Desafiámos 9 personalidades que aparecem regularmente nas páginas de Record para, em conjunto, escreverem a crónica do clássico da Luz. Cada um, a começar em Bruno Prata e a terminar em Rui Santos, analisou apenas um período de 10 minutos do jogo. Juntando todas as partes, o que a seguir se pode apreciar é a análise acumulada de jornalistas, advogados e de um ex-futebolista. Todos defendem a ideia de que não foi um grande espetáculo, mas interessa perceber, através do olhar muito particular de cada um, o que aconteceu de mais relevante em cada fase deste clássico. A acompanhar cada período do jogo, no final dos respetivos textos, Record seleciona ainda nove imagens – que permitem fazer um outro filme deste Benfica-FC Porto. Vale a pena juntar todas as partes, ler os textos, e ficar com uma visão diferente daquele que foi o jogo mais esperado deste campeonato. Não o mais bonito, mas de certeza o mais decisivo.
Bruno Prata [0-10]: Dez minutos à italiana
As escolhas dos técnicos e a forma como ambas as equipas se posicionaram e organizaram coletivamente logo de entrada marcaram de forma indelével os primeiros minutos: duelo intenso, mas vulgar, como se estivéssemos perante um daqueles jogos da liga italiana em que as equipas estão tão amarradas que se anulam. Jesus teve medo, mas quis mostrar que não tinha medo. Começou com Talisca na ala esquerda, a repetição de uma teimosia que só serviu para relevar ainda mais o rótulo de suplente com que o brasileiro entrou em campo. Lopetegui desta vez levou guarda-redes, mas apresentou uma espécie de 4x1x4x1 que teria feito bem mais sentido em Munique, onde jogou com um Quaresma e com um Herrera que eram bem mais obrigatórios de início na Luz. A tensão nervosa de parte a parte (mas inexplicável num Benfica bem mais maduro) contribuiu para o absentismo dos génios e para o único registo estatístico possível: o das faltas (o Benfica cometeu três nos primeiros seis minutos).
Pedro Santos Guerreiro [10-20]: ... e isto está a ficar confuso
O jogo está confuso e se continuar confuso pode tornar-se aborrecedor. Júlio César demora a repor a bola em jogo. Passe lateral, meio-campo, falta. Passe curto, corte, fora. Passe, meio-campo, atraso ao guarda-redes, meio-campo outra vez, falta outra vez, paragem outra vez… Até que… alto! Passe em profundidade para Jackson!... ah não, está fora-de-jogo. Passe em profundidade para Gaitán!... ah, também não, a bola passa-lhe por cima da cabeça. O jogo prossegue confuso, tenso, com muitas paragens, com faltas, faltinhas, o Benfica não arrisca, o FC Porto não arranca, Jonas não se viu ainda, Jackson está inconformado mas impaciente. Lá vai Eliseu… alto outra vez, perde a bola! Faz falta, cartão amarelo, jogo parado. Se isto continuar assim aqueles que vieram pelo espetáculo vão querer o dinheiro de volta. O próximo campeão nacional já entrou em jogo mas ainda não entrou no jogo.
Carlos Barbosa da Cruz [20-30]: ... muito chato de se ver!
O cariz do jogo não muda: encaixado, afunilado, muito físico, chato de ver. O que mais me continua a espantar é a falta de ambição do FCPorto, de quem se espera outra atitude, própria de quem tem de ganhar, sob pena de ficar apeado. As marcações são muito intensas e há jogadores, como Brahimi, que ainda não perceberam que o jogo não dá para rodriguinhos e contenções. Por esta amostra, ou muda muita coisa ou o Benfica poderá encomendar as faixas, mesmo sem o argentino Salvio, que faz muita falta. O melhor em campo, neste período, é claramente o árbitro Jorge Sousa, que segura o jogo com muita categoria. Uma última palavra para o meu cunhado, José António Martínez (antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral do Benfica) que partiu sem ter a derradeira alegria de ver o seu clube bisar o campeonato.
José António Saraiva [30-40]: Apesar de tudo, o Porto está melhor
Muitas vezes, entre os minutos 30 e 40 decidem-se os jogos. Esgotado o tempo inicial, em que as equipas se estudaram, é altura de carregar no acelerador e tentar marcar. É o período em que a equipa favorita consolida a sua superioridade em campo. Este clássico não fugiu à regra. A partir da meia hora, o FC Porto – que já estava a ser melhor – carregou mais. Ganhando todas as bolas divididas, inclinou o campo para o lado encarnado. Tomei os seguintes apontamentos: "Bom corte de Jardel (31’)", "Jackson falha dentro da área, atirando por cima. Que perigo! (34)", "Luisão corta jogada perigosa (36)", "Lançamento em profundidade para a direita, com boa cobertura de Eliseu (38)". Como se vê, só iniciativas do FC Porto. Mesmo assim, neste período, o jogo foi muito trapalhão, com grande aglomeração de jogadores a meio-campo e sucessivos passes falhados. O melhor neste período? Talvez Luisão.
Daniel Oliveira [40-50]: ... e quase sempre a pressionar
O FC Porto sempre a pressionar, sem nunca deixar de cheirar a grande área do Benfica. Um canto, aos 44 minutos, seguido de golo bem anulado. Aos 45 minutos, um dos poucos verdadeiros embates desta primeira parte, onde apenas houve uma oportunidade de golo, dos dragões. O embate foi de cabeça, entre Marcano e Jackson. Mas quem parece estar combalido é o público, que, de tanto tédio, corre para os bares sem que a primeira parte tivesse acabado. Na segunda parte, Danilo faz falta sobre Jonas e há livre. Mas nem assim o Benfica assusta. O contra-ataque do FC Porto foi mais perigoso que o livre mal marcado por Gaitán. Acabaria por ser o mesmo Gaitán a resolver um engarrafamento e a dar a Talisca o único remate benfiquista digno desse nome. Os dez minutos, todos do FC Porto, todos sem chama, são fechados com o primeiro momento de perigo vindo do Benfica. A animação e o futebol começou logo depois.
Rui Hortelão [50-60]: ... mas só Jackson acredita
Minuto 50: Talisca vai para cima da defesa portista – uma tabela com Lima deixa-lhe a baliza à disposição e o 30 do Benfica chuta já rodeado de adversários. O pontapé sai fraco mas abana o jogo. E as bancadas. Logo a seguir, Pizzi faz o mesmo. É o segundo remate do Benfica na partida. Lopetegui sente a ameaça e lança Quaresma, que ainda na linha lateral vê Talisca cabecear muito perto do alvo. Mas nem trivelas nem nada de bom para o FC Porto. Após quatro minutos em campo, finta falhada e puxão a Eliseu – para amarelo. Só Jackson alimenta a esperança azul. Nada que intimide o Benfica: na jogada seguinte, em cima do minuto 60’, Pizzi volta a testar Helton. Estes foram
os dez minutos que consumaram a exceção à regra do que foi o clássico de ontem. Dos raros momentos com remates e perigo a rondar as balizas. Pena que passou depressa, a seguir o taticismo e o receio do erro voltaram a imperar.
Rui Santos [60-70]: Até que Jesus lança Fejsa
Poucos poderiam imaginar que Jesus seria capaz de refazer o seu meio-campo tendo no relvado, em simultâneo, dois médios mais defensivos, como Samaris e Fejsa. Mas foi o que aconteceu. Quando, aos 64 minutos, o sérvio entrou para o lugar de Talisca, o Benfica "meteu gelo" no exato momento em que o FCPorto começava a preparar o assalto final. Alteração preciosa, que funcionou muito melhor do que a troca que Lopetegui também fez nesse mesmo minuto (saída de Evandro, entrada de Hernâni). Esta era a fase do clássico em que os dragões revelavam os primeiros sinais de ansiedade. O relógio avançava, não havia de forma de encontrar o caminho para a baliza de Júlio César e, por isso, o discernimento começava a desaparecer. Terá sido essa a razão, aliás, do cartão amarelo a Jackson, por entrada perigosa sobre Jardel.
O Benfica estava, claramente, mais confortável no clássico.
Paulo Futre [70-80]: ... para garantir o equilíbrio
A qualidade do espetáculo parecia que, finalmente, ia subir um bocadinho, mas esta foi a fase em que tudo acabaria por voltar ao início. A partir dos 70 minutos, o jogo baixou para o nível da 1.ª parte. Péssimo para gosta de emoção e de lances junto às balizas, mas uma maravilha para os amantes da tática. Toda a gente preocupada em anular os espaços; os criativos sempre com muita dificuldade em arranjar tempo para pensar; e a ideia de que ambos os treinadores recuaram, nesta fase, com receio de dar algum passo em falso. Ficou a sensação de que o jogo até esteve prestes "a partir", mas, na realidade, a organização defensiva – de ambos os lados – acabou sempre por ser prioritária e levar a melhor. Dois amarelos nesta fase do jogo (Marcano e Fejsa) e ambos justificados. Duelo longe de ser entusiasmante. A não ser, como já disse, para quem adora estas batalhas táticas.
Rui Santos [80-90]: ... num jogo que nunca foi bom!
Num jogo em que o Benfica jogou claramente com o resultado e o relógio, os últimos 10 minutos revelaram a impotência do FC Porto em transformar o derradeiro fôlego em pelo menos um golo. Um golo que, a acontecer, deixaria tudo em aberto até final do campeonato, uma vez que o Benfica passaria a ficar no limite da pressão psicológica. No final do clássico, a conclusão, muito próxima do que deram os 10 minutos finais ontem na Luz: o FC Porto falhou o seu objectivo; o Benfica sai incólume e com o campeonato na mão. Frustração portista e sensação de dever cumprido da parte dos encarnados. Foi, aliás, neste período, que o Benfica construiu a sua melhor e única oportunidade de golo, por Fejsa, e foi neste período que Jorge Jesus fechou a porta à entrada de Hernâni, quando colocou André Almeida nas costas de Eliseu. Um clássico que se vai apagar rapidamente da memória colectiva. Quem gosta de futebol, não pode ter gostado deste Benfica-FC Porto.