegui identificar-me, o Carlos Manuel. No México, virei-me para ele e disse-lhe que se fosse dirigente da FPF ele era o primeiro a voltar para casa. Ele nunca me perdoou, mas eu não estava lá pelo dinheiro, mas por gostar.”
Voltando aos políticos, Evaristo não esquece alguns problemas causados pelos serviços de segurança.
“Uma vez chegámos a ter a casa reservada por causa do Hugo Chávez e até polícia no telhado tínhamos. Mas nunca fechámos a casa em exclusivo. Ficam numa sala exclusiva, só isso.”
E houve aquele dia com uma multidão à porta devido a um jantar dos jogadores da Seleção com Cristiano Ronaldo...
“Foi bom, porque o Cristiano é fantástico e fui recebê-lo à porta. Estava uma miúda à espera dele, ele deu-lhe um autógrafo e um beijo, mas depois à saída, já com muita gente à porta, tivemos de o fazer sair por uma porta alternativa.”
Restaurante Solar dos Presuntos
Rua das Portas de Santo Antão, 150
1150-269 Lisboa. Tele: 213424253
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