R – Que balanço faz destes seis meses à frente do Real Madrid?
JM – Se o jogo com o Barcelona não tivesse existido, a nossa época era mais do que fantástica. O Real Madrid não tem apenas treinador e equipa técnica diferentes; tem meia equipa contratada no início da temporada – há cinco jogadores novos no onze habitualmente titular. Este Real não é de continuidade, antes representa uma rotura com o passado. Ora jogando com a qualidade que temos evidenciado; ganhando normalmente com autoridade; sendo a equipa com mais pontos conquistados na Champions; depois de termos progredido na Taça do Rei e com treze vitórias, dois empates e uma derrota na Liga, se estivéssemos num campeonato dos outros, naqueles em que todos perdem muitos pontos, como em Itália ou Inglaterra, significaria estarmos isoladíssimos no primeiro lugar. Em Espanha isso não acontece porque nós e o Barcelona ganhamos quase todos os fins-de-semana e a Liga será decidida, muito provavelmente, nos jogos entre nós.
R – Nesse contexto, a derrota em Barcelona coloca-os em clara desvantagem...
JM – É uma desvantagem, claro. Só não digo que a temporada está a ser perfeita porque perdemos esse jogo, ainda por cima por números pesados. Mas houve um treinador histórico deste clube que, depois de ter perdido um jogo por 0-9, afirmou que preferia perder um jogo por 9, do que perder nove jogos por 1. E eu utilizo as palavras dele para dizer precisamente a mesma coisa: prefiro perder um jogo por 5, do que perder cinco por 1.
R – Como interpretou a reação da equipa ao desaire de Camp Nou?
JM – Foi a que eu esperava, isto é, uma reação à altura da equipa que somos. Perante um golpe duro como foi esse, vencemos os quatro jogos seguintes (2-0 ao Valencia, 4-0 ao Auxerre, 3-1 ao Saragoça e agora 1-0 ao Sevilha), revelando uma força mental tremenda para ultrapassar uma situação da qual era muito difícil sair. E é isso que me dá garantias de que há equipa para prosseguirmos o trabalho que temos desenvolvido.
R – Não tem recriminações a fazer?
JM – Estou contente com a equipa e também com o facto de estes seis meses me terem permitido conhecer melhor o clube, de modo a perceber melhor as dificuldades que tem e a decifrar a melhor maneira de contribuir para que evolua para um novo ciclo de vitórias, porque essa é a matriz do Real Madrid. Não apenas contentarmo-nos com triunfos isolados.
R – Podemos estar no início de um ciclo vitorioso?
JM – Desde que foi considerado o clube do século, ou seja, na última década, o melhor que conseguiu foi uma ou outra vitória e não mais do que isso. Tendo em conta que estamos no princípio, que somos uma equipa demasiado jovem para as exigências e responsabilidades do clube (se tirarmos o Ricardo Carvalho, único a ter mais de 30 anos, e o Casillas, que tem 29 mas é guarda-redes), acredito que podemos criar as bases de um novo ciclo vitorioso.
R – Ganhar olhando também para o futuro é um dos seus propósitos? Será possível fazer aqui, em 2010, o que o Barcelona fez há cerca de 20 anos?
JM – O Barcelona tem jogadores fundamentais na sua equipa que não vão durar mais dez anos, nem mais sete ou cinco – se calhar, a este nível, duram mais um ou dois. O Real não tem esses problemas, porque só o Ricardo Carvalho, aos 32 anos e com mais dois de contrato, está fora desse contexto mais alargado – termina com 34 e não pode ser visto como jogador para cinco ou dez anos. Os outros, porque são muito jovens, permitem pensar numa equipa com margem de progressão enorme. Agora é preciso ter em conta que a pressão neste clube é muito grande, pelo que nada pode ser feito se não ganharmos já. Trabalho com essa intenção, até porque estou cada vez mais consciente, como já referi, do peso histórico deste clube, da sua estrutura, do seu organigrama e das funções de cada um. E estou também mais perto de perceber onde e como posso ajudar o clube a crescer nessa direção.
R – Considera que está a fazer um trabalho a médio/longo prazo?
JM – Apesar de ter quatro anos de contrato, tenho a perfeita noção de que, apesar do objetivo que orientou a minha vinda para o Real – e o clube contratou-me por números absurdos para um treinador – nestas grandes instituições a pressão social é muito grande. O ideal seria cumprir o tempo de contrato mas sei, todos sabemos, que para tal não posso passar um, dois ou três anos sem ganhar títulos. Sempre soube as regras do jogo. E como não posso ficar aqui uma vida inteira sem vitórias a preparar o futuro, o melhor é consegui-las o mais depressa possível.
R – Dá prioridade à liga espanhola ou à conquista europeia que foge desde 2002?
JM – O Real Madrid proclama-se, orgulhosamente e por direito próprio, como o clube das taças europeias. Mesmo considerando que as primeiras cinco vieram de rajada, há mais de meio século, fruto de uma geração notável de jogadores que aproveitou um momento único na história do futebol, a verdade é que, em tempos mais recentes, conseguiu três vitórias num curtíssimo lapso temporal. Encurtando caminho, procura a 10.ª taça o que, acima de tudo o resto, é um número bonito e imponente.
R – Pode dizer-se que é esse feito que procura?
JM – Eu não consigo definir as prioridades e ir atrás de uma vitória específica. Pela forma como construo as equipas é impossível definir que o estou a fazer para esta competição e não para outra. Só consigo construir uma equipa boa, sólida, que possa bater qualquer adversário, que tenha uma forte estrutura tática e psicológica para fazer face ao desgaste de uma época. Jogar para vencer uma competição é uma coisa, para ganhar três é outra totalmente diferente. E aqui não fazemos escolhas, porque eu não permito.
R – Apesar de estar em todas as frentes, a sua gestão do plantel tem sido muito apertada, quase inexistente...
JM – Há campeonatos que permitem alargar esse conceito mas o espanhol não deixa gerir coisa alguma; este é o campeonato em que temos a noção de que cada ponto perdido é um passo atrás.
«Di María já conquistou o Bernabéu»
R – Está contente com o desempenho de Di María?
JM – Estou supercontente. Não só eu mas o público. No Real Madrid o mais difícil não é o treinador estar contente com o jogador. É que os adeptos estejam contentes. Di María conquistou o Bernabéu e, a partir do momento em que isso acontece, o mais difícil está feito. Antes ainda de mostrar o que podia dar sob o ponto de vista da qualidade do jogo, começou a mostrar-se pela postura em campo. E o Bernabéu respeita isso. Gosta de quem luta, de quem deixa tudo em campo, de quem trabalha e joga com intensidade. Àqueles que não a têm, o público não perdoa.
R – E ele tem sido decisivo em algumas partidas do Real Madrid...
JM – A diferença fundamental é que nos anos anteriores ele fazia um jogo muito bom, um jogo mais ou menos e a seguir um mau. Agora faz um muito bom, outro bom, depois um muito bom e outro muito bom também. E conseguiu elevar este nível de rendimento para patamares de regularidade muito altos. O modo da equipa jogar acho que é muito adaptado a ele. Eu também sabia que ele jogava bem no meio-campo, que desempenhava as funções defensivas e depois abria bem na ala. Mas a jogar com três na frente, predominantemente na direita, à procura das combinações com o atacante mais central e à procura da zona interior para usar o seu melhor pé, ele é muito forte. E depois é um miúdo que trabalha muito, é disciplinado na sua vida privada e social e tem tudo para crescer ainda mais.
«Desgaste pode pesar na Europa»
R – Prevê que o desgaste de um campeonato como o espanhol terá consequências na Champions, por exemplo?
JM – Claro que sim. A Champions aquece lá para março ou abril, que é precisamente o momento em que começamos a acumular jogos em excesso. Pode pesar. E isso é suscetível de pesar numa equipa como a nossa. Vamos ver se chegamos em boas condições a essa fase da competição em que tudo se decide.