ANTÓNIO MENDES
BAKERO não esconde a ansiedade. Procura manter um discurso sereno, mas vira constantemente a "agulha" para a forte possibilidade que tem em mãos para dar o desejado "salto" para um clube "grande". Por isso mesmo, ainda está de férias em Felgueiras, a sua terra natal, talvez (des)esperando por um telefonema de Jorge Mendes, o seu representante e a quem oferece toda a confiança para gerir a sua carreira, reforçada após uma tentativa de aliciamento de que foi alvo para assinar por outro empresário. Ficou muito chateado com a "jogada", mas quer esquecer tudo e ainda tem tempo para abordar a "época positiva" de estreia na I Divisão, só ligeiramente ofuscada pela frustração que representou o não apuramento da U. Leiria para a Taça UEFA.
-- Também é da opinião que a sua primeira época na I Divisão acabou por superar todas as expectativas?
-- Não sou eu quem deve analisar a minha própria prestação ao longo da época, mas senti isso mesmo. Era muito importante para mim, depois da maneira como saí do Felgueiras, fazer uma boa época. Senti que muitas pessoas estavam com algumas dúvidas em relação ao meu valor e fiz como ponto de honra a grande vontade em provar a essas pessoas que estavam enganadas a meu respeito. Acho que isso foi conseguido num clube que fez sensação esta época. Não posso esquecer a responsabilidade de Mário Reis que muito me ajudou e foi quem apostou fortemente na minha transferência para Leiria. Esse foi mais um facto que me levou a estar sempre quase nos limites. Tinha a preocupação de não defraudar as expectativas que ele próprio depositou nas minhas capacidades. Foi mesmo uma época positiva.
-- Reconhece a sua influência na equipa da U. Leiria na tal época sensacional que referenciou?
-- É com muito agrado que me vejo envolvido nesta temporada histórica do clube. Comecei mais tarde que os meus colegas, pois só cheguei ao clube quase no final da pré-época, e nunca pensei chegar ao primeiro jogo do campeonato e o "mister" apostar em mim para o onze titular. Foi mais uma prova da aposta de quem estava convicto do meu potencial e esse foi o ponto de partida que me deu ainda mais forças. Agarrei a oportunidade e tentei aguentar sempre esse estatuto de titular. Só mais para o fim da época, quando faltavam três jogos, é que saí da equipa, mas encarei isso de uma forma natural, pois é muito difícil um jogador estar ao seu melhor nível durante uma época inteira. Há sempre uma quebra física e foi o que me aconteceu, infelizmente na fase mais decisiva da época. Compreendi e aceitei a decisão de Mário Reis e outra coisa não seria de esperar, pois trata-se de um treinador que me vai marcar para sempre.
-- A chamada a representar a selecção acaba também por surgir de uma forma natural.
-- Sabia que, mais cedo ou mais tarde, podia ter essa oportunidade. Também neste caso procurei dar tudo para agradar na primeira chamada (jogo com o Azerbaijão) e acabei por ter a oportunidade de ser mais vezes chamado a representar Portugal, o que muito me orgulha e é um objectivo que faz parte dos sonhos de qualquer jogador de futebol.
-- Já sonha também com a possibilidade de chegar à equipa principal e jogar ao lado de Figo, Rui Costa, Paulo Sousa...
-- (sorrisos) Quem é que não sonha! Isso era o melhor que me podia acontecer. Estou só agora a aparecer no futebol português e sei que é muito complicado ser já convocado para a selecção A, mas também sei que não é impossível. Só tenho de continuar a trabalhar da mesma forma para poder chegar a um grande clube português ou até ir para o estrangeiro, pois dessa forma será mais fácil lá chegar.
-- Aí está a "deixa" para a pergunta que já estava na forja. Já se falou de muitos clubes interessados nos seus serviços. Na verdade, quem é que já avançou para a sua contratação?
-- É sempre complicado falar disso como muito bem deve compreender. Um dos últimos que ouvi falar foi o PSG, de França. É evidente que tenho estado em contacto com o meu empresário e ele tem-me posto ao corrente da situação. Mesmo durante a época surgiram clubes interessados, mas ele nunca me disse o nome dos clubes, o que acho muito bem, pois apenas tenho de estar concentrado em fazer da melhor maneira o meu trabalho. Ficar iludido com a possibilidade de ir para um qualquer clube era o pior que me podia acontecer durante o campeonato...
-- Compreende-se. Mas agora já acabou a época e parece-me que está de férias em Felgueiras à espera de qualquer coisa para depois partir para outras paragens. Não quer levantar um pouco a ponta do véu?
-- (sorrisos) Sinceramente, até ao momento não há nada de concreto. Sei que há clubes interessados e espero que cheguem a acordo com a U. Leiria e com o meu representante para eu poder dar o salto o mais rápido possível. Depois da época que fiz, é isso que espero e sinto esse receio nos responsáveis do clube, mas não há nada decidido e só tenho de aguardar serenamente pelo desenrolar dos acontecimentos.
-- De qualquer maneira, não disfarça uma natural ansiedade. Falou do PSG. A hipótese de prosseguir a sua carreira no estrangeiro é a mais viável?
-- Não sei. Se não houver possibilidades de ficar em Portugal num clube de grandes ambições, como os históricos três grandes, essa pode também ser uma hipótese. Mas vou ter de estudar bem a situação. Sou muito novo, estou agora a dar os primeiros passos como profissional e, se calhar, não seria o ideal ir para o estrangeiro. Não é uma hipótese que me agrada muito, mas se tiver de ser, muito bem, pois esta vida de futebolista é mesmo assim. Tanto estamos cá como lá.
MAIS "ESTALECA"
-- Encara também a possibilidade de permanecer mais uma época em Leiria para ganhar mais "estaleca" como jogador de I Divisão?
-- Tenho mais dois anos de contrato e sempre disse que me sinto muito bem em Leiria. Trata-se de um clube onde já ganhei muitas amizades e, se tiver de ficar mais um ano, ficarei com todo o gosto, até porque tenho a certeza que a U. Leiria vai fazer mais uma grande época e lutar novamente por um lugar na Taça UEFA. Obviamente que encaro essa hipótese com toda a naturalidade.
-- Já disse publicamente que é portista desde pequenino e que deseja um dia ingressar no FC Porto. Não é esse um dos interessados?
-- Não sei, mas não tenho problema nenhum em reconhecer que sou portista desde miúdo. Toda a minha família é do FC Porto e meteram-me esse "bichinho" na cabeça. Desde que, aos 12 anos, comecei a jogar futebol sempre sonhei em jogar no FC Porto e não foi por acaso que fui treinar às Antas quando era juvenil, mas não tive oportunidade de ficar. Só que neste momento tenho de pensar no meu futuro e nunca posso deixar de lado a hipótese de jogar, por exemplo, no Benfica e no Sporting. Sou profissional e isto é mesmo assim. É evidente que se pudesse juntar o útil ao agradável seria muito bom, pois o FC Porto é o clube do meu coração.
-- Está visto que gostaria de fazer parte do plantel que vai tentar o "hexa".
-- Já gostei muito da conquista do "penta". Se fosse para o FC Porto tinha obrigatoriamente de me habituar a ganhar sempre, como é o lema do clube. No fundo, arriscava-me a ser campeão nacional. E quem é que não gosta desse risco? (grande gargalhada)
-- Voltando à U. Leiria. Acabou por ser uma época algo frustrante?
-- Sim, sem dúvida. Depois de tanto tempo num lugar europeu, fruto de um início de campeonato extraordinário e de uma grande regularidade, perder tudo no último jogo foi mesmo muito duro. Também temos de dar o mérito ao V. Setúbal, que fez uma segunda volta espectacular. Mas foi mesmo frustrante para nós. De qualquer maneira, saímos de cabeça levantada, já que a equipa acabou por superar as expectativas mais optimistas. Só que depois de conseguirmos a manutenção, tínhamos de ter outros objectivos e só não fomos lá porque falhámos nos momentos cruciais e também tivemos algum azar. No fundo, acabou por marcar também a minha primeira época na I Divisão. Tratou-se de uma grande desilusão, pois tudo me correu bem a nível pessoal e seria fabuloso ver a equipa chegar à Taça UEFA.
-- Se esse apuramento fosse uma realidade, isso seria uma razão mais forte para o fazer continuar no clube durante, pelo menos, mais uma época?
-- Como lhe disse, até posso continuar na mesma e não fico nada chateado. Mas é evidente que pensaria duas vezes no caso de os possíveis interessados não serem equipas de ambições muito superiores. Um clube com estatuto europeu representa sempre um estímulo muito maior.
ALICIADO E CHATEADO
-- ESTÁ instalada a polémica entre os empresários portugueses e o nome de Bakero também se viu envolvido numa tentativa de aliciamento para mudar de representante. Como é que sentiu essa "jogada"?
-- Infelizmente, esse foi um golpe muito triste. O mundo do futebol está cada vez pior porque há pessoas a tentar estragar isto tudo. Fiquei muito chateado com isso, pois tenho um contrato assinado com o meu empresário e nunca seria capaz de trair a confiança que existe entre nós. Se o "mister" Mário Reis, por ter apostado em mim na I Divisão, e o "mister" Augusto Inácio, por ser quem possibilitou a minha estreia nos seniores do Felgueiras, são dois treinadores que me vão marcar para sempre, também o meu representante, Jorge Mendes, o será, pois foi o primeiro a demonstrar interesse em gerir a minha carreira. Tenho princípios na vida de que nunca vou abdicar e só tenho pena que existam outras pessoas a tentar manobras de muito mau gosto. Como estou agora a aparecer no futebol, esses senhores tentaram iludir-me para procurar tirar dividendos e tudo nas "costas" do meu empresário. Foi mesmo chato, ainda por cima quando sabiam que eu tenho um representante legal. Até admitia um contacto de outro empresário se tivesse um clube interessado nos meus serviços, mas o Jorge Mendes tinha de ser contactado para tratar do negócio com esse outro empresário e isso acontece muitas vezes. Mas assim não. Nem comigo falaram a até tentaram iludir o meu pai. Foi mesmo muito chato, mas trata-se de pessoas que não sabem estar no futebol e, pelo contrário, só prejudicam a imagem da modalidade. Mas estes esquemas não encaixam na minha maneira de ser.
SEM PERDÃO DO FELGUEIRAS
-- DEPOIS de tantos anos no Felgueiras, a sua saída acabou por ser muito polémica. Ainda há gente que não lhe perdoa?
-- Isso não sei, mas noto que ainda há muita gente em Felgueiras que, agora, não me cumprimenta. Tenho de aceitar isso, mas eles também têm de reconhecer que era a minha vida que estava em jogo. Era um jogador da terra e o pouco que ganhava não me pagavam e tenho de olhar pela minha vida, pois também assumi compromissos que não posso falhar. Foi pena ter sido assim, mas não havia outra solução que não fosse a rescisão do contrato. Acabei por sair pela porta das traseiras e não pela da frente, mas não era desta maneira que queria sair, pois um dia mais tarde até adorava acabar a minha carreira neste clube que me viu nascer para o futebol. Pode ser que passe com o tempo, porque limitei-me a optar pelo que achei melhor para mim. Continuo a adorar o Felgueiras e durante a época estive a torcer por fora para que a subida fosse garantida. Também fiquei triste por o clube não ter conseguido regressar à I Divisão, que é o lugar que merece para bem de toda a região.
ZAMORANO DE CABELOS CURTOS
Orlando e Frederico. Podia ser assim, mas agora não há volta a dar. São Bakero e Zamorano. O primeiro, levou com o apelido aos 16 anos quando começou a treinar nos seniores do Felgueiras. Foi Jacinto João, na altura treinador dos guarda-redes, quem começou e a brincadeira pegou. Hoje, Bakero diz que preferia ser chamado somente por Orlando -- "Temos de ter orgulho no nosso nome", reforça --, mas reconhece que "já não há hipótese". Ainda reforça: "Se me chamarem Orlando num treino ou num jogo, já nem olho. Só em casa."
Mas a curiosidade é que Bakero tem um primo que teima em seguir-lhe todos os passos. "Passado algum tempo, também o baptizaram, mas como Zamorano por ter uma grande cabeleira. Agora está de cabelo curto e já não tem nada a ver, mas também já pegou de vez", salienta Bakero, que aproveita para augurar um "grande futuro" ao seu primo: "Tem todas as condições para, se calhar, chegar mais longe que eu. Deve é manter a humildade e continuar a trabalhar da mesma forma."
E o primo Zamorano retribui, salientando que segue "com grande orgulho" a carreira do "mais famoso jogador de Felgueiras" que, na sua opinião, deve ir jogar "para o melhor clube, o Benfica". O tom irónico de um jovem de 17 anos sai com a mesma destreza de um jogador já vinte e duas vezes internacional e com um Europeu no pecúlio (sub-16 na República Checa). A mesma que aplica ao discurso quando o assunto é sério. Fala-se com insistência que Zamorano pode continuar a seguir os passos do primo ao ingressar na U. Leiria, mas o jovem jogador (curiosamente representado por José Veiga...) não abre o jogo: "Essas questões estão a cargo do meu empresário. O que sei é pelos jornais e tenho de me manter sereno, até porque só comecei esta época a jogar pelos seniores do Felgueiras numa aposta que muito agradeço do 'mister' Diamantino."