Josué foi um dos jogadores do Legia Varsóvia que acabou detido na Holanda depois do jogo com o AZ Alkmaar, para a Liga Conferência. O médio português passou uma noite na prisão e acabou libertado no dia seguinte, regressando à Polónia depois de uma experiência que, garante, foi traumatizante a todos os níveis.
"Foi uma noite terrível. Nunca tinha vivido nada tão mau e injusto. E acreditem, já passei por muito na minha vida. Não desejaria aquelas horas, incertezas e medos ao meu maior inimigo. Estou fora da prisão mas vai demorar a recuperar mentalmente. Terei de viver com isto, mas por outro lado queria tirar isto da minha cabeça, como, por exemplo, o que vestia naquela altura", começou por contar Josué, numa entrevista ao 'Sportowefakty'.
"Quando me puseram sob custódia, tive de devolver os brincos pretos que tinha na altura e os meus sapatos. Nunca mais vou usar esses brincos. Nem pensar! E os sapatos? Foram para o lixo imediatamente após a devolução. O mesmo aconteceu com a roupa com que eu jogava na altura. Disse ao Sebastian, o nosso técnico de equipamentos, para se livrar dela. Mas as coisas podem ser deitadas fora, e não é assim tão fácil tirá-las da cabeça. Porque afetou muito, não só a mim, mas também à minha família. Como já disse, tenho de viver com isso, mas não quero que a minha filha viva com isso, pois teve de responder a perguntas de outras crianças na escola sobre o motivo pelo qual o pai dela estava preso", lamentou o centro-campista, descrevendo em seguida o cenário na cela.
"Deram-me pão, mas não o quis comer. Não comi nada durante mais de meio dia. Só pedi para me lavar, para lavar as mãos e a cara. Não fazes ideia quem está ao teu lado na cela. Se mataram alguém, se violaram alguém. Não fazes ideia. É impossível dormir num sítio assim, numa situação assim. Não consegui dormir, foi o pior sítio em que já estive em toda a minha vida. Quando regressei a casa, depois da primeira noite, a minha mulher disse-me que passei a noite toda com os braços dobrados, como se me estivessem a deter. Até durante o sono, o meu corpo estava a reagir. Um dos polícias disse-me que não sabia o que é que eu estava ali a fazer. Lembro-me do número da cela, tive uma crise lá dentro. Comecei a ter medo de ter de ficar lá durante mais alguns dias. O tempo passou muito devagar", recordou.
A confusão, recorde-se, ocorreu quando a equipa do Legia saiu do estádio e foi travada pelos seguranças do recinto, gerando-se um desentendimento que levou então à detenção de várias pessoas, entre elas Josué. O internacional português sublinha que os seus colegas foram tratados como "animais" e diz que chegou a pensar que os elementos da polícia eram ultras do AZ, pois tinham a cara tapada quando se acercaram do autocarro do Legia.
"O presidente [do Legia] Mioduski tentou explicar-lhes toda a situação. Disse-lhes quem era e sublinhou que não tinha gostado da forma como tínhamos sido tratados. E quando pegou no telemóvel para registar o que se passava, tiraram-no e começaram a empurrá-lo. (...) Estávamos sentados no autocarro e, de repente, o treinador chama-me, como capitão. Diz-me que a polícia tem um suspeito em mente, porque aparentemente um dos seguranças foi ferido. E esse suspeito é Rasha Pankov. Fiquei surpreendido. O treinador disse-me então que a polícia queria que ele passasse a noite na esquadra. Mas nunca nos disseram que ele estava detido. E acreditem, não é a mesma coisa. Depois digo ao treinador que se o Rasha for lá sozinho, pode magoar-se. Olhando para a forma como nos trataram, tinha a certeza de que se o Rasha fosse sozinho, que iria magoar-se. Eu disse-lhe que ele não podia ir sozinho. O treinador disse-me que ali não havia lugar para negociações. Passaram-se 15 minutos. O treinador fala com a polícia, com Rasha e este diz que sim, que vai com a polícia. Os agentes já tinham dito que, se o futebolista não saísse, entrariam no autocarro. E isso seria um massacre. (...) Mas depois o polícia disse: 'Não, não, não. Já há dois suspeitos. O segundo está a usar brincos pretos'. O treinador pergunta: 'Mas quem é o que tem os brincos pretos?' O polícia responde: 'Não sei. O que tem os brincos pretos'. Era sobre mim. Eu digo ao treinador: 'Ok, vamos embora.' Como equipa, não podíamos permitir que a polícia invadisse o autocarro, porque seria um massacre. Quando saí do autocarro, disse ao polícia: 'Eu vou convosco.' Mas não foi suficiente. Torceram-me os braços e levaram-me como se eu fosse um assassino."
O telemóvel descarregado e a filha
Josué relatou também que algo de "estranho" aconteceu com o seu telemóvel, que terá sido utilizado por outras pessoas: "Carreguei-o a 100%, estava com 100% depois do jogo. Quando mo devolveram no dia seguinte, estava sem bateria. Algo aconteceu. Falei com a minha mulher e ela estava a chorar muito durante toda a conversa. Ficou sem informações minhas durante muitas horas. A minha filha nem foi à escola na sexta-feira".
As informações que iam chegando à sua filha sobre a situação foram algo que também atormentou Josué: "A minha filha ouviu a minha mulher a falar com pessoas do Légia. A minha mulher tentou falar com o mundo inteiro. Com o Legia, com os meus agentes, com a embaixada portuguesa, tentou compreender tudo. A minha filha tem 11 anos. Tem acesso à Internet, viu as fotografias [que circulavam]. Viu imagens no TikTok com a legenda 'Josué na prisão'".
Por Record