RECORD - É mais difícil preparar os Jogos Paralímpicos como atleta ou Chefe de Missão?
LEILA MARQUES – Com o adiamento dos Jogos, já lá vão três anos desde que fui escolhida como Chefe de Missão pelo Comité Paralímpico de Portugal. E, tendo acontecido em tempos de pandemia, diria que é como Chefe de Missão. Enquanto atletas, temos a pressão de nos prepararmos, mas só pensamos em nós. A função do Chefe de Missão é muito alargada. Temos de precaver as necessidades de cada atleta. Diria mais difícil e com maior responsabilidade. Não podemos falhar com ninguém.
R - Como pode a experiência como atleta ajudar neste cargo?
LM - Há pontos em comum. Neste caso, estamos a falar de uma sociedade japonesa que obedece a muitas regras e protocolos. Sabíamos que estes Jogos teriam muita burocracia. O facto de ter passado por muitas situações que depois acabamos por ler e reler nos manuais sobre procedimentos a adotar dá para fazer facilmente a transição para a prática. Nesse sentido, ajudou-me muito. Os dias que antecedem a competição são de grande ansiedade para os atletas e é preciso haver atenção aos detalhes para que eles estejam tranquilos. O facto de ter estado como atleta em Jogos foi crucial.
R - Sente muito nervosismo?
LM - Nesta fase final de preparação, ficamos também um pouco nervosos. Fomos recebendo indicações dos colegas olímpicos sobre o que correu menos bem em Tóquio. Estamos ansiosos, mas preparados. Como se diz, a ansiedade em dose certa é positiva para que estejamos prontos a reagir à adversidade.
R - Que principais dificuldades existiram na preparação dos Jogos durante a pandemia?
LM - A situação da pandemia condicionou sobretudo do ponto de vista psicológico. Os atletas estiveram muito tempo parados no início e tentaram manter-se ativos dentro do possível. Queríamos perceber o estado físico, mas sobretudo psicológico deles, pois houve dificuldades em gerir a fadiga mental acumulada. Algumas modalidades, como o Boccia, que tiveram mais dificuldade em retomar. Muitos dos atletas do Boccia treinam em centros de dia para pessoas com deficiência e as regras eram rígidas. Houve algum atraso nessa modalidade, o que preocupou. Em janeiro tivemos a certeza de que os Jogos iriam realizar-se e retomámos o planeamento.
R - Como está a ser ambientação às condições de Tóquio?
LM - Sobre isso, houve uma decisão muito importante. Há três anos, o Comité contratualizou um estágio em Fujisawa. Entendemos que era fundamental, devido às questões de calor, humidade e o fuso horário. Tornou-se ainda mais importante, tendo em conta as restrições de entrada na Aldeia. Tivemos de arranjar soluções para outras modalidades, como a paracanoagem. Estão a fazer o estágio em Komatsu.
R - Que dicas ou conselhos pode dar aos atletas que se estreiam nos Jogos?
LM - O trabalho está feito. Andam a trabalhar há cinco anos para estes Jogos. O importante é rever aquilo que foi definido e ultimar pormenores. Gostamos de ter a equipa toda unida e tentaremos isso. Este ano existirá outro cuidado devido aos contactos e segurança.
R - Em relação aos Jogos’2016, tinha sido registado um aumento do orçamento para Tóquio’2020. Esse apoio sofreu quebras devido à pandemia?
LM - Tivemos o aumento de 80% a nível de financiamento e bolsas para os atletas comparativamente com o Rio’2016. No pós-pandemia, foi feita uma análise cuidada dos planos de cada atleta para perceber o que era necessário. No primeiro ano, não existindo competição, foi necessário dar equipamentos aos atletas. Mas não tivemos uma quebra de apoio das entidades estatais. Houve uma gestão cuidadosa no sentido de utilizarmos a verba para o necessário.
R - Na vertente desportiva, que objetivos estão definidos para Tóquio’2020? No Rio’2016, Portugal conseguiu quatro medalhas…
LM - Tivemos quatro de bronze no Rio. Também houve mais atletas presentes, por causa da questão da Rússia [atletas banidos]. O nosso grande objetivo é que os atletas consigam chegar aos recordes pessoais e nacionais. Viveram circunstâncias muito particulares nestes dois anos, foi um período difícil e as condições em Tóquio são exigentes. Não queremos colocar pressão nos atletas. Acreditamos no trabalho que foi feito e, portanto, queremos que façam o seu melhor. Gostamos dos recordes pessoais e nacionais… Depois vamos vendo o que acontece.
R - A competitividade nos Paralímpicos tem aumentado?
LM - Claramente. No caso do Boccia, Portugal ensinou muitos países a jogar Boccia. Fomos uma das grandes potências a nível mundial e vemos o crescimento de países como a Coreia do Sul ou Brasil. Na natação ou atletismo, o nível de competitividade é elevado. Os atletas chegam a ser profissionais noutros países. Terá que haver um investimento no sentido de alcançarmos o nível de outros países e acompanhar esse crescimento.
Por Filipe Balreira